segunda-feira, 22 ago 2022
Comecemos pelo básico: dizer que a economia é
conduzida pela demanda (gastos) dos consumidores é o equivalente a colocar a
carroça na frente do boi.
O que conduz a economia é a produção. O consumo, por definição, só pode vir depois da produção.
A produção deve necessariamente vir antes do consumo.
Para que eu possa demandar (consumir) algo, eu tenho antes de ter
produzido algo. Se eu não produzo nada que tenha valor no mercado,
não terei renda e consequentemente minha demanda será zero.
A produção, portanto, tem necessariamente de vir
antes da demanda (consumo). A demanda é consequência
da produção, e não a causa dela.
Os
gastos gloriosos
No entanto, não apenas continua popular a tese de
que a economia é conduzida pela demanda, como também é quase que universalmente
aceita a tese de que são os gastos dos consumidores o que gera empregos. Quanto
mais os consumidores gastam, mais empregos são gerados.
Esta tese é ainda mais popular nos meios acadêmicos
porque ela dá suporte à ideia keynesiana de que o governo deve "estimular" a
economia quando há uma recessão, seja por meio de políticas fiscais ou
monetárias. Quanto mais o governo gastar ou quanto mais ele estimular o
endividamento das pessoas (por meio de uma política monetária expansiva), mais
empregos serão gerados.
Em seu cerne, a ideia é que se os gastos em bens e
serviços aumentarem, então mais pessoas serão necessárias para produzir estes
bens e serviços. Consequentemente, mais pessoas terão empregos e ganharão
salários, podendo então comprar mais bens e serviços, criando assim um
moto-perpétuo.
O problema é que, embora esta lógica seja atraente
— porque simplista e de fácil entendimento —, ela se baseia em uma
pressuposição totalmente falsa. Não existe essa relação entre gastos do
consumidor e emprego, a qual os keynesianos juram ser óbvia.
O
primeiro erro
Como explicado acima, tratar a economia como se ela
fosse conduzida pelos gastos é ver a realidade de maneira invertida.
E tal erro é normalmente cometido por quem não
inclui o empreendedorismo em seus
modelos econômicos e desconhece o papel dos empreendedores em uma economia.
Isso é corriqueiro nas modelagens formais do atual ensino da ciência econômica.
Se pensarmos que a economia é algo mecânico,
circular e em constante equilíbrio, então de fato não há motivos para se considerar
a figura do empreendedor. Neste cenário, a economia passe a ser como Hamlet sem o príncipe dinamarquês: um
sistema destituído de atores e de ação.
Sob este prisma, a economia é como uma máquina em
moto-perpétuo, que funciona por meio de gastos que se movem em um fluxo
circular, com recursos homogêneos.

Ou seja, não há uma estrutura do capital complexa,
não há varias etapas de produção, não há preferências temporais. Há
apenas gastos, os quais fazem automaticamente o serviço de "gerar emprego e crescimento".
Só que tal visão mecanicista da economia é
totalmente irreal. O
mercado é um processo dinâmico, e não apresenta "equilíbrio".
E o empreendedorismo é a força-motriz deste dinamismo.
O mundo real é dinâmico e está em contínuas
mudanças. E é daí que surgem os empregos.
O
papel do empreendedorismo
Antes da avalanche keynesiana — que se resume a
abolir a visão dinâmica do mercado e a ver toda a economia como um fluxo circular
homogêneo —, os economistas tinham a correta visão
do funcionamento da economia: o que conduz toda a economia não é a demanda e o
gasto, mas sim o empreendedorismo e a produção.
Com efeito, John Stuart Mill, em sua Quarta
Proposição Fundamental sobre o capital, já dissera que "a demanda por
mercadorias não é o mesmo que demanda por mão-de-obra". Tal constatação é clara
quando se passa a levar em conta a função do empreendedor.
Empreendedorismo é perceber oportunidades que não
estão especificadas nos dados conhecidos por todos. É o ato de ver uma
nova maneira de alocar meios para alcançar um fim. Empreendedorismo não é
apenas tentar melhorar algo que já existe; empreendedorismo é criação. Empreendedores
criam riqueza ao alocar corretamente recursos escassos para usos mais
produtivos. Empreendedorismo, em suma, é descobrir
oportunidades ainda não percebidas de lucro, e agir em cima
dessas oportunidades.
