O senhor Benjamin Steinbruch — dono da CSN,
vice-presidente da FIESP e o homem que já literalmente quis fechar o Brasil para proteger
sua reserva de mercado — escreveu uma coluna
para a Folha de S. Paulo em que direciona suas lamúrias contra os juros
praticados pelo mercado brasileiro.
Acertadamente, ele diz que, apesar da queda da taxa SELIC,
hoje no patamar de 6,5%, os juros reais continuam muito altos no país, principalmente
na área de varejo — embora as principais modalidades já estejam se
encaminhando para as menores taxas da história (veja os gráficos do Banco
Central aqui e aqui).
No entanto, Steinbruch, pelo menos aparentemente,
mostra não ter ideia do porquê de os juros serem altos no país. Prova disso é
que aplaude iniciativas como a do BNDES (sempre ele!), que está oferecendo
taxa fixa de juros para empréstimos de capital de giro, "uma iniciativa
limitada, mas na direção certa", segundo ele. Mostra-se otimista também com a
promessa dos bancos de promover uma "autorregulamentação para tentar cortar os
juros do cheque especial".
A verdade é que Steinbruch gasta um artigo inteiro,
no maior jornal do país, para reclamar de algo cuja causa ele parece ignorar, acreditando
infantilmente que mais intervenções diretas do governo ou promessas vagas dos
banqueiros teriam o condão de resolver o problema. Em nenhum momento ele aponta
o dedo para as reais causas.
Vamos a elas, então.
1. O governo fica com boa parte da
poupança disponível
A primeira — e talvez mais importante — causa está
no aumento desmesurado dos gastos públicos.
Como as despesas sempre crescem
acima das receitas, quanto mais o governo aumenta seus gastos, maiores os
seus déficits orçamentários. E como o governo financia estes déficits? Exato,
emitindo títulos do Tesouro.
E aí ocorre o inevitável: ao tomar empréstimos — ou
seja, emitir títulos —, o governo se apropria de dinheiro que poderia ser
emprestado para empresas investirem ou para as famílias consumirem.
Não há mágica ou truques capazes de alterar essa
realidade: quando o governo se endivida, isso significa que ele está tomando
mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito,
sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.
Isso significa que o governo está dificultando e encarecendo o acesso das
famílias e das empresas ao crédito.
Como tudo mais na economia, os recursos disponíveis
para investimentos (poupança) são escassos. No Brasil, onde a taxa de poupança
em relação ao PIB está
abaixo da média mundial, eles são ainda mais escassos.
O problema se torna acentuado quando o governo (um
tomador considerado de baixo risco pelo mercado, pois controla a emissão da
moeda) absorve uma enorme parcela dos escassos recursos disponíveis, deixando
para o resto do mercado tomador apenas a parte residual.
E qual é o volume que o governo absorve? Considerável.
Só no ano de 2016, por exemplo, o déficit nominal do
governo federal foi de R$
450 bilhões. Só que, além de ter pegado emprestado R$ 450 bilhões para
cobrir este déficit, o governo também teve de pegar emprestado mais R$
654 bilhões apenas para refinanciar
sua dívida — isto é, para honrar aquela dívida que estava vencendo, mas para a
qual não havia dinheiro em caixa para quitar.
(O déficit nominal eleva a dívida: o governo se endivida para pagar encargos da dívida. Já o refinanciamento deixa a dívida inalterada: o governo se endivida para pagar uma dívida de mesmo valor).
Em suma, em apenas um ano, o governo federal
absorveu R$ 1,104 trilhão em recursos
do mercado de crédito: R$ 450 bilhões (déficit nominal) foram para pagar despesas correntes,
investimentos e encargos da dívida, e R$ 654 bilhões foram exclusivamente para
refinanciar — ou, como dizem no popular, rolar
— a dívida.
O que significa o governo absorver R$ 1,104 trilhão do mercado de crédito? Simples: dado que o PIB nominal de 2016 foi de R$ 6,266 trilhões, temos que o
governo federal absorveu nada menos que 18% do PIB.
Por incrível que pareça, esse número já foi pior. Esta
tabela elaborada pelo economista Gustavo Franco mostra que, em 2011, por
exemplo, esse valor chegou a 19,3% do PIB, muito maior que a de quase todos os países desenvolvidos.

Ora, o preço do dinheiro, como o de qualquer outro
produto, é regido pela lei da oferta e da demanda. Se esta é muito maior que
aquela, o preço (no caso, os juros) será mais alto.
A prova de que há escassez de oferta de crédito pode
ser observada no fato de que, embora a SELIC esteja em 6,50% ao ano, há financeiras pagando 11,75% ao ano
para qualquer indivíduo que lhes emprestar dinheiro, como você.
2. A existência de créditos subsidiados
Outra razão de os juros serem muito altos para boa
parte das empresas do setor privado está na existência dos famigerados juros subsidiados,
praticados pelos bancos públicos (BNDES, Caixa e BB).
Nesta modalidade, o Tesouro repassa dinheiro de
impostos para os bancos estatais, os quais então ficam possibilitados de
emprestar a juros abaixo da SELIC para grandes empresas privadas.
Além de consumirem recursos públicos, aumentando o
déficit fiscal (1), os recursos subsidiados geram aquilo que, em economia,
chamamos de "seleção adversa": exatamente por cobrar juros tão baixos, os bancos
estatais irão emprestar somente para as empresas que têm o melhor perfil de
risco e a maior capacidade de honrar suas dívidas. Consequentemente, os
melhores tomadores serão todos capturados pelos bancos estatais, deixando as
outras empresas — principalmente as pequenas e as médias, que têm risco maior
— para o restante do sistema bancário.
