Pergunta direta: quem realmente está no comando do
estado, no controle da política e dos destinos do país?
Uma pista: não é somente o governo e sua face
pública, que são os políticos eleitos.
A classe política é apenas o verniz do estado; é
apenas a sua face pública. Mas ela não é o estado propriamente dito. Não é a
classe política quem exatamente comanda as coisas. Políticos vêm e vão. Eles são
meros atravessadores, isto é, pessoas que, ao ocuparem temporariamente o poder,
vendem facilidades para determinados lobistas e grupos de interesse.
Esta é a função precípua do político.
Porém, como sua estadia no poder é temporária, seu
comando sobre o estado é pequeno.
Quem de fato comanda o estado, quem se aproveita de
suas facilidades e privilégios, é a permanente estrutura burocrática e lobista que
está incrustada na máquina, estrutura esta formada por pessoas imunes a
eleições. São estes, os burocratas, os reguladores e os grupos de interesse,
que compõem o verdadeiro aparato controlador do governo.
Há o governo oficial e o governo paralelo, também chamado
de "estado oculto".
O governo oficial é aquele que todos vêem, aquele
cuja face pública está continuamente nos noticiários. São os membros do
Executivo, do Legislativo e do Judiciário. São o presidente, seus ministros, os
deputados, os senadores, os governadores, os prefeitos, vereadores e os membros
do alto escalão do judiciário.
Já o "governo oculto" é aquele que opera imune às
leis e diretrizes jurídicas. Não é constitucionalmente definido e atua por cima
e por trás do governo oficial.
A
origem
Sempre há, em qualquer sociedade, integrantes que estão
dispostos a roubar, extorquir e enriquecer ilicitamente à custa do resto da
sociedade. Em sua concepção clássica, o governo tinha uma única função: evitar que estas
pessoas infligissem danos às demais. Essa sempre foi tida como a função clássica do governo.
No entanto, com o passar do tempo, a realidade foi se impondo. Em vez de combater essas pessoas, o governo foi se associando a elas. Se
antes a função do governo era combater esses infratores, hoje ele passou a lhes
conceder legitimidade. Autoridade. Respeitabilidade.
Quem primeiro chamou atenção para este fenômeno foi
o então presidente americano Dwight Eisenhower, em seu discurso de despedida,
em 1961. Na ocasião, Eisenhower rotulou esses interesses ocultos de "complexo
militar-industrial". (Leia aqui o
discurso completo e veja aqui
o trecho mais importante em vídeo).
Com esta frase, Eisenhower denunciou uma minoria bem
organizada que, por meio de lobby, conseguia privilégios financeiros junto ao
estado, privilégios estes que eram bancados por todo o resto da maioria. Mais
especificamente, Eisenhower se referia a um pequeno círculo incrustado no poder
que obtinha benefícios tanto com a guerra quanto com o aumento indefinido dos
gastos militares do governo.
Os empresários industriais, provedores de todo o
armamento para o exército, eram os diretos beneficiários da corrida
armamentista da Guerra Fria. Enquanto os conflitos bélicos ceifavam vidas no
estrangeiro, dentro dos EUA eles elevavam o endividamento do governo,
necessitando de novos impostos e de mais inflação monetária para arcar com esse
endividamento. Como consequência, o patrimônio das famílias ia sendo destruído.
Porém, todo o complexo militar-industrial ganhava com isso. Eram os únicos ganhadores.
E eram bancados pela população.
Uma caricatura desta situação foi ilustrada em um
filme recente intitulado Cães de
Guerra (War Dogs). O filme,
protagonizado por Jonah Hill, relata a história de Efraim Diveroli e David
Packouz, dois jovens americanos que fazem fortuna vendendo todos os tipos de
produtos ao pentágono. O sonho americano encurtado, sem ter de se submeter ao
livre mercado: ricos da noite para o dia, graças ao descontrolado gasto
estatal.
