segunda-feira, 9 abr 2018
Eis uma ideia bastante popular, particularmente entre
a direita e alguns liberais: se um indivíduo é bem sucedido no mundo empresarial,
então ele possui o conhecimento necessário para tomar decisões sábias e
sensatas em termos de política econômica, sendo portanto uma ótima escolha para
a presidência da república.
Só que tal raciocínio, infelizmente, é perigosamente
ingênuo.
Em seu livro A Teoria da Moeda e do
Crédito, Ludwig von Mises argumentou que:
Não
há motivos para se atribuir importância respeitável às opiniões de empresários.
No âmbito da economia, suas opiniões são secundárias, algo a ser trabalhado e
avaliado. Quando o empresário tenta explicar algo, ele se torna tão "teórico"
quanto qualquer outra pessoa. Não há nenhum motivo para se conceder uma preferência
às suas teorias.
Na realidade, a função do empreendedor e a função do
economista são completamente distintas. Para que o empreendedor seja bem
sucedido, ele tem de ser capaz de prever quais serão as preferências e demandas
futuras dos consumidores, para o seu produto específico, com um alto grau de
acurácia. Seus cálculos e decisões de produção feitos hoje só serão lucrativos
se forem feitos com base em estimativas adequadas quanto ao futuro.
Mas essas previsões, frequentemente, se resumem a
nada mais do que estimar as demandas para o seu mercado específico.
Para empresas já estabelecidas, essas estimativas são
mais fáceis de serem feitas. Mas dado que a concorrência também é mais
acirrada, a maneira de ser bem-sucedido nestas indústrias é saber encontrar
modos de produção mais eficientes. Já para empresas novas, essas estimativas
envolvem saber saciar uma demanda que existe apenas no abstrato: isto é, fornecer
um produto que resolve um problema para o qual, até então, não havia solução. Henry
Ford fez um gracejo sobre isso, dizendo que, se ele tivesse perguntado às pessoas
o que elas queriam, a resposta seria "cavalos mais rápidos".
Apenas para deixar claro, a presciência
empreendedorial é uma habilidade extremamente essencial e valiosa. Porém, ela não indica uma real compreensão sobre o
funcionamento da economia como um todo.
Quem acredita que empresários bem-sucedidos tendem a
ser economicamente mais sábios e sensatos — sendo, portanto, candidatos políticos
ideais — está dizendo que decisões que foram boas para uma determinada empresa
serão também boas para toda a economia (tal raciocínio é conhecido como a "falácia
da composição").
Mas isso não faz sentido.
Bom
para um, ruim para todos
É até possível que uma política empresarial que
tenha sido boa para uma determinada empresa seja também boa para toda a
economia, mas isso não é uma regra, e sim uma exceção. A grande probabilidade é
que uma política empresarial que tenha sido boa para uma determinada empresa
será bastante prejudicial para a economia como um todo.
Por exemplo, um empresário que se vale de subsídios,
ou de empréstimos baratos
concedidos por bancos estatais (os quais só são baratos porque os bancos
estatais recebem repasses do Tesouro Nacional, ou seja, dinheiro de impostos),
ou de tarifas protecionistas, ou de reservas de mercado garantidas pelo estado,
certamente trará bons resultados para sua empresa, e será visto como um empresário
bem-sucedido. No entanto, se essa mesma política for adotada maciçamente para
toda a economia, o colapso será inevitável.
Economia e administração de empresas não são o mesmo
ramo. Infelizmente, vários dos grandes empresários bem-sucedidos de um país
enriqueceram exatamente porque praticaram o rent-seeking,
ou seja, ganharam benefícios por meio da influência política: fizeram lobby
junto ao governo para obter privilégios especiais que ajudaram suas empresas,
sem qualquer consideração se isso seria bom ou ruim para os consumidores e para
a economia como um todo.
O grosso do lucro destes empresários bem-sucedidos adveio
de privilégios garantidos junto ao governo e não da oferta de bens e serviços
aos consumidores. Os privilégios mais típicos são crédito subsidiado,
patrocínios estatais, tarifas de importação que deixam concorrentes
estrangeiros fora do páreo, regulações que dificultam
a entrada de novos concorrentes e garantem reservas de mercado, e obras
públicas pagas com dinheiro de impostos.
Nada disso envolve oferecer a clientes produtos e
serviços melhores ou mais baratos, mas sim a mera busca por favores de políticos. E, no entanto, um empresário
que faz isso trará bons resultados para a sua empresa e será visto como
bem-sucedido.
Não seria sensato dizer
que é este o tipo de pessoa que queremos para tomar decisões de política econômica.
Mas há outros problemas.
"Para
que eu ganhe, outro tem de perder!"
Quando um empresário está gerenciando uma empresa, ele
está batalhando para obter uma porcentagem finita do mercado. Seu objetivo é
aumentar sua fatia de mercado.
No entanto, se esta mesma mentalidade — obter uma
crescente fatia de mercado — for aplicada a toda a economia do país, os
resultados serão deletérios.
No mercado, o crescimento de uma empresa concorrente
se dá em detrimento de outro empresário já estabelecido. Porém, o crescimento
da economia de um país não se dá em
detrimento da economia de outro país. Assim, se o empresário que virar político
mantiver sua mentalidade, ele passará a ver a economia dos outros países como
concorrentes a serem batidos. E aí o objetivo será "superar" esses outros países
por meio de guerras comerciais (restrição de importações) ou de estímulos econômicos
(aumento de gastos ou de déficits orçamentários) que aditivem artificialmente
(e apenas temporariamente) o PIB.
