segunda-feira, 12 mar 2018
Quando políticos ficam sem bons argumentos, seu último
refúgio sempre acaba sendo a alegação de que o que eles querem é "necessário
para a defesa nacional".
Dado que simplesmente não há argumentos econômicos em prol de tarifas de importação, é natural
que governos recorram ao argumento político
da "defesa nacional".
Mais especificamente, ainda que a administração
Trump fosse forçada a reconhecer
a realidade e admitir que, sim, tarifas são ruins para a renda e para o
padrão de vida da maioria dos americanos, o governo ainda poderia argumentar
que todos devem fazer sacrifícios em prol da segurança nacional.
E foi exatamente o que ele fez: ao
assinar o decreto, Trump afirmou que as "tarifas são necessárias para a
segurança nacional".
Mas será que esse argumento faz pelo menos algum
sentido, por mais mínimo que seja?
Em uma nota
divulgada pelo Departamento de Defesa, em resposta às tarifas propostas por
Trump (25% para o aço e 10% para o alumínio), o Secretário de Defesa declara
que as tarifas não são necessárias para a segurança nacional:
As
necessidades e demandas das forças armadas dos Estados Unidos da América por
aço e alumínio representam apenas 3% da produção de aço e alumínio do país.
Consequentemente,
o Departamento de Defesa não acredita que as conclusões do relatório [do
Departamento do Comércio, que foi quem defendeu a implantação das tarifas]
melhorem a capacidade dos programas do Departamento de Defesa de adquirir aço e
alumínio necessário para satisfazer as necessidades da defesa nacional.
A nota do Departamento de Defesa vai adiante e
defende uma tarifa muito mais limitada do que aquela proposta pelo governo
Trump, afirmando que "o Departamento de Defesa está preocupado com o impacto
negativo destas tarifas sobre nossos aliados estratégicos [...] Tarifas
específicas sobre países específicos são preferíveis a uma tarifa global".
A nota conclui afirmando que, se o governo realmente
quer impor tarifas, então que ele ao menos espere um pouco para impor as
tarifas sobre o alumínio.
Dado que é do interesse do Pentágono sempre exagerar
as ameaças à segurança dos EUA, a própria oposição do Departamento de Defesa ao
escopo e à severidade das tarifas propostas pelo governo americano apenas
ressalta quão realmente desnecessárias elas são.
O Departamento de Defesa está preocupado, e
realmente deveria estar, como o fato de que as tarifas prejudicam as relações
americanas com seus aliados, o que consequentemente afeta todos os esforços
americanos de segurança.
Pior ainda: as tarifas são prejudiciais para a
robustez da economia doméstica, que é a verdadeira
fonte do poderio internacional americano.
Implantar políticas que irão diminuir a
produtividade e a competitividade americana é uma medida que, em última
instância, representa uma ameaça direta aos esforços de segurança de longo
prazo do país.
Como persuasivamente argumentou
o cientista político John Mueller, é o potencial
poderio militar americano, e não o atual orçamento militar ou a atual produção
industrial, o que sempre fez os outros regimes temerem um conflito com as
forças armadas americanas. E esse potencial poderio militar é mensurado em
termos da produtividade e da robustez econômica vigentes no país.
Quanto
aço os EUA compram da China?
Mas mesmo se os EUA tivessem de se preparar para uma
guerra iminente, e começassem a repentinamente demandar grandes quantidades de
aço para seus maquinários, quanto dessa demanda realmente dependeria de fontes
domésticas?
Bom, como o próprio Pentágono observou, a defesa
nacional necessita de apenas 3% da produção doméstica total de aço.
Porém, em prol do debate, ignoremos esse número e
vamos supor que o Departamento de Defesa necessitasse de aço estrangeiro para
seus propósitos militares.
Quanto disso teria de vir da China?
Atualmente, de acordo com os próprios dados do
Departamento do Comércio, os EUA importam
da China apenas 2,2% de todo o aço que o país consome.

