Uma das maiores contribuições de Ludwig von Mises ao
pensamento econômico moderno foi a sua demonstração irrefutável
de que o cálculo econômico sob o socialismo é impossível. Essa verdade
indelével merece ser continuamente relembrada sempre que vários esquerdistas
começam a se tornar saudosos do socialismo.
Com efeito, nada ilustra mais vivamente a paralisia
mental gerada pelo socialismo do que as práticas de comércio exterior adotadas
pelos regimes do Leste Europeu.
Em 1986, um guarda de fronteira tcheco parou uma
família polonesa que estava saindo da Tchecoslováquia e ordenou à criança
polonesa que retirasse seus novos sapatos tchecos "porque levar sapatos de crianças
para fora do país é proibido". O guarda de fronteira polonês assistiu à cena
passivamente — e então parou um carro tcheco vindo de Varsóvia e ordenou que
os novos pneus poloneses fossem retirados das rodas do carro, alegando que
haviam sido ilegalmente adquiridos na Polônia.
As desavenças comerciais típicas dos países do
Ocidente eram meros piqueniques em relação às brigas comerciais dos países
socialistas do Leste Europeu. O COMECON
— Conselho para a Mútua Cooperação Econômica — era zombado pelos cidadãos do
Leste Europeu como "conselho para a mútua troca de ineficiência". O COMECON era
a organização que regulava o comércio exterior de um grupo de nações que
instintivamente odiava o comércio exterior.
Em Budapeste, a máxima popular era: "Nós enviamos
cereais aos tchecos e eles enviam maquinários aos poloneses. Os
poloneses então enviam produtos químicos para a União Soviética e, como
pagamento final, nós húngaros recebemos dos russos um grupo de danças
folclóricas".
O comércio exterior era uma guerra perpétua no Leste
Europeu porque absolutamente ninguém concordava com os preços estabelecidos. Na prática, os preços eram "burocraticamente
estipulados, com total desconsideração por importantes noções econômicas, como
custos ou nível de demanda."
Mas piora: como as moedas de cada país não eram
conversíveis, eles utilizavam o rublo
transferível, que era a moeda oficial do COMECON. Mas o rublo transferível
era tão transferível quanto uma cédula feita de celofane. E dado que cada
governo socialista determinava seus preços nacionais de acordo com seus
próprios caprichos — normalmente sem prestar qualquer atenção aos preços
vigentes ao redor do mundo —, o resultado era que ninguém se entendia, ninguém aceitava os preços, ninguém aceitava a moeda de ninguém (e nem o rublo
transferível), e ninguém transacionava.
À
base do escambo
Assim, os acordos comerciais entre os países do
Bloco Oriental eram normalmente baseados em arranjos primitivos, como o simples
escambo. O método mais frequente era estipular o peso dos objetos a serem
comercializados, sem nenhuma consideração (ou mesmo recompensa) pela qualidade.
No início da década de 1980, Tchecoslováquia e
Polônia concordaram em criar um arranjo no qual cada lado produziria peças de
tratores e comercializariam entre si. Só que ambos eram incapazes de chegar a
um acordo em relação aos preços praticados. Consequentemente, passaram a
simplesmente trocar um quilograma de peças de trator tcheco por um quilograma
de peças de trator polonês. Porém, com o tempo, cada lado começou a pensar que estava
sendo trapaceado pelo outro. E aí até mesmo este acordo primitivo entrou em
colapso.
Como Mises já havia explicado e previsto, se não há
propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno mercado entre
eles. Sem mercado, não há como surgir preços. E, sem preços, não há cálculo
econômico. No bloco soviético, a incapacidade de se fazer cálculos acurados em
relação a preços e custos tornava a especialização na produção de peças, componentes e bens de capital praticamente impossível.
E como os acordos comerciais se baseavam em
quantidades físicas, os países não só não tinham nenhum incentivo para
aprimorar a qualidade dos bens, como ainda faziam de tudo para maximizar o peso
de seus maquinários e produtos. Consequentemente, as indústrias do Leste Europeu consumiam até
três vezes mais insumos e matérias-primas por unidade produzida do que os
fabricantes ocidentais.
Obviamente, aquilo que parecia ser uma virtude
dentro do COMECON (máquinas pesadas, porém ineficientes) se tornava um defeito
fatal perante o resto do mundo. Como reclamou o diretor do Comitê
Nacional de Planejamento da Hungria, "É difícil comprar dos países do Comecon,
e é difícil vender para os países do Ocidente".
Por tudo isso, os líderes do Leste Europeu não
confiavam no comércio exterior. E, dado que cada governo socialista estava
obcecado em planejar sua própria economia, cada país tentava minimizar a influência
estrangeira.
Essa desconfiança em relação ao comércio era compreensível porque
os membros do COMECON eram famosos por sua "baixa disciplina" para enviar produtos,
como diria um eufemismo socialista. Depender de insumos fornecidos por outro
país — o qual não tinha nenhum interesse em fornecer produtos de qualidade —
podia significar a bancarrota de vários setores da economia.
