segunda-feira, 10 out 2016
Atualmente, o governo só consegue se manter operante
porque há gente — bancos, fundos de investimento, investidores e empresas —
disposta a emprestar dinheiro para ele.
Burocratas, políticos, professores de universidades públicas,
médicos que atendem pelo SUS, policiais federais, aposentados, pensionistas,
beneficiários do Bolsa-Família, do ProUni, do FIES e do Pronatec, integrantes
do judiciário, do Ministério Público, da Receita Federal, das forças armadas
etc.: todos só recebem salários porque há pessoas e instituições dispostas a
emprestar dinheiro para o governo federal.
Caso tais pessoas e instituições não mais
emprestassem dinheiro para o governo federal, este não mais conseguiria honrar
sua folha de pagamento. Consequentemente,
o governo federal tornar-se-ia igual
a vários estados brasileiros: teria ou de parcelar
suas despesas ou de simplesmente parar de pagar vários de seus empregados.
E quanto essas pessoas e instituições estão
emprestando ao governo? Apenas nos
últimos 12 meses, a cifra chega a espantosos R$ 587 bilhões.
Vale repetir: nos últimos 12 meses, a
quantidade de dinheiro que o governo tomou emprestado de bancos, fundos de
investimento, pessoas físicas e empresas foi de módicos R$ 587 bilhões.
Esse foi o déficit nominal do setor público. O
governo aumentou sua dívida em R$ 587 bilhões nos últimos 12 meses (o
equivalente a 10% do PIB) para poder executar todas as suas despesas, desde o
custeio da máquina aos juros da dívida.
Calote?
Antes de prosseguirmos, uma rápida consideração
sobre "as chances de calote".
Quando você entende que o governo precisa de
dinheiro emprestado apenas para continuar existindo, torna-se claro por que ele
jamais dará o calote em seus credores, como recorrentemente gostam de alertar
alguns catastrofistas.
Isso seria de uma burrice inominável.
Apenas pense: hoje, o governo só consegue se manter
porque pega dinheiro emprestado. Tendo um
déficit primário — isto é,
desconsiderando toda a despesa com juros — de 3% do PIB,
o governo não paga nem o funcionalismo público e nem o salário de seus
políticos se não tomar dinheiro emprestado.
Sendo assim, ele precisa se endividar simplesmente
para continuar funcionando.
Ao dar um calote, o governo estaria fechando exatamente
aquela fonte de financiamento que sempre lhe esteve aberta e disponível. Mais ainda: estaria acabando exatamente com aquilo que o
mantém vivo.
Ora, você não mata quem sempre lhe empresta dinheiro
e que faz com que seja possível você fechar suas contas.
Adicionalmente, vale ressaltar que nem a Venezuela
de Chávez e nem a Argentina dos Kirchner fizeram isso. A Argentina deu o beiço nos credores
estrangeiros, mas não nos nacionais.
Sim, haverá calote no Brasil, mas este não ocorrerá com os títulos públicos em
mãos de bancos, fundos de investimento, cidadãos e empresas nacionais. O calote ocorrerá sobre aqueles grupos que
têm menos poder político: aposentados, pensionistas, dependentes de
assistencialismo etc. Chegará um momento
em que estes não mais receberão nada.
Mas, antes disso, ainda haverá cortes na saúde, na educação e na cultura. Terá de haver. Assim como também terá de haver vendas de
ativos. Haverá privatizações, mesmo que a contragosto. Em última instância, o
governo preferirá vender todas as suas estatais a calotear a dívida pública (e
há muitas estatais a serem vendidas).
Dito isso, prossigamos.
Juros
Com o governo tendo de pegar emprestado nada menos
que R$ 587 bilhões em 12 meses — o equivalente a 10% do PIB —, é claro que os
credores cobrarão caro por isso.
Para se ter uma ideia do que é um déficit de 10% do
PIB, vale dizer que nem mesmo países ricos são tão permissivos assim. Por exemplo, o déficit orçamentário do
"pródigo" governo Obama não passa de
2,5% do PIB. Na zona do euro é de 2,1%
do PIB. Já o do
governo do Reino Unido é de "apenas" 4,4%
do PIB. Até mesmo os "devassos" japoneses
se contentam com menos: 6%
do PIB.