Os
principais países exportadores de aço para os EUA (em porcentagem de toneladas
importadas pelos EUA)
Obviamente, o governo Trump tentou amplificar esse
número alegando os chineses praticam uma "exportação disfarçada" para os EUA
por meio do processo de "transbordo" (transshipment).
Isso ocorre quando os chineses exportam para outro país, e então este país
acrescenta valor ao aço e exporta o novo produto para os EUA.
Segundo administração Trump, isso ocorre muito, embora nunca tenham apresentado
absolutamente nenhum dado.
Pesquisadores fora do governo, no entanto, estimaram
que se esse aço de transbordo for incluído nas estatísticas, então o total de
aço importado pelos EUA da China equivale
a 4% do total de aço importado.
Por que isso é importante? Porque todo o "argumento
da defesa nacional" se baseia na ideia de que potências estrangeiras hostis, em
caso de guerra, poderão bloquear o acesso dos EUA ao aço — isto é, parariam de
exportar para os EUA. No topo da lista destas "potências hostis" está, é claro,
a China. O argumento também se baseia na ideia de que se essas determinadas
potências hostis cortarem suas exportações de aço para os EUA, seria impossível
compensar essa diferença recorrendo a importações dos aliados.
De início, perceba a ironia da situação: o governo
americano, em nome da segurança nacional, está querendo reduzir as importações
de aço da China com o temor de que, no futuro, a China poderá reduzir suas
exportações de aço para os EUA...
Mas isso ainda é o de menos.
Como mostram os dados acima, a China representa uma
ínfima fonte de aço para os EUA, e dentre os dez principais exportadores de aço
para os EUA, sete são aliados de longa data, incluindo Canadá, Japão, México,
Brasil e Alemanha. O Canadá, que mantém relações pacíficas com os EUA há 200
anos, é de longe o principal exportador de aço para os EUA, sendo responsável
por 16,5% de todo o aço importado pelos americanos. Países da União Europeia, o
Reino Unido e a Austrália, conjuntamente, oferecem mais 15%.
E, ainda assim, o governo Trump achou por bem impor
uma brutal elevação das tarifas sobre
todos esses aliados em conjunto com as tarifas impostas à China — depois,
percebendo a besteira, recuou e isentou Canadá e México, mas apenas com a condição
de que o NAFTA seja renegociado.
Apenas a China está sendo acusada de "dumping" e de
outras práticas "injustas", mas os grandes prejudicados serão um grupo de
países aliados dos EUA, cujo comércio exterior sofrerá ainda mais devido à sua
maior proeminência no comércio de aço com os americanos.
É fácil entender por que o Departamento de Defesa
dos EUA pediu mais cautela nesse esquema do governo americano de impor tarifas
globais. Antagonizar desnecessariamente com aliados históricos dificilmente
contribuirá para uma bem-sucedida defesa nacional.
E, finalmente, há o fato de que as tarifas de aço,
além de afetar todas as indústrias que utilizam o aço como matéria-prima
(caminhões, automóveis, maquinários pesados, cervejarias etc.), provavelmente
também irão afetar a produtividade das empresas que possuem contratos junto ao
governo para oferecer serviços de defesa.
Remy Nathan, da Associação de Indústrias
Aeroespaciais, escreve:
Esta
indústria [a aeroespacial] contribui para a segurança econômica e nacional dos
EUA ao alavancar o acesso do país a uma cadeia global de suprimentos visando a
produzir os melhores produtos aos melhores preços para nossos consumidores
dentro de um mercado internacional altamente competitivo.
Precisamos
de fornecedores globais de alumínio e de aço para permanecermos competitivos, e
a demanda por esses produtos está aumentando. Cotas reduzem nosso acesso a
estes materiais básicos. Tarifas não corrigem todas as distorções de mercado,
como os custos de energia, para que uma maior produção de alumínio nos EUA seja
viável.
