Nota
do Editor
Donald Trump prometeu que iria construir um muro na
fronteira entre EUA e México para barrar a entrada de imigrantes ilegais. Até
aí, tudo bem. Se o governo americano quer construir um muro em seu território,
isso é algo que deve ser resolvido entre ele e a população americana. Caso haja
consenso, eles são livres para fazê-lo e ninguém mais tem nada com isso.
Mas Trump foi além e disse que o México é quem irá
pagar pelo muro. Bom, aí a história muda. Querer espetar a conta de uma construção
em território americano sobre a população de outro país beira o escárnio.
Mas ainda pior foi a "justificativa econômica" dada
por Trump. Segundo ele, dado que os EUA têm um déficit comercial de US$ 60
bilhões com o México, isso representa uma perda econômica para o país. Logo, nada
mais natural que o governo mexicano tribute seus cidadãos para pagar pela construção
do muro. Veja os seus tweets:

O argumento é completamente asinino e demonstra
total desconhecimento sobre conceitos básicos de economia.
Para
começar, Trump cita a perda de empregos. Só que a produção industrial americana
está próxima de seus níveis recordes, como mostram as próprias
estatísticas publicada pelo Federal Reserve. Portanto, sua alegação não faz
sentido.
Em segundo lugar, e mais importante, não existe isso de déficit comercial "entre
países"; o que existe é uma população produzindo e outra população comprando. Os
americanos compram dos mexicanos US$ 60 bilhões a mais do que os mexicanos
compram dos americanos. Até onde se sabe, trata-se de uma ação completamente
pacífica e voluntária. Os americanos voluntariamente compram produtos
fabricados pelos mexicanos. Ninguém os obriga a isso. Nenhum americano é
coagido a isso. Nenhum americano é agredido por isso.
Assim como você possui um "déficit comercial" com o
supermercado que você frequenta ou com o restaurante em que você almoça — ambos
os quais lhe fornecem bens e serviços em troca do seu dinheiro —, os
americanos possuem essa mesma relação com os mexicanos, que lhes fornecem bens
e serviços em troca de dinheiro. Qual exatamente é o problema com este arranjo?
Segundo Trump, tal relação mútua e pacífica entre cidadãos
americanos (compradores voluntários) e cidadãos mexicanos (vendedores
voluntários) é deletéria para os EUA e deve ser revertida. Trata-se do perfeito
exemplo da mentalidade mercantilista, que acredita que, em uma transação comercial,
só o lado vendedor ganha, e o comprador só perde.
O curioso é que, se este raciocínio realmente for
levado a sério, jamais deveria haver uma única transação comercial na história
do mundo. Quem iria comprar algo, se comprar é sinônimo de perder?
Este, aliás, é o problema de se ver a economia como apenas
uma massa agregada de números, ignorando o indivíduo. Transações que, em nível individual,
são benéficas para ambos os lados, repentinamente tornam-se deletérias quando
analisadas agregadamente. Algo completamente sem sentido.
Em todo caso, é relativamente fácil entender a mente
de Trump: dado que o mundo empresarial é um mundo competitivo, no qual para um empresário
ganhar uma fatia de mercado outro empresário tem de perder essa mesma fatia de
mercado, Trump se acostumou a ver todo o mundo como um jogo de soma zero. Consequentemente,
ele apenas transportou essa sua visão do mundo empresarial para o mundo real:
ele acredita que aquilo que ocorre entre empresários concorrentes é exatamente o
mesmo que ocorre entre pessoas interagindo pacífica e voluntariamente.
Por isso, Trump acredita que, se impedir essa relação
voluntária entre americanos e mexicanos, os americanos sairão ganhando. Ato
contínuo, e este é o tema do artigo abaixo, Trump está ameaçando tributar
pesadamente os produtos mexicanos, e está dizendo que usará esse dinheiro para
construir o muro. Na mente de Trump,
isso equivale a fazer o México pagar pelo muro. Já no mundo real, embora as empresas mexicanas realmente irão se estrepar, a conta também será espetada nos próprios americanos, que acabarão pagando pelo muro direta e indiretamente.
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Toda a imprensa já está relatando
que o presidente americano Donald Trump planeja impor uma tarifa de importação de
20% sobre os produtos mexicanos importados pelos americanos. Trump disse que
essa é a maneira de fazer o México pagar pelo muro.
A ironia é que, embora Trump tenha insistido durante
toda a sua campanha presidencial que o "México irá pagar" por esse projeto, tal
medida garante que serão os americanos que irão arcar com os custos caso sejam
forçados a pagar mais caro pelos bens mexicanos que entram nos EUA.
