A Finlândia começará, a partir deste ano de 2017, a
implantar um programa de renda básica garantida. A notícia
rapidamente correu o mundo:
A Finlândia é
o primeiro país europeu a pagar uma renda básica mensal de 560 euros
(aproximadamente R$ 1,9 mil) para um grupo de desempregados. Trata-se de um
programa social que tem por objetivo acabar com a burocracia nos pedidos de
auxílio-desemprego e, consequentemente, reduzir a pobreza e aumentar o emprego.
O
esquema implantado nesta segunda-feira (2) pela agência KELA, que trata dos
benefícios sociais no país, vai distribuir a renda básica inicialmente a dois
mil cidadãos, a partir de 1° de janeiro. Eles vão receber a quantia de 560
euros a cada mês, sem terem de justificar em que vão gastar o dinheiro. O
objetivo do governo é oferecer aos trabalhadores maior segurança, especialmente
em um momento em que os avanços da tecnologia levam à diminuição de mão de obra
humana.
A
primeira fase do esquema vai durar dois anos. Os participantes são escolhidos
aleatoriamente entre um grupo que vai de 25 a 58 anos, cadastrados entre os
desempregados até novembro do ano passado. Se o programa for bem-sucedido,
trabalhadores com baixa renda, pequenos empreendedores e depois, todos os
finlandeses, poderiam receber o chamado salário básico universal.
Na
Finlândia, um salário médio pago pelo setor privado é de 3,5 mil euros mensais
(aproximadamente R$ 11,9 mil), segundo levantamento do governo.
De
acordo com Olli Kangas, da agência KELA, a ideia do esquema é abolir o
"problema de desincentivo" entre os desempregados, ou seja, de que poderiam
"perder algo". Ele afirmou que os cidadãos selecionados para a estreia do
programa continuarão a receber o benefício, mesmo se conseguirem um emprego no
prazo de dois anos – tempo de duração da primeira fase.
O
governo finlandês acredita que a iniciativa iria economizar dinheiro no longo
prazo, já que o sistema social é complexo, cheio de burocracias e custa caro.
Muitos trabalhadores desempregados até encontram ofertas de emprego temporário
ou meio-período, mas preferem deixar de lado, com medo de que lhe seja cortado
o benefício.[...]
A
Finlândia tem 5,5 milhões de cidadãos. A taxa de desemprego está em 8,1%, com
quase 213 mil pessoas sem ocupação fixa, de acordo com dados de novembro. Essa
taxa se mantém há quase um ano.[...]
Programas-piloto
estão sendo discutidos no Canadá e na Islândia. No ano passado, a
Suíça chegou a considerar uma renda garantida de 2,5 mil
francos-suíços mensais para cada cidadão, mas o projeto foi rejeitado no
referendo – com
mais de 75% dos suíços contra a medida.
Ou seja: de início, apenas 2.000 cidadãos
desempregados, de todas as faixas etárias, irão receber 560 euros mensais
independentemente de sua situação pessoal: mesmo que encontrem emprego, continuarão
recebendo o benefício; se nenhum deles encontrar emprego, continuarão recebendo
o benefício.
A renda básica — diferentemente de outros programas
sociais de transferência de renda, como os programas de renda mínima para os
pobres [como o Bolsa-Família] — possui duas características básicas: ela é
universal (absolutamente todas as pessoas irão recebê-la) e é incondicional (qualquer
pessoa, de qualquer renda, em qualquer situação, irá recebê-la).
O programa-piloto finlandês, no entanto, começará de
maneira bastante restrita. Nem mesmo o governo da rica Finlândia se arriscou a
implantar esse maciço programa de redistribuição de renda sem antes mensurar
quais poderão ser suas consequências.
Afinal, se a renda básica será recebida por todos,
incondicionalmente, continuarão as pessoas dispostas a trabalhar ou elas irão preferir
usufruir seu tempo livre sobrevivendo
com este subsídio estatal? Uma deserção maciça do mercado de trabalho poderia
provocar um colapso econômico e, consequentemente, inviabilizar a própria continuidade
do programa.
Por isso, o governo finlandês, espertamente,
preferiu começar de maneira bem pontual.
Consequentemente, essas próprias limitações impostas
ao programa farão com que seus resultados, não importam quais forem, sejam
pouco conclusivos. Para começar, a quantia da renda básica é muito inferior àquela
defendida por seus mais ávidos defensores, pois dificilmente permitirá a alguém
viver bem: 560 euros na Finlândia possuem um poder de compra menor que 400
euros na Espanha.
Em segundo lugar, de início, o benefício será
concedido exclusivamente a desempregados e por tempo limitado (dois anos): é um
tanto duvidoso que várias pessoas irão pedir demissão de seus empregos em troca
de receber, durante dois anos, um total de 13.500 euros, ainda mais quando se
considera que o salário médio pago pelo setor privado finlandês é de 3,5 mil
euros mensais.
Em terceiro lugar, a implantação da renda básica em
larga escala levaria, obrigatoriamente, a um aumento dos impostos sobre a
classe média e sobre a classe média alta, o que também provocaria uma diminuição
de sua predisposição ao trabalho: este efeito empobrecedor — ainda mais
importante que o desincentivo para se procurar emprego entre os cidadãos de
menor renda — simplesmente não poderá ser medido por este restrito
experimento, pois o custo orçamentário do atual programa ainda é muito baixo.