E com um detalhe: todo o resto do mundo está disposto a financiar estes países fartamente. Já nós não temos essa moleza. Apenas
16,23% dos títulos do Tesouro Nacional estão em posse de
estrangeiros (não-residentes). No caso
dos EUA, por exemplo, esse número chega
a 32,5%.
Portanto, se o governo de um país como o Brasil, que
ainda está em desenvolvimento e possui um longo histórico
de inflação alta, tem de pedir mais dinheiro emprestado
do que os países ricos, e há menos estrangeiros dispostos a financiá-lo, é
claro que os juros que seu governo terá de pagar serão estratosféricos.
E as consequências disso sobre a geração futura de
riqueza serão trágicas. Vale a pena
repetir o que foi dito neste artigo:
Quando
o governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto
ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará
menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.
E
isso é fatal para as micro, pequenas e médias empresas.
Imagine
que você seja uma empresa à procura de crédito. Você consegue pagar juros
de até, digamos, 12% ao ano. Mas aí vem o governo federal, com déficits
enormes, e oferta uma enxurrada de títulos pagando 14,25% ao ano.
Como
você vai concorrer com ele? Se o banco pode emprestar a 14,25% para o
governo, sem risco nenhum, por que ele emprestaria a 12% para você, e ainda
correndo muito risco de calote?
Com
o governo em cena competindo pelo crédito e se oferecendo para pagar 14,25% ao
ano, a única forma de você conseguir algum crédito é se dispondo a pagar juros
de, suponhamos, 20% ao ano. Por menos que isso o banco não vai lhe
emprestar. É muito arriscado. Ainda mais em uma economia já
recessiva.
E
20% ao ano, em uma economia recessiva, você dificilmente terá condições de
pagar. Logo, ficará sem nada. Você não conseguirá financiamento,
não empreenderá e, consequentemente, não criará riqueza.
E
o efeito ocorre em cascata. Se as pessoas físicas podem emprestar para o
governo — via Tesouro Direto — por 14,25% ao ano, então os bancos pequenos e as financeiras terão de ofertar CDBs, LCs,
LCIs e LCAs a taxas muito mais altas para conseguir concorrer com o governo por
essa captação.
Tendo
de pagar mais pela captação, os bancos pequenos e as financeiras terão de cobrar
juros mais altos de pequenos empreendedores como você, que recorrem a
eles.
No
final, o crédito para investimentos produtivos se torna proibitivamente caro —
por causa dos déficits do governo, gerados por seus altos gastos.
Se
não fosse o governo, os bancos e as financeiras provavelmente teriam emprestado
para você. Mas com o governo em cena, suas chances se tornam praticamente
nulas.
O
que foi perdido
Portanto, dinheiro que poderia estar sendo
emprestado para empresas investirem foi direcionado para financiar os déficits
do governo, fazendo com que vários investimentos não fossem concretizados por
não serem financeiramente viáveis em decorrência dos juros maiores causados
pelo déficit do governo.
Qual foi o custo de todas essas oportunidades
perdidas? O gráfico a seguir mostra a
evolução da dívida bruta do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um acumulado de
déficits. Portanto, o gráfico abaixo
mostra o tanto de dinheiro que foi absorvido pelo governo federal para
financiar seus déficits — dinheiro este que, caso não houvesse déficits,
poderia ter sido direcionado para o financiamento de investimentos produtivos:

Evolução
da dívida bruta do governo federal
O gráfico acima mostra que nada menos que R$ 4,15 trilhões já foram absorvidos pelo
governo federal para sustentar sua máquina e sua burocracia. São R$
4,15 trilhões que deixaram de financiar empreendimentos produtivos.
Impossível mensurar os custos econômicos das
empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos que deixaram de ser gerados
e das tecnologias que deixaram de ser criadas simplesmente porque os
investimentos não foram possíveis por causa da absorção de recursos pelo
governo federal.
