quinta-feira, 29 jun 2017
Em 2008, tornou-se mundialmente famoso o caso dos irmãos
gêmeos Tyler e Cameron
Winklevoss, que ganharam pelo menos US$ 65 milhões após uma batalha
judicial com o CEO do Facebook Mark Zuckerberg.
Os gêmeos, então alunos de Harvard, pediram a
Zuckerberg para que este escrevesse o código para um site que ambos estavam
criando, o Harvard Connection, que no final acabou se transformando no
ConnectU. Zuckerberg, porém, tinha outras e mais elaboradas ideias
fervilhando em sua mente. E ali surgiu o Facebook.
Assim que o Facebook decolou, os irmãos Winklevoss
começaram a reclamar e, após tentarem de todas as formas possíveis destruir o
Facebook, sem lograr êxito, os gêmeos resolvem processar Zuckerberg por
violação de sua propriedade intelectual, ainda que os códigos de ambos os
projetos não tivessem absolutamente nada em comum.
Os gêmeos simplesmente alegaram ser os donos da
ideia original do Facebook, dizendo que Zuckerberg havia se apropriado dela e
ficado com a fama e com o dinheiro.
Se é verdade que Zuckerberg se apossou da ideia dos gêmeos,
então eles foram muito sortudos de o terem conhecido. Por mais empreendedores
que tenham sido os irmãos Winklevoss, a verdade é que são pouquíssimas as pessoas
neste mundo que poderiam ter alcançado o que Zuckerberg alcançou. Raro é o
visionário CEO que consegue transformar uma simples e humilde startup em uma colossal
empresa global avaliada em US$ 430 bilhões.
Sem esta suposta expropriação de idéia feita por
Zuckerberg, o mundo provavelmente jamais teria conhecido o Facebook. Talentos visionários
com os de Zuckerberg são extremamente raros, assim como são raros os esportistas
que realmente alcançam façanhas.
Travis
Kalanick, ascensão e queda
O que nos traz a Travis Kalanick, co-fundador da
Uber.
Kalanick nasceu em 1976, em Los Angeles, onde
cresceu e cursou a UCLA. Mas não completou o curso. Começou a trabalhar e se dedicou à programação informática desde o
início de sua carreira, abandonando seus estudos depois de ter criado uma startup.
Sua primeira empresa, a Scour,
foi a precursora da Napster, permitindo a busca e o compartilhamento de
música e vídeos on-line. Fundada em 1997, a empresa só sobreviveu três anos: a
indústria americana do cinema e da música a levaram à falência, depois de
exigir um pagamento
de US$ 250 bilhões (uma quantia obviamente impagável, e imposta com o único
intuito de quebrar a empresa).
Em 2001, Kalanick foi o co-fundador da Red
Swoosh, também voltada para o compartilhamento de arquivos
on-line. Viveu três anos sem salários (tendo de voltar a morar com os pais) e enfrenta
dificuldades financeiras. No entanto, a empresa prospera e se torna um sucesso.
Em 2007, ele consegue vendê-la e vira milionário aos 30 anos.
A ideia de criar a Uber veio
em uma noite de inverno de 2008, em Paris.
Kalanick e Garett Camp (que viria a ser o co-fundador da Uber) não encontravam
táxi. Tiveram então de gastar US$ 800 contratando os serviços de um motorista
particular. Desde então, ambos se propuseram ao desafio de encontrar maneiras
de reduzir drasticamente o custo dos serviços de transporte particular.
Mais especificamente, ambos passaram a estudar
maneiras de criar um serviço em que um carro com motorista particular poderia
ser acionado pelo celular, e a custos populares.
O UberCab surgiu no ano
seguinte, na cidade de São Francisco, tornando-se um serviço corriqueiro já em
2010.
Sete anos mais tarde, a empresa encurtou seu nome
para simplesmente Uber. E o resto é história. Presente em mais de 500 cidades
ao redor do mundo, a Uber revolucionou a ideia de transporte particular,
levando-o até as massas. Há apenas alguns anos, ter um motorista particular à
sua disposição, o qual chega apenas alguns minutos após você clicar em um
aplicativo no seu celular e que leva você para onde quiser, era um serviço
disponível apenas para os milionários. Hoje, graças ao empreendedorismo de
Kalanick, usufruir um serviço de motorista particular já se tornou uma
alternativa barata para pessoas de todas as classes sociais ao redor do mundo.
A Uber possibilitou que até mesmo os mais pobres
tivessem o luxo de um motorista particular (e barato) disponível a apenas um
clique de celular. Aquele serviço que, há apenas alguns anos, era disponível
apenas para o 1% mais rico da população, hoje, graças às qualidades visionárias
de Kalanick, já se tornou uma alternativa acessível para os 99%.
