A esquerda ainda domina a cultura no Brasil e, se
vamos falar do papel da mulher na política e na cultura, precisamos começar
analisando o significado dessa hegemonia.
Só uma pequena parte da esquerda mantém um discurso
mais ligado às raízes dos movimentos socialistas e continua apelando para
desusados termos do dicionário marxista e revolucionário. Já a maioria desse
espectro político — aquela que ainda tem algum poder de sedução sobre as
mentes mais jovens — centraliza seu discurso fundamentalmente em questões de
gênero e sexualidade, apelando para uma ideia de desconstrução que passa
inevitavelmente por um questionamento dos valores morais e da tradição.
Assim, é de se notar que, ao passo que o marxismo
punha em cheque os valores morais qualificando-os de valores burgueses, a
esquerda progressista continua esse processo de desqualificação por outros
meios, e um deles consiste em centrar esforços na construção de um discurso
afirmativo e glorificante em relação a todo e qualquer desvio da sexualidade
normal, inclusive problematizando, por meio da criação de neologismos, a
existência dessa normalidade.
Fala-se, por exemplo, de 'heteronormatividade',
palavra cult que visa a questionar o
pressuposto de que somos e de que os outros são naturalmente heterossexuais ou
que essa seria, pelo menos, a chamada normalidade sexual. Ocorre que o fato de
pressupormos alguma normalidade, naturalidade ou regra não significa que não
tenhamos em mente a existência de exceções e, principalmente, não impede que
respeitemos, que acolhamos e que afirmemos a dignidade da pessoa homossexual,
bissexual ou transexual.
O problema é que, na preocupação excessiva de não
sermos tachados de preconceituosos, deixamo-nos subjugar por uma visão de mundo
que, de tão autoritária, quer nos impor uma linguagem criada por eles mesmos. Quer
impor, por exemplo, uma absurda modificação na língua portuguesa trocando as
desinências de gênero por um "x" ou "@" que denotaria justamente aquela ausência
de pressuposição heteronormativa, sugerindo que tudo, inclusive o gênero, seria
uma construção social.
Trata-se, obviamente, de uma revolta contra a
natureza e explicita o caráter totalmente materialista e imanentista da visão de mundo
da esquerda progressista.
Não seria uma vã digressão irmos até a Grécia
Clássica, pois lá veríamos que a concepção naturalista, hedonista e
reducionista do ser humano já era combatida por Sócrates, cuja originalidade foi
justamente sugerir que não é por meio da expansão e da satisfação da sua
natureza física que o homem pode encontrar a harmonia com o ser, mas sim pelo
domínio completo sobre si próprio, de acordo com a lei que se descobre no exame
da própria alma.
Ora, nenhum materialista acredita nessa alma imortal
que, para Sócrates, era a fonte dos supremos valores. Materialistas não
acreditam em valores eternos. Consequentemente, pensam ser possível criar e
impor valores e verdades por meio do discurso e da prática social. Os sofistas,
outrora vencidos pela dialética socrática, estão hoje dominando a cultura, a
mídia e as salas de aula. Os sofistas de hoje (que não chegam aos pés do pior
sofista da antiguidade) estão educando os nossos filhos e tentando fazê-los
crer que a moralidade humana é algo puramente convencional.
A disputa cultural de hoje permanece sendo, pois, como
na época de Platão, uma disputa entre dois tipos de humanismo ou duas
concepções distintas a respeito de natureza humana:
a) Um lado parte da concepção da natureza humana
como mero instinto, e o seu ideal coincide com o ideal dos tiranos — embora
atue nos espaços democráticos e desvirtue a palavra democracia ao seu bel
prazer como fazem com as outras.
b) O outro lado não julga apetecível o poder do
tirano e, por isso, tem outra concepção de felicidade e de natureza humana. Ele
pretere o poder à Paidéia,
ou seja, ao aperfeiçoamento gradual do homem conforme o destino de sua própria
natureza, concebida aqui da maneira mais elevada possível.
Hoje, como antes, trata-se de escolher entre a
filosofia do poder e a filosofia da educação; entre o ideal da kalokagathia (de kalos kai agathos— belo e bom) e o
ideal tirânico. Trata-se de escolher entre a luta que se prolonga por toda uma
vida como uma batalha da alma para se libertar da ignorância e a luta para
exercer o poder externo e subjugar mentes à concepção deletéria e infantil do
materialismo e das práticas políticas que o tem por base.
Mulheres
e feminismo
E onde entram as mulheres nessa nossa reflexão? Na
necessidade premente de se vincularem à política por outro viés que não aquele
pautado pelas feministas.
As pautas do feminismo atual são as pautas da
esquerda progressista, e esse movimento tende a querer impor de cima para baixo
leis que, em vez de limitar o poder — que o nós liberais, libertários ou
conservadores defendemos —, querem exatamente ampliá-lo.