Antes
de impor tarifas ou cotas sobre o alumínio e o aço, o governo Trump deveria
considerar os impactos do aumento de custos, da redução da oferta e das
distorções sobre toda a cadeia de suprimentos para uma indústria que é
essencial para a economia americana.
O
histórico de nosso país em impor tarifas sobre matérias-primas como o aço não é
nada auspicioso. Um estudo de 2003 feito pela Consuming Industries Trade Action
Coalition Foundation demonstrou que a elevação dos preços em decorrência de uma
tarifa de importação sobre o aço, imposta pelo governo americano em 2002,
destruiu mais empregos na economia como um todo do que aqueles que existiam em
toda a indústria do aço, o que felizmente levou à revogação desta tarifa. [Veja
todos os detalhes aqui].
Em outras palavras, encarecer artificialmente o
custo do aço e do alumínio simplesmente irá reduzir a quantidade de recursos disponíveis
nos EUA para propósitos militares.
A
incoerência
Mas isso provavelmente não irá mudar o pensamento de
ninguém na Casa Branca. Como vários outros políticos antes dele, Trump
justifica sua política externa invocando os cenários mais improváveis (e
histéricos) imagináveis — ao mesmo tempo em que supõe não haver nenhuma
oportunidade empreendedorial em se planejar para esses cenários.
A atual alegação é a de que os EUA devem estar
preparados para a possibilidade de que todos os parceiros comerciais dos EUA irão
bloquear o acesso do país ao aço — algo que tem aproximadamente zero chance de
acontecer.
Ademais, é óbvio que a administração Trump realmente
não acredita que isso tenha alguma chance de ocorrer, uma vez que ela não tem
nenhum problema em fechar acordos para volumosas exportações de armas militares
americanas para países estrangeiros. A administração Trump vem abertamente
pressionando para maiores vendas de armas militares para outros regimes,
inclusive para o governo da Arábia Saudita, que financia terroristas. Outros
recebedores de armas militares americanas incluem Turquia, Índia, Iraque,
Egito e Coreia do Sul. Os EUA mandam armas militares até mesmo para o Vietnã.
O Departamento de Estado dos EUA também fornece bilhões
de dólares em financiamento para que os governos de Egito, Jordânia, Iraque e
Paquistão comprem armas.
Em resumo: o governo americano recorre à paranóica suposição
de que todo o mundo poderá repentinamente isolar os EUA do comércio exterior —
ao mesmo tempo em que envia armas militares e oferece financiamento para esses
mesmos países que supostamente irão conspirar para negar acesso dos EUA ao aço.
Conclusão
No final, nenhuma alegação feita pelo governo
americano em prol das tarifas tem qualquer sustentação quando se considera todo
o contexto.
Mas nada disso realmente importa, uma vez que já está
bem claro que as reais motivações para as tarifas estão em outro lugar. O
argumento da defesa nacional é apenas parte de estratégia política muito maior,
que é a de ventilar várias possíveis justificativas para ver qual cola.
Em um dia, o governo está impondo as tarifas para
corrigir "práticas comerciais injustas". No dia seguinte, é para "criar
empregos". Depois, é para "reduzir o déficit da balança comercial". Agora, é para
"a defesa nacional". No final, o real
motivo é um só: as tarifas, como ocorre em todos os outros países do mundo, são
impostas apenas para proteger indústrias específicas e lhes garantir uma confortável
reserva de mercado, e tudo para que o presidente possa ganhar pontos políticos perante
um eleitorado populista.
Sempre ficou bem claro que a teoria econômica nunca
teve nada a ver com as políticas de comércio exterior do governo Trump. Mas sua
alegação de "segurança nacional", desmentida pelo próprio Departamento de
Defesa e pelas empresas que fazem contratos com o governo, mostra que seus
outros argumentos não-econômicos não são nada melhores.
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