Mais ainda: impossível mensurar todo o custo com os
juros altos que as pessoas e empresas tiveram de suportar por causa do
gigantismo do governo federal.
O que nos leva ao principal ponto: a
social-democracia é um sonho impossível em um país ainda pobre.
A
social-democracia em um país ainda pobre cobra um preço caro
Sejamos claros: o governo federal brasileiro gasta
muito porque seus eleitores assim desejaram.
Foi o povo, por meio do seu voto, quem pediu um
estado cuidando de escolas, universidades, saúde, esportes, cultura, filmes nacionais, petróleo,
estradas, portos, aeroportos, Correios, eletricidade, aposentadorias, pensões, e
subsídios para pequenos agricultores e para megaempresários.
Acima de tudo, foi o povo quem pediu um estado
ofertando amplos programas assistencialistas e uma crescente oferta
de empregos públicos pagando altos salários.
Tal arranjo demandado pelo povo nada mais é do que a
social-democracia em sua essência: um estado de
bem-estar social no qual o governo provê a todos por meio de altos gastos
sociais e ainda fornece vários serviços "gratuitos".
Mas há um problema de ordem econômica: a social-democracia
é um arranjo que só consegue ter longa
duração em países ricos, cuja população é extremamente produtiva e possui
alta renda per capita, de modo que ela consegue suportar a alta carga
tributária necessária para bancar o estado de bem-estar social.
Em países pobres, de população pouco produtiva e de
baixa renda per capita, tal arranjo se torna inexequível. Motivo: para gastar muito, o governo
inicialmente terá de tributar. Mas como
a população é pouco produtiva e de baixa renda per capita, o tamanho desta
tributação terá um limite natural. Sendo
a tributação insuficiente, o governo terá de se endividar, pegando emprestados
centenas de bilhões para poder efetuar todos esses gastos. E ele só conseguirá pegar emprestados todos
esses bilhões se pagar caro por isso.
E as consequências econômicas serão as acima
descritas.
Portanto, se um país ainda pobre quiser viver como
uma social-democracia escandinava (e todos querem ser
como os escandinavos), o preço será alto.
Com o tempo, a conta tornar-se-á insuportável.
Vejamos a nossa realidade.
A renda per capita do Brasil foi de US$
8.670 em 2015, segundo o FMI. Estamos na 70ª posição mundial, imediatamente
atrás de países como Rússia, México e Romênia, e imediatamente à frente de
China, Venezuela e Gabão (sim, Gabão).
Ou seja, a população brasileira tem a renda média de
alguém da classe C.
Ao mesmo tempo, os gastos totais do governo federal
— atenção: apenas do governo federal e excluindo todos os encargos da dívida — em relação ao PIB
foram de 20,2%. Nenhum país da América Latina gasta mais. O mais próximo é a Argentina, que gasta 18,3%
do PIB. Depois vem a Colômbia, com 18,2%.
O Uruguai gasta apenas 13,9% do PIB.
O Chile se contenta com 13,4%. Já
o México gasta apenas 12,3% do PIB.
E agora vem o mais estupefaciente: nosso gasto de
20,2% do PIB é maior que o de países
como Áustria (20,1%), Reino Unido e Alemanha (ambos com 19,4%), Itália (19%),
Portugal (18,1%), Austrália (18%), e Suíça (11,3%).
Por outro lado, ainda gastamos menos que Japão
(20,4%), Canadá (21,2%), Noruega (23,2%), França (23,9%), Holanda (25,3%),
Suécia (26,1%) e Dinamarca (26,2%).
Todos os dados são do Banco Mundial e podem ser
conferidos aqui.
Ou seja: ao mesmo tempo em que temos uma renda per
capita de classe C, temos gastos de classe A. Temos o salário de um romeno, mas queremos viver com a qualidade de vida
de um austríaco.
É claro que a conta não fecha.
