O
economista Robert
Shiller prevê, em um recente
artigo para o The New York Times,
que a desigualdade econômica "pode se tornar um pesadelo nas próximas décadas".
Mais:
ele acredita que aquela mesma evolução econômica que gera um padrão de vida
continuamente mais alto para todos "poderá nos levar a um mundo em que ter um
emprego básico com um salário decente será impossível de encontrar". Shiller cita a proliferação da automação e
dos robôs para sustentar esse seu argumento.
Ambas
as projeções de Shiller servem como um lembrete de por que devemos encarar as reflexões
de economistas da mesma maneira como encaramos as projeções de cartomantes.
Empiricamente, menor desigualdade
está relacionada com maior pobreza
Para
entender por que Shiller está promovendo apenas desinformação e alarmismo em
detrimento da razão e da lógica, apenas pense em Henry Ford, no falecido Steve
Jobs e no empreendedor da informática Michael Dell. Cada um destes se tornou extraordinariamente
rico não por prejudicar os pobres e a classe média, mas sim por saber
transformar luxos que até então eram usufruídos apenas pelos ricos (o automóvel,
um smartphone — que, na prática, é um supercomputador —, e o computador portátil)
em bens corriqueiros acessíveis a todos.
E,
graças à globalização, os inventos desses empreendedores não ficaram
restringidos às suas fronteiras, mas se espalharam por todo o mundo. Para o cidadão comum, pouco importa se o
empreendedor é americano, chinês, indiano ou alemão: no final, graças à globalização
e ao livre comércio, ele terá acesso a este invento. E não ficará mais pobre por causa disso. Ao contrário.
Ao
popularizarem seus inventos, esses três empreendedores se tornaram extremamente
ricos. Bem mais ricos que o resto de
nós, meros mortais. Houve um aumento da
desigualdade.
Logo,
a desigualdade não apenas não é uma
catástrofe, como, na verdade, seu aumento pode representar uma redução na diferença de estilo de vida
entre pobres e ricos. Quando a
desigualdade está aumentando, a diferença de padrão de vida entre ricos e
pobres está diminuindo. Por
definição.
E
é assim porque, como a história
sobre a riqueza no mundo deixa bastante claro, em uma economia de mercado, indivíduos
se tornam ricos majoritariamente à medida que suas inovações melhoram o padrão
de vida de todas as classes sociais.
Eles só podem enriquecer — aumentando a desigualdade de renda — se
conseguirem satisfazer as necessidades daquela maioria que não é rica.
Supondo
um mundo definido pela falta de um "salário decente", como teme Shiller, não haveria
nenhuma chance de empreendedores sequer enriquecerem, pois não haveria mais
consumidores com renda para adquirir suas inovações. Logo, e por definição, neste "pesadelo"
previsto por Shiller, de falta de emprego e de salário decente para as massas, a
desigualdade irá diminuir,
simplesmente porque não haverá nenhum mercado consumidor para adquirir as inovações
criadas por empreendedores.
Portanto,
qualquer pessoa que diga, ao mesmo tempo, que a desigualdade irá aumentar e que
a renda das pessoas irá cair, tem problemas de lógica. Por definição.
E
os dados empíricos comprovam isso: maior a igualdade de renda em uma economia não
tem nenhuma relação com mais riqueza. O indicador
de medição da desigualdade mais utilizado no mundo é o Coeficiente de Gini.
Quando mais próximo de 1, mais desigual é um país. Quanto mais próximo de zero,
mais justa e igualitária é uma sociedade. Segundo dados do Banco Mundial, pode-se
concluir que:
O
Afeganistão (27,8) é mais justo e igualitário que a Bulgária (28,2), Alemanha
(28,3) e a Áustria (29,2);
A
Etiópia (29,6) e o Paquistão (30) são mais justos e igualitários que a maioria
dos países desenvolvidos, como Austrália (35,2), Coréia do Sul (31,6) e
Luxemburgo (30,8) e Canadá (32,6);
Tadjiquistão
(30,8), Iraque (30,9), Timor Leste (31,9), Bangladesh (32,1) e Nepal (32,8) são
mais igualitários que Bélgica (33), Suíça (33,7), Polônia (34), França (35,2),
Reino Unido (36) e Portugal (38,5);
Burundi
(33,3), Indonésia (34), Togo (34,4), Níger (34,6), Índia (33,4) são mais
igualitários que Irlanda (34,3) Espanha (34,7), Itália (36), Israel (39,2);
E
todos os citados anteriormente mais Quirguistão (36,2), Mongólia (36,5), Tanzânia
(37,6), Cambodja (37,9), Libéria (38,2), Senegal (39,2), Djibouti (40) são mais
justos e igualitários que Estados Unidos (40,8), Cingapura (42,5) e Hong Kong
(43,4).