Evidentemente, quanto maior for o valor mensal da
renda básica ou quanto maior o número de pessoas aptas a recebê-la, maiores serão
os impostos necessários para financiá-la e, consequentemente, maior será a distorção
econômica tanto sobre os recebedores quanto sobre os pagadores. Quanto maior o
soldo mensal que o estado repassa às pessoas, menores serão os incentivos para
que elas trabalhem com o intuito de complementar a renda. Quanto mais altos
forem os impostos para financiar o programa, menores serão os incentivos para que
as pessoas trabalhem para gerar uma riqueza que logo será espoliada pelo
governo.
A renda básica distorce todo o processo de coordenação
econômica e social, pois a sua natureza inevitavelmente produz a mais profunda contração
econômica possível: ela desvincula completamente a produção do consumo.
Para
consumir, alguém tem de produzir
O problema econômico mais óbvio com a ideia de uma
renda universal garantida — e aqui não estamos nos referindo especificamente
ao programa finlandês, mas sim à ideia geral — é que tal ideia ignora
completamente o problema da produção.
No mundo real, para uma pessoa consumir algo, ela
tem antes de ter trabalhado e produzido algo em troca. Tendo produzido algo,
ela ganha um salário, o qual então é utilizado para comprar bens e serviços. Nesse
arranjo, a quantidade total de bens e serviços produzidos está constantemente
aumentando.
Com a renda universal garantida, esse elo entre produção
e consumo é rompido. Agora, se eu quero consumir, eu não mais tenho de produzir
nada, pois o estado irá me garantir renda sob qualquer situação. Em termos
universais, isso é uma impossibilidade absoluta, pois não é possível consumir
aquilo que não foi produzido anteriormente.
Logo, o problema mais óbvio com a uma renda
garantida é que não há mais a necessidade da produção. Como a palavra "garantida"
deixa claro, a renda será algo certo, não importa se você trabalha doze horas
por dia ou se você dorme o dia todo. Subsidiar a indolência — ou, falando mais
claramente, pagar as pessoas para que elas não façam nada — não é exatamente algo
que irá gerar mais produção. E sem produção (crescimento econômico) não há como
o governo coletar impostos para manter o programa de renda universal garantida.
No entanto, os defensores do programa têm uma resposta
pronta para essa objeção: segundo eles, uma renda garantida irá gerar um grande
dinamismo econômico, pois irá estimular o consumo. Para eles, quanto maior o
consumismo, maior será a taxa de crescimento econômico.
Tal resposta, obviamente, apenas ignora o próprio problema
apresentado: quem irá trabalhar e produzir? Como já explicado em detalhes e
repetidamente por este Instituto (ver aqui e aqui), o que gera crescimento
econômico é a produção e não o consumo. Para que alguém possa consumir, outro alguém
tem antes de ter produzido. Por definição, a produção precede o consumo. Tem de
ter havido produção para que alguém possa consumir.
Quando essa realidade é levada em conta, o suposto
aumento do consumo gerado pela renda garantida só poderá se concretizar caso
aqueles que ainda continuarem trabalhando e produzindo reduzam seu consumo. Consequentemente, não haverá um aumento
líquido no consumo. Mas haverá, isso sim, uma redução na produção devido ao
fato de as pessoas agora estarem sendo pagas para não fazerem nada.
A menos que os defensores dessa ideia lúdica realmente
acreditem que uma renda garantida não irá estimular alguns ou vários
trabalhadores a se retirarem do mercado de trabalho, haverá um declínio na produção.
E, consequentemente, com menos bens produzidos, menos bens serão consumidos. Ou
seja, haverá uma redução no consumo. Por definição.
O
maior problema é de cunho moral
Porém, no fundo, o grande problema com a ideia de
uma renda garantida não é econômico, mas sim moral. Este programa estatal é
completamente injusto porque consiste em conceder a cada pessoa um direito
incondicional de viver à custa do resto da sociedade. O que significa uma
pessoa ter um direito incondicional a uma renda básica? Que outra pessoa tem a obrigação
incondicional de produzir e pagar essa renda.
E uma obrigação incondicional de gerar e repassar
rendas se chama escravidão.
O curioso é que, se toda a ideia da renda universal
garantida for levada à sua lógica extrema, então o roubo e os assaltos deveriam
ser legalizados. Com isso, os improdutivos terão sempre dinheiro para gastar e,
com isso, supostamente sairão de sua pobreza (como argumentam os defensores
dessa tese).
Obviamente, se seguirmos esse caminho da lógica, os
defensores dessa ideia teriam de admitir que o ato de tributar tem, no mínimo,
similaridades com o ato de roubar. Aparentemente, é digno tomar dos outros
desde que o governo seja a entidade que faça o assalto.
Em vez de inventar heterodoxias redistributivas que atentam
contra a lógica econômica e são imorais, muito mais sensato — para qualquer
país — seria implantar um ambiente de maior liberdade econômica e social. A liberdade
não é uma ameaça para as pessoas mais pobres da sociedade, mas sim uma forma de
multiplicar suas oportunidades: por isso, a liberdade não apenas é intrinsecamente
moral, como também é emocionantemente funcional.
__________________________________________
Para entender por que arranjos social-democratas só
podem funcionar em países ricos, leia este artigo:
A social-democracia no
Brasil entrou em colapso - abandonemos os delírios e sejamos mais realistas
_________________________________________
Juan
Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e
professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em
Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
John
Tamny é o editor do site Real Clear Markets e contribui
para a revista Forbes.