quinta-feira, 15 dez 2016
O francês Thomas Piketty, que se converteu na nova
referência da esquerda mundial, afirma em seu livro, O
Capital no Século XXI (um livro que é comprado mas raramente
é lido), que os proprietários do capital se apropriam de fatias cada vez
maiores da riqueza mundial. Sendo assim, a melhor 'solução' para este suposto
problema é a criação de um imposto, em nível global, sobre a riqueza e também
um aumento acentuado na tributação da renda.
Problemas teóricos e factuais abundam no livro de
Piketty. Eis um deles: Piketty é simplesmente incapaz de perceber que inovações
geradas pelo mercado, e a concorrência que elas geram, estão continuamente
criando novas formas de capital ao mesmo tempo em que estão reduzindo ou mesmo
destruindo o valor de formas antigas de capital.
Capital é tudo aquilo capaz de aumentar a riqueza
futura. Inovações no capital, geradas pela livre iniciativa, fazem com que
pessoas jovens entrem na lista dos grandes capitalistas ao mesmo tempo em que
expulsam dessa lista aquelas pessoas que não inovaram. (Doze anos atrás, Mark
Zuckerberg, filho de um dentista, não figurava na mente de ninguém como um
exemplo de capitalista. Hoje, ele vale aproximadamente US$ 40 bilhões.)
Entra em cena a Uber. O que faz esse aplicativo senão
permitir que pessoas comuns transformem seus bens de consumo (que não geram
renda) em bens de capital (que geram renda e aumentam a riqueza)?
A Uber faz com que aquele indivíduo que normalmente
utilizaria seu carro apenas para uso pessoal possa agora utilizá-lo de modo a
ganhar dinheiro: prestando serviços para consumidores. A Uber transforma um bem
de consumo básico (um carro) em um bem de capital (um instrumento que gera
renda e aumenta a riqueza).
Consequentemente, enquanto esses indivíduos estiverem
utilizando seus carros como carros da Uber (ou da Lyft), esses veículos passam
a integrar o estoque de capital produtivo de uma economia, ainda que as estatísticas
convencionais não registrem isso.
Uber e todas as outras inovações trazidas pelos
aplicativos digitais — como o Airbnb, que transforma residências em hotéis e
pousadas — criam mais capital produtivo e, acima de tudo, criam mais capitalistas.
Todas as investidas governamentais que visam a banir
a Uber, o Airbnb e vários outros aplicativos digitais nada mais são do que intervenções
governamentais com o intuito de proteger o valor daquele velho e decrépito capital
existente, blindando seus proprietários (taxistas e hotéis convencionais)
contra as forças da destruição criativa.
Tais agressões governamentais não apenas representam
um empecilho às forças de mercado que melhoram a vida de consumidores e
facilitam seu acesso a bens e serviços, como também representam um ataque às
forças de mercado que aumentam a quantidade de capital em posse de pessoas
comuns, permitindo que elas enriqueçam. Em suma, trata-se de uma medida que impede que pessoas comuns se tornem proprietárias
de bens de capital — ou seja, que se tornem capitalistas.
Os aplicativos digitais são uma criação de mercado
que, sem qualquer política coercitiva de transferência de renda, simplesmente
difundem a propriedade do capital, permitindo que qualquer pessoa se torne um
capitalista e, com isso, produza e ganha riqueza. Os aplicativos digitais
refutam o processo de concentração de capital que pessoas como Piketty dizem
estar acontecendo.
Por uma questão de lógica, a esquerda deveria ser
uma defensora fervorosa dos aplicativos digitais: eles geraram uma mudança nas relações
de produção, permitindo que cada vez mais indivíduos se tornassem proprietários
dos meios de produção em vez de ter de trabalhar para terceiros que detêm todo
o capital físico necessário para fazer seu trabalho.
Sim, a Uber ainda é a proprietária da plataforma do
software que torna possível a conexão entre vendedores (motoristas) e
compradores, mas ainda assim os motoristas da Uber detêm seu próprio capital,
como ocorria com os artesãos e agricultores da era pré-capitalista. Os motoristas
da Uber são livres para escolher os dias e as horas em que querem trabalhar. Eles
podem ir ao clube de manhã, ser um autônomo à tarde, dirigir para a Uber no horário
do rush, e se dedicarem a novas ideias empreendedoriais após o jantar.
A economia digital não fará com que todos nós
viremos Aristóteles ou Goethe. Ela não trará toda a utopia de Marx. Mas ela,
ironicamente, parece nos levar para mais perto de vários daqueles objetivos que
Marx e outros progressistas diziam e dizem defender. Quando indivíduos comuns
se tornam proprietários de seus próprios meios de produção, e com isso não precisam
se submeter à estrutura formada pelos atuais proprietários do capital, eles
ganham a flexibilidade de explorar várias maneiras de prosperaram de acordo com
seus próprios meios.
Esse não era exatamente um dos objetivos centrais do
socialismo de inspiração marxista?
É uma grande ironia que a esquerda defenda tributar
os proprietários de capital para ajudar aqueles que não possuem capital e, ao
mesmo tempo, não defenda ardorosamente aquelas invenções pacíficas e
voluntárias que permitem que pessoas comuns se tornem elas mesmas as proprietárias
desse capital.