Se uma população que ainda é pobre e pouco
produtiva quer ter um governo federal que cuide de
absolutamente tudo — de universidades a filmes nacionais, de saúde a cultura,
de educação a petróleo, de estradas, portos e aeroportos a Correios, de
eletricidade a aposentadorias e pensões, de subsídios para pequenos
agricultores a megaempresários — e que ainda forneça concursos públicos a rodo
para cargos que pagam salários nababescos na burocracia estatal, então os
gastos deste governo serão altos e não poderão ser integralmente cobertos por
impostos.
Consequentemente, terá de haver um endividamento
maciço e contínuo do governo. E, para
conseguir pegar emprestado todo esse dinheiro e para conseguir rolar sua
dívida, ele terá de oferecer juros altos e atraentes. Esses juros altos — necessários para bancar
os gastos de uma social-democracia em um país pobre — afetarão todo o
crescimento econômico.
Vale repetir: nenhum país da América Latina — mesmo
aqueles que são mais ricos em termos per capita, como Chile e Uruguai — possui
um estado tão abrangente e onipresente quanto o brasileiro. Aqui, queremos que o estado faça e proveja
de tudo. E, ainda assim, nos assustamos
com o preço desse nosso desejo.
Prolongar este arranjo seria uma escolha ignara.
Ciclo
vicioso
Portanto, ficamos assim:
1) O povo brasileiro quer o governo cuidado de tudo
e provendo de tudo — principalmente empregos com altos salários na burocracia
estatal —, o que eleva os gastos públicos a níveis europeus;
2) no entanto, o povo brasileiro possui uma renda
per capita baixa e é
pouco produtivo; ele tem um salário de um romeno, mas
quer viver com um padrão de vida de um austríaco. Logo, só com os seus já altos
impostos é impossível o governo fornecer tudo que o povo quer;
3) ato contínuo, para saciar esse desejo do povo, o
governo federal tem de se endividar continuamente, pois apenas os já elevados
impostos não bastam. (Não dá para tributar um romeno e devolver a ele um
serviço de qualidade austríaca);
4) só que quanto mais o governo se endivida para
saciar os desejos da população, mais juros tem de pagar, o que afeta todo o
crescimento da economia;
5) com a economia crescendo menos, a arrecadação
tributária cai. Ao mesmo tempo, a
pressão por mais gastos sociais aumenta.
Solução? Mais endividamento do
governo, o que agrava ainda mais a situação, perpetuando o ciclo vicioso.
Sem um profundo corte de gastos e sem uma sensível
alteração na mentalidade da população a respeito do que é o governo e de como
este funciona e se financia, não há solução.
Enquanto o lema de Bastiat
— "o governo é a grande ficção por
meio da qual todos querem viver à custa de todo o resto" — continuar
arraigado na mente da população, não haverá futuro.
Conclusão
Acordemos do delírio. O modelo social-democrata aplicado no Brasil
já chegou ao limite. A ilusão perdurou enquanto o
cenário externo foi favorável. Tão logo o cenário externo se alterou, a dura
realidade se impôs.
Sim, a opção pela social-democracia foi uma clara
preferência demonstrada por uma grande fatia do eleitorado nas urnas. Mas o sonho acabou. Já passou da hora de essa parte do eleitorado
entender que a conta do banquete chegou e não pode mais ser adiada.
Se a população quer um estado social-democrata que
seja provedor, ela tem de já ser rica e produtiva. Caso contrário, o arranjo é insolvente. Impossível um classe C viver como classe A
por muito tempo. A fatura sempre
chega. E quando chega, assusta.
Esse, aliás, é o paradoxo da social-democracia:
apenas populações ricas e produtivas — que em tese não necessitam dela —
podem se dar ao luxo de ter uma.
Social-democracia é luxo de país com população
rica. E nenhum país enriqueceu aplicando
a social-democracia. A história mostra
que, primeiro
os países enriqueceram por meio do livre mercado,
depois, só
depois, implantaram a social-democracia, a qual se consolidou apenas na década de 1970.
População ainda pobre não tem como aplicar
social-democracia. Se o fizer, os custos
serão inviáveis no longo prazo. Para o
Brasil, o longo prazo já chegou.