quarta-feira, 20 set 2017
Suponha um grupo de
reguladores cuja função é fazer inspeções sanitárias e garantir credenciamento
de empresas alimentícas. Eles fiscalizam tanto as grandes quanto as pequenas
empresas para ver se elas estão cumprindo todas as normas impostas pela agência
reguladora.
Tais normas, por
definição, acarretam vários custos para todas as empresas.
Só que, logo de partida,
já está óbvio que tal regulação é positiva para as grandes empresas: dado que
as regulações representam um custo, as pequenas terão mais dificuldade de arcar
com elas do que as grandes, que possuem muito mais capital. Logo, essas
regulações afetam a capacidade das pequenas de concorrer com as grandes.
Mas tudo piora.
As grandes empresas,
exatamente por terem mais dinheiro, poderão perfeitamente fazer conchavos com
os fiscais (por meio de subornos diretos e outros agrados), e com isso ganhar
um passe-livre da fiscalização e ainda assim serem credenciadas. Já as pequenas
não terão essa mesma capacidade e poderão até mesmo ser descredenciadas.
Assim, as grandes
conseguem uma segunda vantagem: elas não apenas se livraram da fiscalização,
como ainda conseguiram manter as pequenas estritamente fiscalizadas (e até
mesmo descredenciadas).
No final, quais as
consequências? As grandes pagaram para se livrar da fiscalização, as pequenas
foram sufocadas pela fiscalização, criou-se um oligopólio das grandes empresas,
a população pagou impostos para bancar todo esse programa de fiscalização, e os preços
acabaram sendo mais altos do que poderiam ser, pois tanto as grandes quanto as
pequenas incorrerem em custos para lidar com essa fiscalização.
Quem realmente ganhou? As
grandes empresas e os fiscais. Quem perdeu? As pequenas empresas e os consumidores.
Este exemplo acima pode
ser replicado em toda e qualquer área da economia, e de diferente maneiras.
No setor bancário, as
regulamentações impostas pelo Banco Central impedem a vinda de bancos
estrangeiros e o surgimento de bancos pequenos ao mesmo tempo em que garantem
uma reserva de mercado para os grandes bancos já estabelecidos.
No setor de
telecomunicações, as regulações da ANATEL protegem as quatro empresas
telefônicas já estabelecidas e criam barreiras artificiais ao surgimento
de novas empresas do setor, bem como a vinda de empresas estrangeiras para
cá. Sem a ANATEL, toda e qualquer empresa de telecomunicação, internet e TV a
cabo do mundo estaria livre para vir para cá. Essa maior concorrência
derrubaria as tarifas (no Brasil estão entre as mais caras do mundo) e fariam
os serviços melhorar espetacularmente. Empresas que reconhecidamente prestam
serviços de qualidade nos mercados internacionais — como a AT&T, Vodafone,
Verizon, T-Mobile, Orange — estariam livres para chegar aqui amanhã.
No setor aéreo, as
regulamentações da ANAC garantem uma reserva de mercado para as empresas
nacionais já estabelecidas. Quem tentar criar uma empresa para concorrer com elas
será barrado (a menos, é claro, que você tenha boas conexões políticas). Igualmente,
empresas estrangeiras são proibidas
de fazer vôos nacionais aqui dentro, para não afetar o oligopólio protegido
pela ANAC. Com uma reserva de mercado garantida — há apenas quatro empresas
aéreas autorizadas pelo governo a servir um mercado de 200 milhões de
consumidores potenciais —, o Brasil é o 12º
país mais caro do mundo para viajar de avião. Brasileiros pagam 48% mais
que os britânicos e 223% mais que os norte-americanos para cada 100 quilômetros
voados.
No setor elétrico, as
regulamentações da ANEEL impedem o surgimento de empresas para concorrerem
livremente com as estatais do setor, o que aumentaria a oferta de energia. Houvesse uma genuína livre iniciativa no setor
elétrico, quem quisesse produzir e vender energia elétrica, seja ela hídrica,
nuclear ou térmica, estaria livre para tal. A produção e a venda de
eletricidade seria uma atividade comercial como qualquer outra. Os preços
certamente cairiam.