Para simplificar, podemos dizer que os EUA são mais
desiguais que o Senegal; o Canadá é mais desigual que Bangladesh; a Nova
Zelândia é mais desigual que o Timor Leste; a Austrália é mais desigual que o
Cazaquistão; o Japão é mais desigual que o Nepal e a Etiópia. Já o Afeganistão é uma das nações mais
igualitárias do mundo.
Como era de se esperar, há uma completa falta de
relação entre desenvolvimento e igualdade de renda. Mais: desigualdade e pobreza não são
sinônimos.
Diferenças na propriedade de ativos não significam igual
diferença no padrão de vida. Como dito neste artigo, a riqueza
de Bill Gates deve ser 100.000 vezes maior do que a minha. Mas será que
ele ingere 100.000 vezes mais calorias, proteínas, carboidratos e gordura
saturada do que eu? Será que as refeições dele são 100.000 vezes mais
saborosas que as minhas? Será que seus filhos são 100.000 vezes mais cultos
que os meus? Será que ele pode viajar para a Europa ou para a Ásia
100.000 vezes mais rápido ou mais seguro? Será que ele pode viver 100.000
vezes mais do que eu?
A preocupação não tem de ser com a pobreza relativa, mas sim com a pobreza absoluta. E esta está sendo devidamente aniquilada pelo capitalismo.
Automação
e robótica
O que nos leva à questão da automação e dos
robôs. Ao contrário do que prevê Shiller,
a intensificação do uso de robôs e da automação não significa uma vida de
desemprego e baixos salários. Muito pelo
contrário.
Houve uma época em que praticamente todos os seres
humanos tinham de trabalhar no campo — querendo ou não — apenas para
sobreviver. A tecnologia acabou com a necessidade de utilizar seres
humanos para fazer trabalhos agrícolas pesados, e os liberou para ir buscar
outras vocações fora do campo. Foi assim que começou nosso processo de
enriquecimento e de melhora no padrão de vida.
O automóvel, o computador, a luz elétrica, a
internet e a mecanização da agricultura tornaram várias formas de emprego
totalmente obsoletas. Não obstante, isso não apenas não empurrou a
humanidade para a pobreza endêmica e para a "fila do pão", como ainda
gerou a criação de maneiras totalmente novas de se ganhar a vida. A
robotização promete uma multiplicação de tudo isso.
Os temores de economistas, políticos e trabalhadores
de que os robôs e a automação irão destruir os empregos não apenas são
exagerados, como ainda revelam um desconhecimento da história. A
crescente automatização é propícia à criação de novos
empregos. Uma abundante criação de empregos sempre foi, em todo lugar e
em qualquer período da história, o resultado de avanços tecnológicos que
tautologicamente levaram à destruição de trabalhos obsoletos.
Uma automação agressiva liberta o ser humano do
fardo de ter de fazer trabalhos pesados — até então essenciais — e o libera
para se aventurar em novos empreendimentos. Isso é propício à criação de
novos empregos.
Sempre tenha isso em mente: tudo o que é poupado no
processo de produção se transforma em mais capital disponível para novas
ideias. Se passamos a utilizar menos mão-de-obra e menos recursos em um
determinado processo produtivo, essa mão-de-obra liberada e esses recursos
poupados estarão livres para ser utilizados em outros processos de produção, em
novas ideias e em novos empreendimentos.
Quais as consequências disso? É simples: para
que empreendedores possam fazer grandes tentativas empreendedoriais, eles têm
antes de ter capital e mão-de-obra disponível para fazê-lo. A robótica
gera eficiências que aumentam os lucros, e isso permitirá um enorme surto de
investimentos, os quais nos brindarão com todos os tipos de novas empresas e de
avanços tecnológicos que criarão novos tipos de empregos hoje inimagináveis. E maiores salários.