O que fazem os empreendedores? Eles tentam antecipar quais serão as demandas
futuras dos consumidores, e então contratam mão-de-obra, compram maquinário e produzem
bens e serviços de acordo com esta estimativa.
Em outras palavras, eles contratam mão-de-obra e produzem antecipadamente na
esperança de que conseguirão vender, no futuro, estes bens e serviços.
Se irá de fato haver ou não demanda para os bens e
serviços produzidos por este empreendedor é algo que dependerá totalmente dos
consumidores e da maneira como eles irão avaliar os bens e serviços oferecidos
(o preço cobrado está de acordo?). Irá depender também de quais outros bens e
serviços concorrentes os consumidores poderão comprar (e se os preços da
concorrência forem menores e a qualidade maior?). Igualmente relevante é como
será o comportamento futuro dos consumidores, pois em algumas situações eles
preferirão poupar a consumir.
Portanto, eis o que ocorre: primeiro, o empreendedor
tem de antecipar corretamente a
demanda dos consumidores; depois, ele tem de antecipar corretamente qual preço
poderá ser cobrado pelo produto final; finalmente, o
empreendedor tem de ver se será capaz de produzir este bem a um custo
suficientemente baixo, de modo a tornar todo o empreendimento viável.
Em outras palavras, os empreendedores arcam com
todas as incertezas de seu empreendimento. Eles tentam antecipar como os
consumidores irão valorar seus bens e serviços, e, baseando-se nesta
estimativa, eles estimam os preços. Tais preços, por sua vez, irão determinar
se todo o processo de produção será viável ou não. Se o custo operacional for
maior que o preço final estimado, nada feito.
Empreendedores
criam empregos, e o gasto dos consumidores é irrelevante neste processo
O que tudo isso significa é que os empreendedores especulam sobre o futuro, que é quando
irão efetivamente colocar seus bens e serviços à venda. Consequentemente, todo
o investimento para a produção e toda a contratação de mão-de-obra ocorrerá independentemente de haver gastos
no mercado.
Empreendedores não tomam decisões de investimento e
produção baseando-se nos gastos de hoje, mas sim baseando-se em como eles prevêem que será o futuro. A produção é
algo que leva tempo, de modo que as condições vigentes de consumo (os gastos
dos consumidores) quando uma decisão de investimento é tomada não são muito
relevantes, pois elas podem mudar repentinamente. Assim, o que realmente
importa é o futuro: como será o mercado quando o processo de produção estiver
concluído.
Essa constatação solapa completamente as bases da
visão keynesiana da economia, pois, no mundo real, o empreendedor irá empregar
pessoas antes de a demanda ser conhecida
— com efeito, antes até mesmo de a demanda poder
ser conhecida.
Isso vale para qualquer área.
Quando uma incorporadora contrata mão-de-obra e
compra maquinários para fazer a terraplenagem de um local para ali construir um
condomínio ou mesmo um shopping, não houve nenhum gasto do consumidor para gerar
aqueles empregos. A incorporadora apenas estimou a demanda futura para seu
produto final e, com base nessa estimativa, pediu empréstimos, contratou
mão-de-obra, investiu e produziu. Nenhum fluxo de gastos do consumidor criou
aqueles empregos.
Quando uma fabricante de automóveis constrói uma
planta para fabricar carros, nenhum gasto do consumidor gerou aqueles empregos.
Os empregos foram criados com base na estimativa dos empreendedores em relação
à demanda futura.
Quando um comerciante abre uma loja de roupas, ele
contrata vendedores com base na sua estimativa de como serão suas vendas. A
contratação de vendedores ocorre sem que um único centavo dos consumidores
tenha sido gasto. O mesmo raciocínio se aplica a um restaurante e toda a
contração de cozinheiros e garçons.
Portanto, temos que, de início, empregos são criados
sem que tenha havido nenhum gasto dos consumidores. Tudo se baseou na
expectativa dos empreendedores quanto à demanda futura. Quando os consumidores finalmente começam a gastar comprando esses bens e serviços produzidos, os empregos já estavam criados.