O leitor já deve ter percebido o que gera o estado
oculto: quando há, de um lado, um governo grande, com um farto orçamento público
repleto de emendas e brechas, sempre haverá, do outro lado, grupos de interesse
poderosos e bem organizados, que irão se beneficiar deste orçamento público. Mais:
esses grupos terão todo o interesse em fazer com que este orçamento cresça cada
vez mais.
E quem realmente bancará todos esses gastos do
governo que irão privilegiar os grupos de interesse são os pagadores de
impostos.
Obviamente, o estado oculto não se limita somente ao
gasto com armamento e defesa. O gasto público em nível mundial cresceu em todas
as áreas, estimulando a pujante e gigantesca indústria do lobby.
Em seu livro Um
Capitalismo para o Povo, o professor da Universidade de Chicago, Luigi
Zingales, explica esta situação:
O
primeiro e mais óbvio motivo para se fazer lobby junto ao governo é a elevada
recompensa que isto traz. Quanto maior for o governo, quanto maiores forem seus
gastos, maior será o bolo a ser repartido. Em 1900, o gasto federal não relacionado
à defesa representava somente 1,8% do PIB, ao passo que o gasto com defesa
chegava a 1% do PIB. Já no ano de 2005 — ou seja, antes da recente disparada
dos gastos por causa da crise financeira —, o gasto público não relacionado à
defesa chegou a 16% do PIB, ao passo que o gasto com defesa chegou a 4% do PIB.
Ou seja, em um período de um século, a expansão do governo sobre a economia
privada se multiplicou por 7.
No Brasil, como mostra este gráfico, o gasto
público nas três esferas de governo chegou a estar em 10% do PIB na década de
1920, e fechou em 41% do PIB em 2013. Ou seja, os gastos estatais se
multiplicaram por 4,1 em 90 anos.
Mas mesmo esses números não contam toda a história. Como
já explicava Milton Friedman, os números do gasto e dos impostos em relação ao
PIB subestimam a real influência do governo porque legislações e intervenções
que possuem efeitos consideráveis sobre a economia não necessariamente exigem
um grande aumento de gastos. Intervenções como tarifas de importação, leis de salário
mínimo, imposição de encargos sociais e trabalhistas, controle de preços, licenças
para exportação, permissões municipais e várias outras regulamentações não necessariamente
implicam um aumento acentuado de gastos do governo.
O que é de crucial importância entender é que cada regulamentação introduzida pelo
governo beneficia a uns poucos e prejudica a vários outros. Sabendo disso, a
reação lógica dos grupos de interesse bem organizados e com grande poder de
lobby será a de tentar cooptar (ou mesmo subornar, via propinas) os governantes
para que regulem em seu benefício.
Um estado grande sempre acaba se convertendo em um
instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada dos grupos
sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e direcionada para os grupos
sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com
conexões políticas).
A crescente concentração de poder nas mãos do estado
faz com que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos
aqueles que saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.
Lobistas e grupos de interesse, portanto, são a consequência
natural de um estado agigantado e com gastos crescentes. E são também a essência
do "estado oculto".
Os
cinco elementos do estado oculto
No Brasil, o estado oculto é composto
majoritariamente por cinco classes principais: os grandes empresários que querem reserva de mercado, subsídios e nenhuma concorrência; as empreiteiras que querem se fartar em dinheiro de impostos por
meio de obras públicas; os sindicatos que se opõem à produtividade; os
reguladores e burocratas que impingem as legislações; e os políticos que visam
apenas ao curto prazo.
Estes são os cinco grupos de poder que formam o
estado oculto. São eles quem, por meio de lobby, propinas e subornos, fazem com
que políticos aprovem leis e implantem políticas públicas — tudo com a anuência
de reguladores e burocratas — que lhes beneficiem, tanto legal quanto
ilegalmente.
O cardápio vai desde a imposição de tarifas de
importação, de subsídios diretos às empresas favoritas dos políticos, e de regulamentações que irão dificultar a
entrada de novos concorrentes em um mercado específico (tudo isso beneficiando
os empresários que não querem concorrência) até a criação de uma emenda
orçamentária que irá beneficiar alguma empreiteira que será agraciada com a
concessão de alguma obra pública.
