Desde
a década de 1960, os EUA possuem um sistema de saúde altamente regulado pelo governo. Dentre outras
coisas, o governo proíbe que uma seguradora de saúde de um estado forneça serviços
em outro estado, o que criou uma reserva de mercado tentadora. [É como se a
Unimed só pudesse atuar no Rio, a Amil só em São Paulo, a SulAmerica só em MG e
por aí vai]
Adicionalmente, as
seguradoras sempre foram obrigadas pelo governo a cobrir até mesmo consultas de
rotina. Se você fizer algo tão simples e corriqueiro quanto um exame de sangue —
que é coberto pelos planos de saúde e pelos programas estatais Medicare e Medicaid —, o hospital cobra
um preço astronômico do governo ou da seguradora. Consequentemente, os preços
das apólices e mensalidades só aumentavam. (Leia todos os detalhes aqui).
Foi
neste cenário de custos em alta que, em março de 2010, o então presidente Barack
Obama promulgou o Patient Protection and
Affordable Care Act (Lei de Proteção ao Paciente e de Assistência
Acessível), que passou a ser popularmente conhecido como Obamacare.
Qual
era a essência do Obamacare?
1) Os
planos de saúde passaram a ser legalmente obrigados a fornecer cobertura
a todos os requerentes, independentemente de seu histórico
médico.
2) As
apólices dos planos teriam de atender a padrões mínimos (chamados de
"benefícios essenciais de saúde"), o que inclui não haver um
limite máximo para indenizações anuais ou vitalícias das empresas
seguradoras para uma apólice individual.
3) Absolutamente
todos os cidadãos dos EUA passaram a ser obrigados
a comprar um plano de saúde. Os mais pobres que se declarassem incapazes
de arcar com as mensalidades receberiam subsídios do governo federal.
4) Empresas
com mais de 50 empregados que trabalham em tempo integral (30 horas ou mais por
semana) passariam a ter de bancar o plano de saúde deles. Caso contrário,
seriam multadas.
Ou
seja, o governo Obama obrigou as pessoas a comprarem planos de
saúde e obrigou as seguradoras a conceder planos de saúde para
todos os requerentes.
A justificativa teórica para
essa obrigatoriedade é que, se todos pagassem às seguradoras e se as
seguradoras aceitassem todos os requerentes, então aqueles mais pobres que não
tinham nenhum plano de saúde poderiam agora ter acesso a um.
A
consequência, no entanto, é que os custos das mensalidades explodiram.
Com
o governo estipulando a cobertura mínima que tem de ser fornecida pelos planos
de saúde; obrigando todos os cidadãos americanos a adquirir apólices homogêneas
e com cobertura completa; e obrigando os planos de saúde a aceitarem pessoas
com condições médicas pré-existentes e a cobrarem delas o mesmo prêmio que
cobram de pessoas saudáveis, os preços da mensalidade só poderiam ir para o
alto.
Em
última instância, o Obamacare foi o evento que fez com que os eleitores independentes
votassem em Donald Trump.
O decreto
O
Obamacare não era apenas financeiramente insustentável. Mais grave ainda, sempre
foi intelectualmente insustentável,
ainda que este fato tenha demorado a vir à tona. Isso chegou ao fim com o decreto
do presidente Trump.
O
que faz o decreto? Corta os subsídios das seguradoras ineficientes. Também
redefine o significado de coberturas de "curto prazo": de um ano para 90 dias.
Mas o que é mais importante, e é isso o que causou um frenesi na mídia:
liberaliza as regras para que as seguradoras atendam consumidores.
Nas
palavras
do jornal USA Today: o decreto
proporciona um maior leque de opções, "ao permitir que mais consumidores comprem
seguros de saúde, por meio de planos corporativos, de operadoras de outros
estados".
Atente
para a palavra-chave: "permitir". Não "forçar", não "obrigar", não "coagir".
Permitir.
E
por que isso seria um problema? Ora, porque permitir
essa escolha representa uma severa derrota para a principal característica do
Obamacare, que era forçar as seguradoras a aceitar, sob as mesmas condições de preços,
pessoas totalmente saudáveis e pessoas pertencentes a grupos de risco. Esse
agrupamento homogêneo e indiscriminado entre pessoas saudáveis e pessoas adoentadas
jamais seria feito em um livre mercado.
Se
você fosse resumir a mudança em uma frase seria essa: ela permite mais liberdade.
O
teor dos comentários críticos a esta mudança dá a entender que ela representa
uma espécie de ato tirânico. Mas sejamos claros: ninguém é coagido por esse
decreto. É exatamente o contrário: ele remove uma fonte de coerção. Ele liberaliza, apenas um pouco, o mercado de
seguradoras.