Por isso, robôs, automação e outros inventos que
poupam mão-de-obra sinalizam para um futuro com uma força de trabalho mais bem
empregada, mais voltada para aquilo que gosta, e mais bem paga, sendo capaz de
adquirir um volume crescente de bens e serviços a preços menores.
A massificação da automação permitirá que
descubramos novas aptidões e novos trabalhos, os quais, no futuro, nos deixarão
atônitos ao percebermos o tanto de energia que gastamos com trabalhos monótonos
e repetitivos no passado. Os "destruidores de emprego" do passado — como
o automóvel (que destruiu empregos no setor de carroças), o computador (que
destruiu empregos no setor de máquinas de escrever), a luz elétrica (que
destruiu empregos no setor de vela) — parecerão ínfimos em comparação.
A
desigualdade futura será maior? Ainda bem!
A desigualdade de renda futura, portanto, será muito
maior do que é hoje, e será o resultado de empreendedores satisfazendo as
necessidades e desejos dos indivíduos a preços espantosamente baixos. Quanto mais essa desigualdade aumentar no
futuro, mais garantidos serão os sinais de que as necessidades e desejos de
todos os trabalhadores serão satisfeitos.
Falando mais simplesmente, as pessoas de mais baixa
renda no futuro terão um padrão de vida e um acesso a todos os tipos de bens e serviços
que fará com que o padrão de vida do 1% mais rico atual pareça austero em comparação. Se você duvida, apenas compare o padrão de
vida do cidadão comum hoje com o padrão de vida dos reis e aristocratas do século
XIX.
Implícito em todo esse argumento anti-progresso está
a crença de que a natureza do trabalho é estática. Mas a realidade é que o tipo de trabalho que
fazemos hoje não prevê o tipo de trabalho que teremos no futuro, assim como o
tipo de trabalho de 150 anos atrás (quando mais da metade do mundo estava no
campo) não previu o tipo de trabalho que fazemos hoje. Nenhum economista pode prever os tipos de
empregos que os inovadores e empreendedores que operam com o sistema de lucros
e prejuízos irão criar nas décadas e séculos à frente.
Mas o que é realmente garantido é que, se
conseguirmos blindar a economia desse tipo de previsão artificial e falsa feita
por economistas como Shiller, a natureza dos empregos e do trabalho evoluirá
belamente graças à automação cada vez mais avançada, a qual nos libertará de
trabalhos maçantes e exaustivos, e nos permitirá concentrarmo-nos naquilo que
realmente gostamos de fazer, e que potencializará nossa produtividade de uma
maneira tal que fará com que nossos empregos de hoje pareçam prosaicos em comparação.
O curioso sobre esses ataques à desigualdade de
renda é que jamais foi explicado por que seria deletério para a economia indivíduos
buscarem carreiras que, caso bem-sucedidos, os tornarão muito mais desiguais em relação
a seus pares. Levando ao extremo, se um grupo
de cientistas descobrir a cura definitiva para o câncer, e enriquecer
enormemente por causa dessa descoberta, os críticos da desigualdade terão de
exigir que essa descoberta seja revogada, pois levou a um aumento da
desigualdade.
Nessa mesma linha, Henry Ford morreu muito rico,
Steve Jobs morreu valendo bilhões, e Michael Dell vale dezenas de bilhões. Como exatamente o fato de eles serem muito
ricos prejudicou você? Alguém realmente
diria que o mundo estaria melhor caso estes três fossem meros preguiçosos sem ambição? A desigualdade, sem dúvida, seria menor.
Conclusão
O fato é que todos nós, ainda que não tenhamos
coragem para falar isso abertamente, queremos viver em um mundo repleto de
empreendedores visionários e inovadores, que enriqueçam bastante em decorrências
de seus inventos que aumentam substantivamente nosso padrão de vida. Quanto mais eles enriquecerem e mais
financeiramente desiguais forem em relação a nós, maior será o nosso padrão de vida e menor será a diferença de estilo de vida entre eles e nós.
Caso contrário, sempre podemos nos mudar para o
Afeganistão, país com a menor desigualdade de renda do mundo.
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