Passa também pelas fraudes em licitações e pelo
superfaturamento (com o dinheiro de impostos) em obras de empreiteiras, ambos
conseguidos em troca de propinas para políticos.
E não nos esqueçamos também dos privilégios
sindicais garantidos pelo governo. Além de serem verdadeiros monopólios
protegidos pelo estado, graças à unicidade sindical, sindicatos são financiados
compulsoriamente com dinheiro público, por meio do Imposto
Sindical. Vale ressaltar que, embora ninguém seja obrigado a se filiar a um
sindicato, todos os trabalhadores são obrigados por lei a
contribuir anualmente com o imposto sindical. Há o desconto em folha do
trabalhador, mesmo que ele não seja filiado, tampouco se sinta
representado por seu sindicato de classe. Os valores movimentados pelo
Imposto Sindical chegam a R$ 3 bilhões por
ano. Uma mamata para os sindicalistas. E bancada pelos trabalhadores.
A esmagadora maioria das políticas públicas implantadas
no país visa à satisfação de algum desses grupos de interesse — ou à satisfação dos
próprios políticos, burocratas e reguladores.
A
Lava-Jato é a teoria levada à prática
Sempre que se cria um ambiente de relações estreitas
entre, de um lado, os membros do governo (políticos, burocratas e reguladores)
e, de outro, grupos de interesse política e economicamente favorecidos pelo
governo (empresários anti-concorrência, empreiteiras de olho em obras públicas,
e sindicatos), ocorre um fenômeno inevitável: todas as relações políticas passam
a ser pautadas pelo famoso lema do "quem quer rir tem de fazer rir".
Para que políticos, burocratas e reguladores
favoreçam determinados grupos de interesse, estes têm de apresentar agrados em
troca. Trata-se de uma lógica que faz com que os negócios envolvendo o
governo estejam em patamar de equivalência às práticas das tradicionais máfias.
Rigorosamente, os agentes do governo se valem destes
privilégios (legais e ilegais) conferidos aos grupos de interesse e se
apropriam — formalmente ou informalmente — de uma fatia da renda extraída da
população para o benefício próprio. Dito de outra forma, os agentes do
governo exigem sua fatia do bolo: já que o governo está utilizando dinheiro de impostos
para beneficiar grupos de interesse, então os agentes do governo que
supervisionam esse processo também querem se dar bem nesse arranjo.
Os escândalos revelados pela Lava-Jato explicitam na prática toda essa teoria. A Lava-Jato nada mais é do
que a investigação dessa ligação e associação entre, de um lado, as grandes empreiteiras e os grandes grupos empresariais e, de outro, os parasitas que integram a esfera regulatória federal: o que envolve desde burocratas
de secretarias até membros do governo executivo, passando pelos integrantes do
parlamento, legisladores, integrantes da magistratura, partidos políticos, e órgãos de fiscalização e polícia.
A Lava-Jato consiste na revelação do jogo de
bastidores, das propinas, dos desvios de verba, do financiamento ilícito, da
lavagem de dinheiro, da superfatura, das empresas fantasmas, dos esquemas de
favorecimento de políticos, da apropriação dos recursos públicos e de favores
imorais, buscando, ao mesmo tempo, perpetuar grupos de empresas nacionais,
pelegos políticos e funcionários públicos corruptos.
Conclusão
Estes cinco grupos que formam o estado oculto estão
no comando do país. Eles se fartam do sistema estatista vigente, o qual
instaurou uma ordem social pautada na corrupção.
Enquanto a população continuar na defesa de um
estado agigantado e onipresente, que em tudo intervém e de todos cuida, essa realidade não será alterada.
Só há uma única maneira de abolir, em definitivo, o
estado oculto e toda a corrupção, os grupos de interesse e os lobbies
empresariais que ele fomenta: reduzir ao máximo o tamanho do estado. Com estado
grande, intervencionista e ultra-regulador, lobbies, grupos de interesse e
subornos empresariais sempre serão a regra.
Mas quem realmente defende isso?
Defensores do estado agigantado são os fomentadores
do estado oculto que realmente governa o país.
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