Porém, desde o dia 22 de junho, Kalanick não é mais
o CEO da Uber. Embora houvesse dito que iria se afastar apenas temporariamente do
cargo, em luto pela trágica morte de sua mãe, a saída se tornou definitiva. Por
pressão de investidores, Kalanick anunciou
que não mais estaria ligado à Uber. Motivo: a exuberante e bastante
desregrada cultura que imperava dentro da Uber estaria ficando fora de controle,
segundo membros do conselho administrativo. Alegações de assédio sexual e
discriminação no trabalho se avolumavam contra Kalanick.
A cultura de uma empresa começa no alto escalão. Sendo
assim, a saída de Kalanick, mesmo que apenas temporária, foi vista como uma
maneira de corrigir os rumos culturais da Uber.
A princípio, isso soa belo. Mas, obviamente, a deposição
de Kalanick foi apenas uma tentativa de apaziguar os críticos ofendidos por seu estilo áspero e jogar um buquê
de flores para a polícia do politicamente correto.
O que é realmente ignorado por aqueles desgostosos
com a "cultura bad boy" da Uber é o fato de que apenas um bad boy como Kalanick poderia fazer o que foi feito, transformando
um mero conceito em uma marca global que corajosamente desafia monopólios protegidos
pelo estado, como o cartel dos taxis.
Não, a Uber não foi o primeiro serviço de
compartilhamento de caronas. Mas a Uber foi o primeiro serviço de
compartilhamento de caronas a alcançar uma escala global, e tudo graças à
coragem e à disposição de Kalanick em bater de frente com o cartel dos taxis ao
redor do mundo, quebrando seu monopólio e acabando com sua reserva de mercado.
Não apenas Kalanick corajosamente forçou a entrada
da Uber em vários mercados fechados e protegidos pelo estado — utilizando
métodos que alguns consideram "ilegais", como o simples fato de operar mesmo
tendo sido proibido pelo estado —, como ele também teve a coragem (e o sangue-frio)
de gastar milhões de dólares com os trâmites judiciais necessários para
legalizar a Uber em vários outros países.
E foi exatamente esta coragem de Kalanick que abriu
as portas para seus próprios concorrentes, como Lyft e Cabify. Pode-se também creditar
a Kalanick a melhoria observada nos próprios serviços de taxi ao redor do
mundo, os quais, temerosos da concorrência, também criaram seus próprios aplicativos,
passaram a conceder grandes descontos e melhoraram bastante o trato dispensado
ao passageiro.
Não fosse a inabalável crença de Kalanick de que a
Uber atenderia a uma demanda do consumidor, provavelmente não haveria nem Lyft,
nem Cabify e nem muito menos uma melhora nos serviços de taxi. Ao expandir sua
batalha local para um nível global, Kalanick satisfez uma demanda que vários
consumidores ao redor do mundo nem sabiam ter — e nem muito menos sabiam que
ela poderia ser atendida.
Para dizer o que já deveria ser óbvio, a Uber não é Uber sem Kalanick. Pessoas como Kalanick
e Zuckerberg não crescem em árvores. Eles dão um novo significado à expressão sui generis. Embora seja possível que a
Uber venha a se beneficiar com a chegada de Eric Schmidt (ex-CEO da
Google), o fato é que seu atual valor de mercado — de US$ 70 bilhões —
reflete muito mais uma cultura "bad boy" capaz de superar barreiras à inovação incrivelmente
altas (erigidas pelo estado) do que a suposta chegada de um executivo bem mais
velho, trazido para moderar exatamente aquilo que fez a empresa crescer.
Conclusão
Assim como o Facebook não seria o Facebook caso os irmãos
Winklevoss houvessem conseguido tomar o controle de Zuckerberg, tampouco a Uber
irá se tornar tudo aquilo que seus investidores esperam que a empresa seja caso
o visionário que a tornou incrível seja deposto.
Kalanick construiu um empreendimento que
vale hoje US$ 70 bilhões. É até possível que o substituto de Kalanick tenha a visão,
a capacidade, a habilidade e a energia para superar o co-fundador da Uber, mas
as chances são baixas.
O comércio e o bem-estar dos indivíduos são —
sempre e em todo lugar — melhorados e aprimorados por aqueles que o economista
Reuven Brenner rotulou de "os poucos essenciais". Kalanick é essencial de uma
forma que apenas uma fatia microscópica da população mundial também o é. Em vez
de afastá-lo para apaziguar os ultra-sensíveis entre nós, é hora de nos tornarmos
adultos e reconhecermos que, para alcançar o progresso humano, algumas vezes
necessitamos de "bad boys" dispostos a romper barreiras fortificadas e protegidas
por políticos.