Pior: querem fazê-lo incidir sobre nossas relações
interpessoais e quotidianas.
Tome-se como exemplo os projetos de lei e,
especificamente, a lei
aprovada em Fortaleza que prevê multa de R$ 2.000 para quem for flagrado
dando uma "cantada" em uma mulher. As feministas de hoje se dedicam a
problematizar os elogios e descontos que recebem em casas de show, as
propagandas das quais participam, e os brinquedos infantis que as lojas oferecem
às suas filhas. E, ao mesmo tempo em que problematizam até o (raro)
comportamento cavalheiresco do homem, atribuem à "sociedade" e à sua suposta
"cultura machista" a culpa por um crime repulsivo como o estupro, o qual é de
responsabilidade inteiramente individual, desta forma lançando sobre todos os
homens uma culpa hipotética.
Agindo assim, cometem o equívoco de considerar que
entre uma simples cantada e um assédio real ou mesmo um estupro não há uma
distinção de natureza, mas sim apenas de grau.
O resultado dessa forma equivocada de abordagem é
que, em vez de concentrar esforços na punição exemplar do indivíduo que cometeu
o horrendo crime de estupro, passa-se a criminalizar, a policiar ou
simplesmente a patrulhar a fala, o gesto, o olhar.
Esse exemplo nos mostra como as pautas feministas
estão absolutamente deslocadas da realidade e não raramente atuam contra as
reais e concretas necessidades das mulheres. Por enxergarem o mundo sob uma ótica
reducionista e, como tal, equivocada, militantes feministas, assim como militantes
LGBTs servem a causas e projetos políticos que, caso saíssem vitoriosos,
resultariam em um atraso significativo em relação às conquistas dessas chamadas
minorias.
Como não enxergar o paradoxo de uma "marcha das
mulheres contra Trump", ocorrida em Janeiro de 2017 e organizada pela islamita Linda Sarsour, uma
ativista em prol da implementação da lei islâmica (sharia) nos EUA? Como não
estranhar que ativistas dos direitos LGBT apoiem explicitamente os regimes
socialistas ou sejam profundamente simpáticos aos muçulmanos quando sabemos
que, seja nas ditaduras socialistas, seja nos países islâmicos essas pessoas
não têm seus direitos e sua liberdade minimamente respeitados e protegidos?
A explicação é que tanto as pautas que dizem
respeito à diversidade sexual quanto as pautas que dizem respeito às mulheres
foram instrumentalizadas pelos movimentos sociais progressistas, tendo como
resultado o descolamento da realidade por meio de uma manipulação da linguagem.
Com essa manipulação da linguagem, a esquerda progressista tenta calar toda e
qualquer dissidência, a qual passa a temer sua própria expressão como se
habitássemos realmente esse mundo imaginário em que todo homem que dá uma
cantada em uma mulher é um estuprador em potencial, em que toda pessoa que não quer
que se faça experiências de engenharia social com o seu filho é preconceituosa,
em que todo homem que não quer ver seu filho brincando de boneca é machista, em
que toda mulher que não seja chata e problematizadora é analfabeta política, em
que todo aquele que não quer se enquadrar nessa visão de mundo obtusa e
dissolvente é fascista.
É preciso coragem para enfrentar essa violência que
nos é quotidianamente imposta. A violência de sermos acusados do que não somos
simplesmente porque a esquerda usa a linguagem como instrumento de poder, de
manipulação, sem qualquer interesse pela verdade, pela realidade, pelos fatos. Não
odiamos pobres: isso seria patológico e desumano. Não queremos retrocesso: isso
seria estúpido. Não somos preconceituosos: lutamos pela liberdade. Não somos fascistas: queremos menos
estado. Não somos mulheres sem consciência política: somos mulheres cuja
consciência moral não se anulou.
Se não confrontarmos as narrativas totalitárias da
esquerda e se não nos recusarmos ao silêncio obediente que nos querem impor,
não conseguiremos agir eficazmente naquilo que realmente importa.
Queremos lutar contra injustiças e não perder tempo
com trivialidades. Por isso é tão importante começarmos a tratar a questão do
feminino fora das categorias capturadas pelo discurso feminista. Somos
mulheres, mas nosso discurso brota de uma experiência direta, concreta, real. E
essa experiência nos diz que não é achincalhando o homem que nos liberaremos
dos supostos grilhões que ainda porventura nos prendem.
Política
e "empoderamento" feminino
É elevando a nossa voz e forçando a passagem com
contumácia e retidão que haveremos de lograr êxito nesse ambiente
tradicionalmente masculino que é a política. Mulheres na política para elevar a
política à sutileza e à experiência estética e amorosa próprias da mulher, e
não para degenerar a mulher em instrumento manipulável ao bel prazer das
ideologias.