Ok. Mas, e depois?
Bom, se o empreendedor fracassar — o que significa
que não houve demanda suficiente para gerar receitas para cobrir os custos —, o empreendimento ainda assim terá empregado
trabalhadores.
É verdade é que se o empreendedor não acreditar que
a situação ruim irá mudar, esses trabalhadores poderão perder seus empregos.
Mas o ponto é que os empregos foram criados independentemente
dos gastos do consumidor.
Por outro lado, se o empreendedor for bem-sucedido
— o que significa que os bens e serviços serão eventualmente vendidos a um
preço que cubra os custos de produção — haverá uma relação entre gastos dos
consumidores (naqueles bens e serviços) e a lucratividade do empreendimento. E
isso é tudo o que pode ser dito ao certo. Não há nenhuma teoria que diga que o
empreendedor irá manter os empregos que ele criou. Ele pode perfeitamente
demitir e automatizar, por exemplo. Ou pode ele próprio assumir as funções do
empregado demitido. O fato é que nada garante que os empregos criados pelo
empreendedor serão mantidos pelos gastos dos consumidores.
Mas, e se a demanda for muito maior que a esperada?
O empreendedor não terá de contratar mais pessoas?
Não necessariamente. Com efeito, o exemplo do
empreendedor bem-sucedido apenas fortalece ainda mais o argumento de que os
gastos em consumo não conduzem o emprego. Se o empreendedor descobre que a
demanda por seus bens e serviços era muito maior do que ele antecipara, isso
não necessariamente irá gerar mais empregos. Não há nada que comprove que um
aumento da demanda fará com que o empreendedor empregue mais trabalhadores.
Para começar, se o empreendedor acreditar que esta
maior demanda irá durar para sempre (o que seria uma mera especulação), ele irá investir em aumentar sua produção. Ele de
fato pode simplesmente redobrar a
aposta no atual processo, contratando mais pessoas, mas o mais provável é que
ele faça investimentos em automação. Volumes de produção maiores fazem com que
seja mais fácil cobrir os custos fixos iniciais do maquinário. E os lucros são
muito mais afetados por custos variáveis, como salários e encargos sociais e
trabalhistas. Ademais, empregar mais pessoas requer mais gastos com o
treinamento de trabalhadores.
Entretanto, mesmo se desconsiderarmos essa
constatação de que máquinas podem substituir a mão-de-obra (pois torna o
trabalho mais produtivo), e assumirmos que o empreendedor irá simplesmente
dobrar a aposta no processo de produção inicial e contratar mais mão-de-obra, ainda assim a visão keynesiana de que a
demanda gera empregos não se sustenta: afinal, a contratação de mais
mão-de-obra e o investimento para aumentar a produção ainda continuam ocorrendo
em antecipação à demanda futura — e
não em resposta à demanda atual.
Um eventual aumento na demanda hoje não
necessariamente será duradouro. Pode acabar amanhã, pode acabar mês que vem, ou
ano que vem. Impossível saber. Consequentemente, qualquer decisão de contratar
mais mão-de-obra hoje será meramente uma especulação
em relação à demanda futura.
Conclusão
Quem cria empregos são empreendedores e
investidores, e eles fazem isso de acordo com suas expectativas quanto à
demanda futura (o que depende das condições econômicas esperadas para o futuro).
Simplesmente não há como escapar do fato de que a
produção precede o consumo. E isso é algo fundamental: o empreendedor incorre
em sua produção e contrata mão-de-obra antes de saber se será capaz de vender
os bens e serviços produzidos.
O eventual gasto dos consumidores naquele bem ou
serviço produzido ocorrerá após a
produção e a geração de empregos, e não o contrário. O gasto
dos consumidores não cria empregos para as pessoas. O que cria empregos são o
investimento e a produção feitos pelos empreendedores.
Não faz nenhum sentido pensar que gastos dos
consumidores precedem a produção e o emprego. Reduza a economia a apenas duas
pessoas e veja se seria possível o gasto de A causar a produção feita por B.
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