segunda-feira, 7 nov 2016
Um dos mais discutidos tópicos da macroeconomia
moderna é o suposto trade-off entre
inflação de preços e desemprego: a ideia é que quando há mais inflação, há uma
queda no desemprego; e quando há uma redução na inflação, há um aumento no
desemprego.
A curva de Phillips se
tornou, de certa maneira, o esteio da política monetária moderna desde a década
de 1960, quando os ganhadores do Nobel Paul Samuelson e Robert Solow apresentaram
a curva como se ela fosse um "cardápio" de escolhas politicamente exploráveis:
ou você tem inflação de preços alta e baixo desemprego, ou você tem inflação de
preços baixa e alto desemprego, ou você fica com uma escolha do meio, entre
esses dois extremos.
Bem assim, à
la carte.
Os economistas Milton Friedman e Edmund Phelps contestaram
essa interpretação ingênua, de modo que, desde então, essa contestação adquiriu
tração e se estabeleceu firmemente no cenário do debate público. Friedman e Phelps explicaram que esse dilema
entre inflação e desemprego era apenas um fenômeno de curto prazo: quando
políticas monetárias expansionistas — juros artificialmente baixos e crédito
farto — geram uma inesperada inflação de preços, o emprego pode ser estimulado
apenas se os salários aumentarem mais
lentamente do que todos os outros preços da economia.
Nesse caso, os custos relativos da mão-de-obra diminuem — enquanto as receitas das
empresas ainda estão aumentando — e mais pessoas podem ser empregadas como
consequência.
No longo prazo, no entanto, à medida que as
expectativas quanto à inflação futura vão se ajustando — fazendo com que
trabalhadores e sindicatos exijam reajustes salariais de acordo com as taxas de
inflação —, o efeito positivo da inflação sobre o desemprego deixa de existir.
A verdade é que Friedman e Phelps, longe de terem
feito uma grande descoberta, simplesmente ressuscitaram uma visão que havia
predominado no debate econômico durante um longo período: a ideia de que o
desemprego é um fenômeno que, em última instância, depende de fatores
econômicos reais, como o ambiente político e institucional, especialmente em
relação ao mercado de trabalho. O próprio Ludwig von Mises também tinha essa
visão, sendo que ele apropriadamente rotulava um aumento prolongado no
desemprego de desemprego institucional.
Friedman e Phelps, no entanto, não negavam os
possíveis efeitos positivos de curto prazo da política monetária. Só que essa
concessão deles gerava um inevitável problema fundamental: se pensarmos que o
longo prazo é apenas uma sequência de consecutivos curtos prazos, e se
assumirmos que é possível haver consequências positivas no curto prazo, então
evidentemente temos de concluir que haverá melhorias também no longo prazo.
Mais ainda: dado que ambos diziam que políticas
monetárias expansionistas possuem um efeito neutro no longo prazo — e geram
efeitos positivos no curto prazo —, então, pela lógica, ambos deveriam
concluir que o efeito final de uma política monetária expansionista será
benéfico. Afinal, tem-se um efeito positivo no curto prazo e neutro no longo
prazo.
A questão, portanto, é: será que políticas
monetárias expansionistas realmente são neutras no longo prazo?
Há boas razões para se duvidar disso.
As
consequências da inflação sobre o desemprego no longo prazo
O interessante é que foi o próprio Friedman, em seu
discurso ao receber o Nobel de economia, quem demonstrou algum descontentamento
com suas obras anteriores sobre inflação de preços e desemprego. Ele disse que
as pesquisas sobre a validade da curva de Phillips teriam de entrar em uma
terceira fase, na qual um elo positivo entre inflação e desemprego teria de ser
explorado. Ele também enfatizou que o processo político também teria de ser
incorporado na análise.
Esse projeto de
pesquisa, no entanto, não foi levado adiante.
Mas os dados empíricos também fornecem motivos para
crer que há um elo positivo entre a inflação de preços e o desemprego de longo
prazo. A série temporal suavizada para Alemanha, França, Reino Unido e EUA,
durante a segunda metade do século XX (quando as políticas monetárias destes
países eram "normais", ao
contrário de hoje), mostram o mesmo padrão: primeiro a inflação de preços
aumenta; depois, com um atraso, a taxa de desemprego também sobe.

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Nota
do editor:
No Brasil, o mesmo fenômeno pode ser observado de
maneira ainda mais evidente.
Como os dados para o desemprego da PNAD contínua só
começaram a ser divulgados em janeiro de 2012, temos uma série temporal bem
menor. Mas o suficiente para notar algumas correlações:

IPCA
acumulado em 12 meses a partir de 2012

Evolução
da taxa de desemprego mensurada pela PNAD. (Os dados disponíveis começam apenas
em 2012)
A explicação de por que um aumento da inflação acaba
por levar a um aumento do desemprego é direta: quando um empreendedor faz um
investimento voltado para o longo prazo, o mínimo que ele tem de saber é como
será o poder de compra da moeda no futuro. Sem isso, se ele não tem ideia de
quanto valerá a moeda lá no futuro, ele não consegue estimar quais serão são
custos e suas receitas. Consequentemente, não conseguirá nem sequer
estimar se terá lucro ou prejuízo.
Planejar para o longo prazo tendo em mente uma
inflação futura de 3% ao ano é totalmente diferente de planejar tendo em mente
uma inflação futura de 10% ao ano. Os tipos de investimentos que são
lucrativos em cada um desses cenários são totalmente distintos.
Se você prevê uma inflação continuamente alta no
futuro, então você irá se concentrar em projetos de curto prazo; projetos que
visam ao futuro mais imediato. Você não irá fabricar máquinas e
equipamentos; não irá ampliar suas instalações industriais. Você irá se
dedicar a fabricar pirulitos e chicletes, que dão retorno mais imediato.
Com inflação em alta, fazer investimento de longo prazo torna-se extremamente
arriscado.
No mais, nesse cenário, a maior preocupação de
investidores e empreendedores passa a ser a de se proteger da perda do poder de
compra da moeda. Torna-se mais sensato dedicar mais tempo especulando no
mercado financeiro e comprando títulos do governo indexados pela
inflação. Consequentemente, os investimentos caem; e com investimentos em
queda, o desemprego sobe.
Inflação de preços em alta, portanto, inibe
investimentos produtivos e, com isso, afeta o crescimento econômico e,
consequentemente, o emprego.

Evolução
da formação bruta de capital fixo no Brasil. Os investimentos estão em
contração desde o segundo trimestre de 2013
Acreditar que inflação estimula o emprego é o
equivalente a dizer: "Puxa, ano que vem meu custo de vida estará 10%
maior. Exatamente por isso vou contratar uma faxineira, uma cozinheira,
um motorista e um professor particular para meus filhos".
Tem lógica?
Toda a relação entre expansão do crédito, atividade
econômica e desemprego para o Brasil foi explicitada em detalhes neste artigo.
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As
instituições políticas mudam em decorrência da inflação
No entanto, mesmo que uma alta inflação gerada por
uma política monetária expansionista culmine em um alto desemprego, ainda assim
não é possível deduzir que haja uma conexão inevitável entre inflação alta hoje e um alto desemprego permanente.
Mesmo uma profunda crise econômica irá acabar em um
determinado momento, de modo que o desemprego, em tese, teria de voltar ao
nível anterior. Sendo assim, a pura teoria econômica, embora seja capaz de
explicar a relação entre inflação e desemprego para um determinado período de
tempo, não basta para explicar a permanência de um desemprego alto por um longo período de tempo.
Para isso, é necessário recorrermos a uma teoria
política. Mais especificamente, a uma teoria sobre como as instituições
políticas reagem a um aumento do desemprego.
Quando uma política econômica culmina em um aumento
do desemprego — aumentando, por conseguinte, a disparidade de renda e a
divisão social entre pobres e ricos —, políticos se vêem compelidos a remediar
esse estrago. Logo, as consequências não-previstas de uma expansão monetária
inflacionista — ou seja, o desemprego e a disparidade de renda — criam
incentivos para novas intervenções políticas na economia.
Especificamente, para tentar remediar o problema do
desemprego e as disparidades sociais criadas por ele, políticos intensificam
programas sociais, como seguro-desemprego e abono salarial, e também aumentam
impostos (majoritariamente para financiar os maiores gastos sociais do
governo).
Adicionalmente, novas e mais intrusivas
regulamentações no mercado de trabalho — visando a proteger os empregos
remanescentes — são implantadas. Aumento
do salário mínimo e programas
de proteção ao emprego são os exemplos mais comuns.
Essas medidas bem-intencionadas geram, obviamente,
múltiplos efeitos. Porém, no que diz respeito ao nível geral do emprego, elas
são danosas. Aumentar os custos (aumento do salário mínimo), as
responsabilidades e as obrigações dos empregadores em relação aos seus
empregados diminui os incentivos para se contratar mais pessoas. Isso é uma
relação óbvia: se algo ficou mais caro (contratar pessoas), então uma menor
quantidade desse algo será demandada.
É impossível criar mais emprego quando se adotam
políticas que visam exatamente a onerar o empregador.
Adicionalmente, mais gastos sociais, especialmente com
seguro-desemprego, podem desestimular pessoas a ativamente procurarem algum
emprego.
Todas essas medidas, em conjunto, acabam por aumentar
a desocupação.
Assim, acrescentando uma análise política à análise
econômica, e seguindo-se a tese de Ludwig von Mises sobre a espiral
intervencionista — o governo recorre a novas intervenções para tentar remediar
os efeitos negativos das intervenções anteriores — , torna-se possível
explicar o elo entre inflação de preços e desemprego de longo prazo.
Conclusão
A expansão monetária e do crédito, estimulada pelo
governo com o intuito de aumentar a atividade econômica, gera inflação de
preços. Inflação de preços causa desarranjos na economia, como redução da
previsibilidade e aumento da desconfiança dos investidores. Tudo isso gera
redução nos investimentos. Redução nos investimentos gera aumento do
desemprego. E aumento do desemprego gera aumentos dos gastos sociais do
governo, bem como novas intervenções no mercado de trabalho, as quais encarecem
artificialmente a mão-de-obra.
Foi a intervenção inicial do governo — redução artificial
dos juros para estimular a expansão do crédito — o que causou a inflação de
preços. E foram as novas intervenções do governo para remediar as consequências
não-previstas da expansão do crédito — o desemprego — o que tornou o mercado
de trabalho menos flexível, levando ao desemprego institucional.
No entanto, a relação entre as duas variáveis —
inflação de preços e aumento do desemprego no longo prazo — não é nem direta e
nem necessária, mas sim historicamente casual. Não se trata de um postulado a
priori da teoria econômica.
Como corretamente sugeriu Milton Friedman, a relação
é dependente das decisões políticas. E cabe à política aboli-la.