A condição de ser mulher é totalmente compatível com
a possibilidade de aprimoramento próprio, de engrandecimento intelectual,
moral, espiritual. Isso não significa que não se constate as particularidades e
dificuldades da condição feminina, mas, em muitos aspectos, seria possível ver
as dificuldades sob um prisma positivo. Se levarmos em conta que uma das
maiores realizações do ser humano está na sua capacidade de servir, na doação
de si, no auto-sacrifício, então a mulher encontra na maternidade a grande
oportunidade desse exercício e nisso leva vantagem em relação ao homem, pois a
natureza lhe favoreceu sobremaneira nesse caminho, proporcionando-lhe essa
experiência que é natural e ao mesmo tempo supranatural pela sua grandeza
potencial.
Bem sei que essa reflexão será tachada de
conservadora, como se reservasse à mulher apenas o lugar comum da maternidade,
mas não se trata disso. Trata-se de afirmar que a capacidade de auto-entrega e
de doação de si pode, e até mesmo deve, ser levada em conta como esfera da
realização e que, se o critério de emancipação ou de existência autêntica
apregoado pelas feministas limita-se ao chamado "empoderamento feminino", isso
não deixa de ser o sintoma de uma civilização profundamente egoísta que, a
despeito de se afirmar cristã, já não enxerga o sacrifício como virtude.
É preciso reconhecer que, na civilização ocidental, a mulher já se alçou a patamares
elevadíssimos na esfera social, material e cultural. É por isso que é absurdo e
contraproducente para as próprias mulheres que as suas questões sejam pautadas
por um movimento social que é subserviente a uma visão de mundo que renega o
próprio mundo que lhe assegura a liberdade e que flerta abertamente com modelos
de sociedades fechadas e ditatoriais.
Esse feminismo, cuja pauta fundamental é a descriminalização do aborto,
não nos serve porque nós servimos à vida e não à morte; nosso apreço é pela
liberdade e nossa luta é pela proteção da vida, desde a concepção. De fato, um
dos problemas do pensamento político que se auto-intitula progressista é paradoxalmente
a sua incapacidade de progredir, pois insiste em travar batalhas já vencidas em
vez de fluir com o dinamismo social e enxergar os novos campos de luta que se
põem.
Se a questão da mulher permanecer circunscrita a
esse conceito esdrúxulo de "empoderamento feminino", a suposta emancipação só
se dará pela recusa da moralidade, da ordem, da tradição, das instituições, o
que redundará em uma rebeldia tola e inconsequente que poderá facilmente ser
cooptada por um espírito revolucionário cuja cosmovisão é claramente
materialista e, por isso mesmo, limitada e sectária.
Homem
e mulher
A tarefa da mulher, porém, não é apenas sublimar
valores. É isso e é mais que isso. Sua tarefa é elevar a cultura com sua
sensibilidade, é inovar na política com sua bravura e é, também, conciliar o
ser humano com aquilo que lhe é mais nobre: a vontade de justiça e de verdade.
Isso não significa ditar "diretrizes de conduta",
mas sim apontar para o que é, em si mesmo, um valor e assumir esse valor como
norteador de nossas estratégias, sejam elas quais forem, deem-se elas por meios
culturais, políticos ou religiosos.
O mesmo ímpeto deve acompanhar aquele cuja luta se
expressa na liderança doméstica ou na liderança de uma empresa. Os mesmos
valores ético-morais devem nortear aquele que trabalha a terra ou o intelecto.
E os mesmos valores devem ainda nortear a conduta daquele ente que está
naturalmente mais familiarizado com a força e daquele ente cuja força se
expressa também na sutileza de suas impressões singulares e superiores.
A mulher e o homem equiparam-se quando, juntos,
buscam elevar a si mesmos e a sua descendência, à qual servirão de exemplo;
quando, juntos, conquistam terreno de concórdia e pacificação; quando, juntos,
renegam o discurso totalitário que os segrega, como se fossem dois combatentes
e não seres humanos unidos no campo de batalha terreno.
Cada um com sua qualidade própria, cada um com sua
singularidade, cada um com suas características que, conjugadas, podem aumentar
exponencialmente a capacidade empreendedora e criadora da sociedade.
Conclusão
O âmbito político é um campo aberto para a participação
feminina. Que essa participação, porém, venha em forma de acréscimo de força e
de moralidade, e não de intransigência e devassidão.
A ausência de maturidade moral dos integrantes de
qualquer agremiação a transforma em uma espécie de doença inesperada e estranha
que se incrusta no tecido social.
O feminismo, como toda organização política que se
imanentizou totalmente, perdeu suas características e hoje raramente traduz um
anseio real e espontâneo. Na maioria das vezes é um conjunto de lugares-comuns,
clichês e palavras de ordem carentes de valor e sentido. Sua meta é, não raro,
a dissolução daquilo a que deveríamos almejar por meio da conjugação entre os
iguais para metas superiores.