No setor de transportes
rodoviários, as regulações da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres)
impedem o surgimento de empresas de ônibus para concorrer com as já existentes,
as quais detêm privilégios monopolísticos concedidos pela agência. Pior:
impedem que as já existentes concorram mais diretamente entre si. É a ANTT quem
estipula qual empresa de ônibus pode fazer qual rota e em qual horário. E é ela
também que impede que mais de uma empresa de ônibus sirva a cidades que tenham
menos de 200 mil habitantes.
No setor de planos de saúde,
as regulamentações e imposições da ANS (Agência Nacional de Saude), com seus controles de preços e exigências
de coberturas e de serviços mínimos, levaram a uma concentração sem
precedentes do mercado, com a expulsão dos pequenos provedores e a expansão dos
grandes, bem como de seus preços. No ano 2000, quando a ANS foi criada, havia
3.577 operadoras de plano de saúde atuando no Brasil. Uma
década depois, o número caiu para menos da metade: 1.628, sendo que apenas
12% delas concentram mais de 80% dos usuários. E, em março de 2017, o número já
era de apenas 1.076
operadoras.
Por fim, há o exemplo
mais explícito de todos. No setor petrolífero,
as pesadas regulamentações da ANP não apenas tornam proibitivo o surgimento de qualquer
empresa que queira
explorar e refinar petróleo aqui no Brasil e nos vender, com também garante a
total cartelização do setor de postos de combustível. Postos de combustível são
uma das reservas de mercado mais antigas do país. Não há nenhuma liberdade de
entrada para qualquer concorrência neste ramo.
Tente você abrir um posto
de gasolina. Além de todas as imposições da ANP e de todos os papeis, taxas,
cobranças, cartórios, filas, carimbos, licenças e encargos, há ainda toda uma
cornucópia de regulamentações ambientais, trabalhistas e de segurança que fazem
com que abrir um posto de combustíveis seja uma atividade quase que restrita
aos ricos (ou a pessoas que possuem contatos junto ao governo).
Livre concorrência nesta
área nunca existiu. Você só consegue se tornar dono de um posto de gasolina se
o seu atual dono lhe passar o ponto. Apenas veja na sua própria cidade. Qual
foi a última vez que você viu um posto de gasolina ser aberto em uma nova
localidade? Praticamente nenhum posto quebra e nenhum posto novo surge.
Conclusão
Além dos citados acima, vale também mencionar estações
de rádio, de televisão, provedoras de internet, hospitais, escolas, açougues,
restaurantes, churrascarias, padarias, borracharias, oficinas mecânicas,
shoppings, cinemas, sorveterias, hotéis, motéis, pousadas etc. Nada disso
pode surgir sem antes passar por incontáveis processos burocráticos que
envolvem licenciamento, taxas, propinas, inspeções, alvarás, registros
cartoriais, reconhecimentos de firmas etc.
São barreiras que
prejudicam o surgimento dos pequenos e garantem uma reserva de mercado para os
grandes.
Em teoria, regulações e fiscalizações
existem para proteger o consumidor. Na prática, protegem as grandes empresas dos
consumidores. No final, elas nada mais são do que um aparato burocrático que
tem a missão de cartelizar as empresas que operam nos setores regulados,
determinando quem pode e quem não pode entrar no mercado, e quem pode e quem não
pode permanecer no mercado (sempre em prejuízo das menores).
Quanto maior é a regulamentação governamental, mais
incentivos existem para a corrupção, para o suborno, para os favorecimentos e
para os conchavos. Em vez de se concentrar em oferecer bons serviços e superar
seus concorrentes no mercado, as empresas mais endinheiradas poderão
simplesmente se acertar com os burocratas responsáveis pelas regulamentações e fiscalizações,
oferecendo favores e, em troca, recebendo agrados como restrições e vigilâncias
mais apertadas para a concorrência.
Livre mercado significa,
por definição, liberdade de entrada. Quem quiser abrir uma empresa, em qualquer
setor da economia, tem de ter liberdade de fazer isso quando quiser, sem ter de
enfrentar uma montanha burocrática de restrições dispendiosas, sem ter de
molhar a mão de fiscal, sem ter de pagar inúmeras taxas "legais", sem ter de
pedir autorização para funcionários públicos, e sem ter de beijar a mão de
políticos.
Como estamos longe disso.
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