Os soviéticos pararam de exportar seu algodão de
maior qualidade para seus aliados do Pacto de Varsóvia, e isso por sua vez
afetou a capacidade do Leste Europeu de exportar vestuário para o Ocidente. Os
soviéticos também forneciam eletricidade para seus vizinhos, mas a má qualidade
das redes elétricas levou a um crescente número de apagões e racionamento de
energia, causando sérios danos à indústria húngara.
A tradicional desconsideração dos socialistas pelos
consumidores alcançava extremos patológicos quando o consumidor era um
estrangeiro — ou ao menos um estrangeiro que não estava pagando com moeda
forte e conversível. Era extremamente difícil conseguir peças de reposição para
bens produzidos em outros países socialistas. Por exemplo, a Hungria tinha de
importar da América Latina peças de reposição para seus carros (Trabants) da Alemanha Oriental.
E era assim porque, de um lado, não havia um estoque
de peças sobressalentes e, para as poucas existentes, os húngaros não aceitavam
os preços estipulados pelos alemães orientais; de outro, nenhum cidadão e nenhuma
fábrica da Alemanha Oriental aceitavam abrir mão de suas escassas peças
mecânicas (que possuem alguma utilidade) em troca de uma moeda de papel
inconversível e que nada valia.
O
objetivo era o déficit comercial
Ao passo que no Ocidente a maioria dos países almeja
um superávit comercial, no Bloco Oriental cada país almejava um déficit
comercial (importar mais do que exportar). Óbvio. Exportar mais do que importar não era vantagem nenhuma. Quem exportava mais do que
importava ficava com menos produtos no mercado interno e, em troca, recebia
uma moeda sem nenhum valor. A principal função dos "rublos transferíveis" era servir como papel de parede e limpar o chão.
Por isso, cada país socialista era extremamente
cuidadoso para não ter um superávit comercial. E, como consequência, o comércio
entre os países do Leste Europeu era bem mais "equilibrado" do que nos países
ocidentais. Mais uma prova de que almejar um "equilíbrio comercial
internacional" não é necessariamente positivo.
E não só os países se esforçavam para equilibrar seu comércio
uns com os outros a cada ano, como também tentavam equilibrar, de maneira
rigorosa, o comércio de cada grupo de
mercadoria. Quando a Hungria inventou o Cubo Mágico (também
conhecido como Cubo de Rubik), vários russos queriam adquirir aquele brinquedo
que viria a ser a sensação mundial do ano. Porém, se a Hungria aumentasse suas
exportações do Cubo para os soviéticos, ela teria de reduzir suas outras vendas
(mais importantes) para os soviéticos. Consequentemente, o país não fez nenhum esforço
para satisfazer a demanda russa.

Ganhos
de arbitragem
A enorme discrepância de escassez e subsídios entre
os países socialistas criou enormes incentivos para ganhos de arbitragem por
indivíduos.
Poloneses costumavam adquirir bens na Alemanha
Oriental (país mais rico e de maior abundância) para revender no mercado negro
da Romênia (país mais pobre e de maior escassez) em troca de moeda forte.
Consequentemente, a Alemanha Oriental praticamente fechou suas fronteiras para
os poloneses. E a Romênia, sabendo que os poloneses estavam indo lá para obter
moeda forte no mercado negro, só permitia que poloneses portando algum objeto
entrassem no país se eles antecipadamente fizessem um depósito em moeda
ocidental forte para cada item transportado.
Os guardas da fronteira da Alemanha Oriental
rotineiramente confiscavam os sapatos dos cidadãos de outros países socialistas
quando estes saíam da Alemanha. E os guardas húngaros confiscavam salames das
pessoas que saíam de Hungria.
Nos dias de inspeções surpresas, os trens de
passageiros eram parados e inteiramente vasculhados — o que incluía revistar os passageiros, abrir suas malas e até mesmo rasgar o couro de suas valises. A Romênia era
particularmente famosa por suas inspeções ferroviárias de fronteira, que
duravam um dia inteiro.
Como disse Jan Vanous,
um refugiado tcheco em Washington: "Eles estão chegando a um ponto em que irão pesar
você quando estiver saindo do país e pesarão de novo, junto com sua bagagem,
quando você retornar."
Conclusão
Embora os problemas do COMECON fossem óbvios, a
grande ironia é que eles não podiam ser resolvidos, pois a resolução deles
levaria à destruição do próprio COMECON. Livre comércio e socialismo são tão incompatíveis
quanto política e honestidade. Se as moedas do Leste Europeu se tornassem conversíveis,
nenhum plano nacional de algum governo estaria seguro, pois empresas e indivíduos estrangeiros
poderiam ir para esses países e adquirir o que quisessem, intensificando a escassez.
Enquanto o governo
estivesse comprometido com o planejamento central, influências estrangeiras
tinham de ser minimizadas e estritamente controladas.
Ludwig von Mises alertou em 1920: "O socialismo é a abolição
da racionalidade econômica". As excentricidades do COMECON foram uma das mais vívidas
provas da insanidade que é tentar abolir os mecanismos de preços.
Uma
versão deste artigo foi publicada no The Wall
Street Journal/Europa em 25 de janeiro de 1987.