Eis
um princípio: se um programa governamental é arruinado ao permitir mais liberdade de escolha,
então ele não é sustentável.
O site The
Atlantic já prevê tudo:
Tanto os planos corporativos quanto os de
curto prazo tenderão a ser menos caros que os planos mais robustos regulados
pelo Obamacare. Mas a preocupação, entre os críticos, é que os planos agora irão
ser mais seletivos e optarão pelos clientes mais saudáveis, deixando para trás aqueles
que já possuem condições pré-existentes. Estes mais doentes ficarão presos nas
seguradoras reguladas pelo Obamacare. Assim, os preços para estes irão subir,
pois as pessoas seguradas serão as mais adoentadas. As pequenas empresas que
optarem pelos planos mais robustos — talvez porque têm empregados com sérias condições
de saúde — também lidarão com custos maiores.
Já
o site Vox coloca
desse jeito:
Os indivíduos mais propensos a
fugir dos mercados do Obamacare para planos corporativos serão os mais jovens e
mais saudáveis, deixando para trás uma população mais idosa e doente para ser
cuidada pelo que restar do mercado do A.C.A. Isso tem todos os componentes de uma
espiral da morte, com mensalidades cada vez maiores e seguradoras optando por
deixar o mercado completamente.
O The New York Times segue a mesma linha:
Os empregadores que permanecerem no
mercado restrito do A.C.A. (Affordable
Care Act) oferecerão a seus empregados planos mais caros que a média. Haverá
aumento das mensalidades. Somente os mais adoentados permanecerão nos grupos de
risco regulados pelo Obamacare após várias rodadas de cadastramento.
Já a
CNBC coloca
a questão sobre a duração do plano nos termos mais estranhos e irônicos:
Se o governo liberaliza as regras sobre a
duração dos planos de saúde de curto prazo e, em seguida, também torna mais
fácil para as pessoas se esquivarem das dificuldades inerentes à
obrigatoriedade do Obamacare, isso pode fazer com que pessoas saudáveis e que
não precisam de benefícios abrangentes optem por se inscrever em massa na
cobertura de curto prazo.
Dá para
imaginar? Deixar as pessoas fazerem aquilo que mais as beneficia? Um horror!
Tão logo
você entende os detalhes, a verdade cruel sobre o Obamacare se torna explícita.
O Obamacare não criou um mercado. Ele destruiu o mercado. Até mesmo a permissão
de apenas um pouco de liberdade destrói o programa por completo.
Sob as
regras até então vigentes, pessoas saudáveis eram forçadas (eram pesadamente
tributadas caso negassem) a pagar por quem já não estava saudável. Os jovens eram
obrigados a pagar pelos idosos. E qualquer indivíduo tentando levar uma vida
saudável era obrigado a bancar os mais permissivos.
Esta
sempre foi a grande verdade oculta a respeito do Obamacare. Nunca foi um
programa para melhorar a cobertura médica. Era um programa para redistribuir coercitivamente
a riqueza dos saudáveis para os doentes. E o programa fez isso forçando o
agrupamento homogêneo entre pessoas saudáveis e pessoas adoentadas, algo que
contraria por completo a lógica da própria instituição do seguro, que sempre se
baseou em mensalidades de acordo com os riscos. O Obamacare imaginou que seria
fácil usar a coerção para abolir toda a lógica da existência de um seguro. Não
funcionou.
E, assim,
o decreto de Trump introduz um pouco de liberalidade, aumentando as opções. E
os críticos estão gritando que isso é um desastre. Você não pode permitir a
escolha! Você não pode permitir mais liberdade! Você não pode permitir que
produtores e consumidores se arranjem sozinhos! Afinal, isso desafia o cerne do
Obamacare, que era obrigar as pessoas a fazer aquilo que não fariam em sã
consciência.
Essa
revelação é, como se costuma dizer, um tanto constrangedora.
Eis a principal
lição do fracasso de Obamacare: nenhuma quantidade de coerção pode substituir a
racionalidade e a produtividade de um mercado competitivo.
Mesmo com
o decreto liberalizando um pouco o setor, ainda há um longo caminho a
percorrer. Todo o mercado de saúde precisa de uma liberalização maciça, com o
governo saindo de cena e permitindo a livre concorrência total entre
seguradoras e médicos, e uma total liberdade de escolha e de interação entre
pacientes e médicos.
Liberdade
ou coerção: só há estes dois caminhos. O primeiro funciona; o segundo,
comprovadamente, não.
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