Quando
empresas surgem, elas defendem a livre concorrência plena, pois só assim podem
crescer. Quando elas se tornam grandes, tendem a defender a regulação do
mercado, exatamente para bloquear a entrada de novos concorrentes que podem vir
a tomar sua fatia de mercado e, com isso, afetar seus lucros.
Na
prática, essas empresas passam a apoiar a criação de legislações que, embora aparentemente bem
intencionadas (sempre são apresentadas como "proteção aos consumidores"), criam
barreiras à entrada no mercado e dificultam o surgimento de concorrentes
Estava
tramitando no Congresso o Projeto
de Lei 5587/16, que alterava a política nacional de mobilidade urbana. Ele
estabelecia regras para o funcionamento dos aplicativos de transporte, como
Uber, Cabify, 99, entre outros. Em uma grande campanha contrária ao PL, as
empresas o apelidaram de "Lei do Retrocesso" porque ele trazia diversas regras
que, em última análise, inviabilizavam o funcionamento dos aplicativos de
mobilidade urbana.
Inicialmente,
para poder operar, o projeto exigia a obrigatoriedade do uso de placas
vermelhas e de uma autorização específica da prefeitura. Havia também a
imposição de que o motorista só poderia dirigir um carro licenciado em seu
próprio nome. Para completar, o carro poderia circular apenas na cidade onde ele
foi registrado
Caso
aprovado esse projeto de lei original, 20 milhões de usuários e 500 mil
motoristas parceiros seriam prejudicados. O site Spotniks descobriu
que o projeto foi originalmente escrito por uma pessoa ligada a um
sindicato de taxistas de São Paulo. Tratava-se, portanto, de uma tentativa de
dificultar a concorrência com os taxistas. Uma "captura regulatória" feita
pelos taxistas.
Na
votação, no entanto, essas exigências — que inviabilizariam totalmente os serviços
de aplicativos de transporte — foram revogadas, felizmente.
Porém,
algumas emendas foram aprovadas. E as empresas
de aplicativos comemoraram esse texto final e o consideraram uma
"legislação moderna".
Quais
são as emendas aprovadas? Pela
regulamentação aprovada pela Câmara, caberá a municípios e ao Distrito
Federal:
a)
Cobrança dos tributos municipais devidos;
b)
exigência de contratação de seguro de acidentes pessoais a passageiros e do
seguro obrigatório (DPVAT);
c)
exigência de que o motorista esteja inscrito como contribuinte individual no
INSS.
O
motorista também deverá cumprir algumas condições, entre as quais:
d)
Ser portador de Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que
tenha a informação de que ele exerce atividade remunerada;
e)
Conduzir veículo que atenda a requisitos como idade máxima e que tenha as
características exigidas pelas autoridades de trânsito;
f)
Emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV);
g)
Apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.
Observe
que todas essas exigências representam um grande aumento do custo para se
entrar legalmente neste mercado. E, embora também representem uma elevação dos
custos operacionais das empresas já estabelecidas (Uber, Cabify, 99), é fato
que elas tornam muito mais proibitivo o surgimento de novos e menores concorrentes
no setor de aplicativos de transporte.
Ter
custos operacionais maiores, mas que também impliquem maior restrição à entrada
de novos concorrentes, tende a ser um bom negócio.
Em
especial, a exigência de idade mínima dos veículos, a exigência de que os veículos
"tenham as características exigidas pelas autoridades de trânsito", e a exigência
de que "o motorista esteja inscrito como contribuinte individual no INSS" são regulamentações
que impedem que autônomos e principalmente desempregados entrem no mercado para
exercer esta atividade por conta própria e com capital (veículo) próprio. Na prática,
torna-se obrigatório eles se associarem a uma destas empresas já estabelecidas.
Segundo
a Uber, a empresa "sempre defendeu a regulamentação do transporte prestado
por meio de aplicativos". Já a Cabify afirmou
que "o Congresso ouviu as vozes dos milhões de usuários e centenas de milhares
de motoristas dos aplicativos de mobilidade ao aprovar o texto com as emendas e
criar uma desejada regulamentação".