A retórica utilizada por Trump em sua campanha
demonstrou, e de forma constante, que ele ignora conceitos básicos sobre a própria
natureza do comércio. Ao passo que Trump constantemente se refere ao comércio
em termos militaristas como "ganhadores e perdedores", o livre comércio sempre
é benéfico para ambos os lados. Embora Trump frequentemente invoque o "déficit comercial"
que os EUA têm com o México, tais déficits não têm motivo nenhum para ser
temidos.
Preocupar-se com o déficit comercial do seu país em relação
a outros países faz tanto sentido quanto você se preocupar com o seu déficit comercial
em relação à sua padaria. "Déficit comercial" foi um dos piores termos já inventados
na economia, pois soa muito parecido com "déficit orçamentário",
o qual, este sim, é ruim.
Imagine uma fronteira internacional entre você e o
seu supermercado. Uma vasta quantia do seu dinheiro flui em uma direção e uma
vasta quantia de alimentos e produtos domésticos flui na direção oposta. Isso é
motivo para preocupação? Você tem um enorme déficit comercial com o
supermercado, mas nada parece estar errado ou disfuncional. Muito pelo
contrário: a troca comercial deixa você em melhor situação. Você não a faria
caso ficasse em pior situação.
Consequentemente, encarecer os produtos do
supermercado ou mesmo dificultar a aquisição deles irá apenas prejudicar você.
E é aí que Trump entra. Se ele realmente implantar
essa tarifa de 20%, quais produtos irão encarecer para os americanos?
Em 2015, estes foram os
principais bens comprados pelos americanos do México:
- Veículos
(US$ 74 bilhões)
- Máquinas
elétricas (US$ 63 bilhões)
- Maquinário
(US$ 49 bilhões)
- Instrumentos
óticos e médicos (US$ 12 bilhões)
Os americanos tambem importaram uma grande
quantidade de comida, bebidas e bens agrícolas, como:
- Vegetais
frescos (US$ 4,8 bilhões)
- Frutas
frescas (US$ 4,3 bilhões)
- Vinho
e cerveja (US$ 2,7 bilhões)
- Salgadinhos
e doces (US$ 1,7 bilhão)
- Frutas
e vegetais processados (US$ 1,4 bilhão)
Uma tarifa, no final, é uma apenas um termo mais
elegante para "imposto". E, assim como qualquer imposto, uma tarifa aumenta os
custos dos bens e serviços para o consumidor, ao mesmo tempo em que limita sua
escolha.
No caso da tarifa de Trump, ela recairá não apenas
sobre os consumidores americanos, mas também sobre os produtores americanos que utilizam alimentos, veículos, produtos eletrônicos,
alimentos e instrumentos médicos importados do México (como restaurantes,
transportadoras, firmas médicas e qualquer empresa que utilize automóveis). Estes
agora arcarão com custos de produção maiores.
Consequentemente, os produtores americanos terão
duas alternativas: ou aumentam os preços, prejudicando todos os consumidores
americanos, ou mantêm os preços e arcam com margens de lucro menores. Só que margens
menores significam menos produção e menos mão-de-obra contratada (o exato
oposto do que pretende Trump).
No final, consumidores e trabalhadores americanos sofrerão.
Os únicos que podem se beneficiar de algo será aquela ínfima minoria de
trabalhadores americanos que concorre diretamente com os manufaturados
mexicanos. Todo o resto da população americana verá um declínio em seus salários
reais à medida que os custos e preços forem subindo.
No início desta semana, Trump havia feito o certo ao
rejeitar
o Acordo Transpacífico de Cooperação
Econômica (TPP), um calhamaço de mais de mil páginas que impunha e especificava
inúmeras regulamentações para os participantes, e que nada mais era do que um
acordo de comércio
gerenciado pelos governos participantes. Embora o TPP tenha sido defendido
por alguns economistas favoráveis ao livre comércio, o fato é que acordos
comerciais gerenciados e controlados por governos representam uma extensão do
estado regulatório e corporativista, e incluem várias intervenções governamentais
criadas exatamente para favorecer poderosos grupos de interesse, não devendo
jamais ser confundido com um
genuíno livre comércio.
Um recente encontro entre Trump e a
primeira-ministra do Reino Unido Theresa May havia dado a entender que o
governo Trump estaria optando por uma abordagem melhor, envolvendo acordos
bilaterais entre países. Isso seria bom.
Porém, e infelizmente, as notícias desta semana
mostram que Trump parece estar agindo de acordo com as piores partes da agenda
protecionista sobre a qual ele baseou sua campanha.