E dado que o sistema bancário ficará agora apenas
"com as sobras", os juros cobrados para estes — que têm risco maior
e histórico de crédito mais duvidoso — inevitavelmente serão maiores.
E qual é o volume deste crédito estatal subsidiado? Simplesmente metade de todo o crédito do país. No gráfico abaixo, a linha vermelha mostra a evolução do crédito livre, e a linha azul mostra a evolução do crédito direcionado, que é exatamente o crédito subsidiado.

Ou seja, ao fornecer crédito farto e subsidiado para
as grandes, os bancos estatais capturam as empresas com o melhor perfil de
risco, deixando para os bancos privados todas as outras empresas de maior
risco.
Resumindo: os recursos subsidiados são demandados
com voracidade por todas as empresas — e a concorrência geralmente é vencida
por aquelas que dispõem de melhores cadastros e, principalmente, vínculos com
políticos e burocratas. Assim, grandes empresas e conglomerados têm muito mais
chance de obter empréstimos camaradas, por exemplo, junto ao BNDES do que as
demais.
Com os grandes tomadores fora do mercado regular,
porque abastecidos pela camaradagem estatal, a taxa média de risco será mais
alta — e o risco, como é sabido, está entre os principais fatores de
encarecimento da taxa de juros.
3. Depósitos compulsórios elevados
Segundo o próprio Banco Central:
"Os recolhimentos compulsórios constituem-se
em um instrumento à disposição do Banco Central para influenciar a quantidade
de moeda na economia. Eles representam uma parcela dos depósitos captados pelos
bancos que devem ser mantidos compulsoriamente "esterilizados" no Banco
Central. A alíquota dos recolhimentos compulsórios é um dos determinantes do
multiplicador monetário, ou seja, do quociente da oferta de moeda em relação à
base monetária."
Historicamente, a alíquota do compulsório no Brasil
costuma ser muito mais alta que nos países desenvolvidos. Atualmente, as taxas atuais são de 25% para depósitos a
vista (até recentemente
eram de 40%; em 2014 chegou
a 45%), 20% para depósitos em poupança e 34% para os depósitos a prazo.
Países como Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia,
Austrália, Suécia e Hong Kong não
possuem compulsórios. Veja aqui
a lista dos compulsórios nos principais países do mundo. O do Brasil é disparado
o maior — devido ao nosso histórico de alta inflação, o compulsório tinha
realmente de ser alto.
Novamente, a menor disponibilidade de recursos
oferecidos aos tomadores fará subir o custo do dinheiro.
4. Crescente concentração do mercado
bancário
Temos hoje apenas cinco bancos de varejo operando
por aqui, sendo três deles privados (Bradesco, Itaú e Santander) e dois estatais
(Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), sendo que os dois
estatais lideram em termos de ativos.
Cerca de 80%
das operações de créditos estão concentradas em BB, CEF, Itaú e Bradesco.
O fato de haver apenas cinco bancos dominantes se dá
pelo complexo
emaranhado regulatório determinado pelo Banco Central para a operação de
bancos comerciais no Brasil. Não é qualquer um que pode abrir um banco no Brasil,
e não é qualquer banco estrangeiro que pode vir se estabelecer no Brasil.
Essa super regulamentação, combinada com taxas de
compulsório elevadas, se por um lado garante um sistema menos arriscado para
correntistas e investidores, por outro reduz sobremaneira a oferta de serviços
e de dinheiro, prejudicando justamente aqueles que mais precisam de crédito.
O surgimento das fintechs — as quais a atual
diretoria do BC meritoriamente decidiu não
regular — pode começar a mudar (só um pouco) esta realidade.
5. Insegurança jurídica e dificuldade de
recuperação de créditos
Finalmente, porém não menos importantes, estão a
absurda insegurança jurídica e a enorme dificuldade de recuperação de dívidas
no país.
Um judiciário lento e cada vez mais disposto a beneficiar
a parte menos poderosa ("hipossuficiente", no jargão jurídico) em processos
judiciais torna qualquer execução de dívida um processo longo e cercado de
incertezas.
A consequência de o judiciário ser historicamente
leniente com o devedor, novamente, reflete-se
nas taxas praticadas pelos bancos.
A solução mais prática e viável — mas politicamente
impopular — é permitir a alienação fiduciária (ou reintegração de posse) em
todas as modalidades de empréstimos. Atualmente, ela existe para o
financiamento de carros e para imóveis. E, não por coincidência, trata-se
um mercado em que juros são dos mais baixos.
(Nos EUA existe a profissão do Repo Man,
que é o sujeito contratado para reaver os bens não pagos. Esse vídeo mostra
um Repo Man em ação, recuperando um carro cujo empréstimo não
foi pago).
Conclusão
As causas dos altos juros praticados no Brasil
evidentemente não se esgotam aqui, mas as cinco apontadas acima são um bom
resumo das mais importantes.
Portanto, se o senhor Steinbruch está realmente
interessado em ver baixarem as taxas de juros por aqui, deve começar pedindo
menos intervenção do estado — não mais.
E, principalmente, deve se juntar aos liberais e
libertários no esforço de tentar reduzir os gastos públicos, a fim de que o
governo não tenha de financiar
seus crescentes déficits tomando empréstimos e tirando recursos que, de
outro modo, seriam direcionados ao mercado. Fica a dica.