A teoria na prática
Nos
últimos anos, houve uma explosão na oferta de serviços de aplicativo de
transporte: Uber, Cabify, 99, Easy, WillGo, Televo, BlaBlaCar, 4Move e outros.
Essa explosão só ocorreu porque este mercado, na prática, era desregulamentado,
com liberdade de entrada. O consumidor foi o grande beneficiado por este
arranjo.
Com
a regulação aprovada, a tendência é que haja uma restrição ao surgimento de
novos entrantes neste mercado, o que irá beneficiar os que já estão operando nele.
Assim, estamos novamente testemunhando a teoria econômica
sendo vivenciada na prática. Por que grandes empresas comemoram uma regulação?
Porque muitas vezes elas próprias a querem. É o que a Ciência
Política chama de Teoria
da Captura Regulatória. Ela acontece quando é aprovada uma lei que, embora tenha sido criada com a
justificativa de que irá proteger o consumidor, acaba gerando um resultado oposto:
um setor tendente à oligopolização.
No
final, a lei não atua a favor do consumidor,
mas sim a favor de produtor (todos os grupos já estabelecidos naquele
setor regulado).
No
caso específico dos aplicativos de transporte, é verdade que uma regulação municipal
é bem menos destrutiva que uma regulação federal ou mesmo estadual. Sendo a regulação
municipal, os efeitos deletérios ocorridos em uma cidade não necessariamente irão
se repetir em outra cidade. Se as empresas de transporte fizerem conluio com
prefeito e vereadores da cidade A, os moradores da cidade B não necessariamente
sofrerão as consequências.
No
entanto, também é fato que, agora, com a regulação a cargo dos municípios, será
um grande negócio para as empresas de aplicativo tentarem fazer conluio com as
prefeituras e câmaras de vereadores daqueles cidades cuja população é mais rica
e usuária mais frequente dos serviços: garantir o fechamento deste mercado para
a entrada de novos concorrentes será extremamente lucrativo. E também mais fácil
e relativamente mais barato: uma coisa é fazer lobby junto a deputados e
senadores; outra, mais fácil, é fazer o mesmo junto a prefeito e vereadores de
uma cidade grande.
Por
tudo isso, o projeto aprovado — embora
muito melhor que o original, que simplesmente aboliria os aplicativos de transporte
— abre a porteira para haver regulamentações destrutivas da livre concorrência,
em âmbito municipal, país afora.
O
certo, obviamente, seria simplesmente revogar o projeto original, e não
aprová-lo com emendas.
Conclusão
Uma vez aberto o precedente de regulamentação de um
setor, a probabilidade de que haja a captura regulatória em algum momento é
muito alta. É por isso que liberais e libertários
tendem a ser contrários a agências reguladoras e a regulações gerais sobre o mercado.
A maneira de impedir a captura é simplesmente não regulamentando o setor.
Mesmo que se considere que a falta de uma regulamentação possa estar gerando
transtornos, ante uma captura regulatória o resultado tende a ser pior do que
se não houvesse regulação alguma.
A
comemoração de Uber, Cabify e 99 diante de uma regulamentação dessas é válida
para lembrar aos defensores de uma sociedade livre que o liberalismo não pressupõe a defesa de
empresas, mas sim de princípios como a livre concorrência, a livre iniciativa
e a propriedade privada.
Libertários
não são pró-empresas, mas sim pró-livre concorrência. Há diferenças econômicas e
morais entre ser pró-empresas e pró-mercado.
________________________________________
Leia também:
"Funciona bem, agrada aos
consumidores e não é regulado? O governo tem de proibir!"
Contrabandistas e
batistas: as regulações beneficiam os regulados e iludem os ingênuos
Como as regulações
estatais prejudicam os pequenos, protegem os grandes, e afetam os consumidores