Dado que o mundo empresarial é um mundo competitivo,
no qual para um empresário ganhar uma fatia de mercado outro empresário tem de
perder essa mesma fatia de mercado, empresários tendem a ver toda a economia,
bem como o comércio exterior, como um jogo de soma zero. Consequentemente, se eles
transportarem essa visão do mundo empresarial para o mundo da política, eles passarão
a ver aquilo que ocorre entre empresários concorrentes como sendo exatamente o
mesmo que ocorre entre pessoas interagindo pacífica e voluntariamente via
comércio exterior.
Só que, ao contrário da fatia de mercado — que é
uma porcentagem finita de um dado mercado —, o crescimento econômico é
potencialmente infinito. Quando, por exemplo, a China cresce, nós indivíduos não ficamos em pior situação. Ao contrário:
dado que comercializamos voluntariamente com os chineses, nossa situação tende
a melhorar. Se os chineses produzirem mais, os consumidores do nosso país irão obter
mais coisas a preços menores. Se os chineses consumirem mais, os produtores do
nosso país irão vender mais e lucrar mais. É uma situação em que todos vencem.
Mas não é exatamente assim que irá pensar um empresário,
principalmente se ele for oriundo de um setor que tenha a China como
concorrente. Sendo assim, quando esse empresário virar político, é natural que
ele continue pensando como empresário. "Temos de vencer esses outros países e
proteger nossas indústrias! Temos de impor barreiras à importação e subsidiar nossa
produção!"
Nada bom.
Mas agora vem o principal.
É
impossível o governo ser gerenciado como uma empresa
O governo, por sua própria natureza, não opera com
recursos próprios. O governo é a única organização que obtém suas receitas não
por meio da prestação de serviços voluntariamente adquiridos por consumidores,
mas sim por meio da tributação — isto é, por meio da coerção dos cidadãos.
Mais: ao contrário de empresas privadas, as receitas
do governo independem da qualidade dos serviços prestados.
Consequentemente, o governo não está sujeito às
demandas dos consumidores. Não há "soberania do consumidor" no que
diz respeito ao governo. Suas receitas são garantidas. E, com receitas
garantidas, o governo não está sujeito aos mecanismos de lucros e prejuízos do
mercado.
Por não se guiar pelo mecanismo de lucros e
prejuízos, e nem pelo sistema de preços, por não ter de atender às reais demandas
dos consumidores, e por não ter de vender seus serviços em um mercado
concorrencial, simplesmente não há como o
governo ser gerido como uma empresa.
Não há como avaliar e estimar o real valor econômico
de qualquer coisa que o governo faça.
Por exemplo, cada ministério, agência e secretaria
possuem objetivos declarados. Mas quão bem esses objetivos estão sendo
cumpridos? O Ministério da Educação, por exemplo, está satisfazendo seus
"consumidores"? E o Ministério da Saúde? E o Ministério da Justiça? E
o Ministério da Fazenda? E cada agência reguladora? O que constitui um
"bom desempenho" em cada um destes órgãos?
Estas perguntas são fundamentalmente impossíveis de
ser respondidas. Na melhor das hipóteses, podem ser apenas estimadas segundo
algum critério subjetivo, mas não podem apresentar a mesma precisão das
estimativas feitas em empresas privadas, pois as agências do governo não vendem
seus serviços no mercado concorrencial. O "consumidor" dos serviços
do governo não escolhe entre vários fornecedores, direcionando seu dinheiro
para aquela empresa que fornece os melhores produtos aos melhores preços. Com o
governo, o consumidor paga compulsoriamente por tudo, goste ele ou não do
serviço. Sendo assim, não há como um empresário, por melhor que seja, avaliar o
desempenho dos burocratas de seu governo.
Como explicou Mises:
Os objetivos da administração pública
não podem ser mensurados em termos monetários e não podem ser avaliados por
métodos contábeis. Na administração pública, não há conexão entre receitas e
despesas. Os serviços públicos estão apenas gastando dinheiro. As receitas
derivadas de tributos e taxas não são "produzidas" pelo aparato
administrativo; sua fonte é a lei e a atuação da Receita Federal, e não a
qualidade dos serviços prestados.
Dado que toda a operação estatal funciona com o
dinheiro de impostos — portanto, por meio da taxação coerciva —, o governo,
por sua natureza, já nasceu com este grave defeito "enraizado" em
seus órgãos vitais, e nenhum empresário bem-sucedido pode mudá-lo.
Em suma: o governo e seus órgãos não vendem seus
serviços no mercado concorrencial para consumidores que voluntariamente optam
por comprá-los, não se direcionam pelo sistema de lucros e prejuízos, e suas
receitas não são auferidas de acordo com a qualidade dos seus serviços. Mesmo
com um excelente e muito bem-sucedido empresário no comando, nenhum governo
pode ser gerenciado como fosse uma empresa.
Conclusão
Empresários na política podem, obviamente, fazer bons governos. Mas não há nenhum motivo para se acreditar que isso é uma regra. Tampouco faz sentido acreditar que, só porque um determinado empresário foi bem-sucedido em seu ramo, ele será um ótimo político.
Mises já havia observado todos estes problemas ainda
em 1912. Disse ele:
Atualmente,
há muitas pessoas que, impressionadas com o acúmulo de riqueza de alguns
empreendedores, perderam sua compreensão básica sobre a ciência econômica,
buscando respostas simples e fáceis para problemas complexos. É crucial
relembrar que a ciência econômica envolve muito mais do que um jornalista
perguntar a um banqueiro ou a um magnata industrial o que eles pensam da atual situação
da economia.
Mais de um século depois, várias pessoas ainda não aprenderam
essa lição.