Os Kirchner governaram a Argentina entre 2003 e
2015, período este que foi caracterizado pelos piores rasgos do peronismo:
populismo, clientelismo, inflacionismo, intervencionismo e parasitismo.
Um dos casos mais escandalosos de degeneração institucional
ocorreu no início de 2007, quando o governo utilizou as
forças policiais para tomar o controle do Instituto Nacional de Estadística y
Censos (INDEC) e trocou os encarregados de calcular a inflação. Como esta vinha se acelerando, atrapalhando
os planos eleitorais de Cristina Kirchner, o governo do seu então marido resolveu
demitir aquelas pessoas que a estavam divulgando de maneira correta, substituindo-as
por "pessoas de confiança" — isto é, por apaniguados que, a partir de então,
iriam divulgar índices maquiados de inflação.
A autonomia dessa instituição argentina frente o
dirigismo político foi totalmente dilacerada desde então, de modo que as estatísticas
oficiais perderam qualquer credibilidade.
As razões para esta violenta intervenção política não
são difíceis de compreender: pelos novos dados do INDEC governamental, os preços
se multiplicaram por cinco desde o fim de 2006 até o fim de 2015: uma média de
19% ao ano. Já
pelos cálculos do MIT, do final de 2007 até o final de 2015, os preços se
multiplicaram por seis: uma média de 25% ao ano.
Isso era exatamente o que o governo Kirchner queria
esconder.
A inflação é um roubo praticado pelo governo ao cidadão
inocente, pois lhe retira parte do poder aquisitivo de sua renda sem que tenha
sido aprovado qualquer aumento de impostos.
É lógico, portanto, que a cleptocracia kirchnerista tenha querido
ocultar estatisticamente o desastre inflacionista que estava perpetrando com o propósito
de multiplicar o tamanho do estado à custa de empobrecer os argentinos.
No entanto, a magnitude da mentira peronista não acaba
nesse mascaramento da inflação. Afinal, não
é possível manipular estatisticamente a evolução dos preços sem que isso, por
sua vez, afete as cifras do PIB. O PIB
nada mais é do que o valor de mercado dos bens e serviços produzidos em um ano
dentro do país, de modo que a escolha de uma cifra ou outra para a inflação possui
um papel essencial em sua determinação.
Por exemplo, se o valor de mercado dos bens e serviços
fabricados dentro de um país passa de 100 a 150, diz-se que o PIB nominal aumentou 50%. Mas se supusermos que a inflação de preços foi
de 10%, o crescimento do PIB real
terá sido de 36%. No entanto, se a inflação
de preços verdadeira tiver sido de 30%, então o crescimento real terá sido de apenas 15%. Exatamente a metade.
Pois bem. Na semana
passada, o
INDEC argentino publicou sua nova estimativa para o PIB desde 2004, e os
resultados são desoladores: hoje, a economia argentina está 24% mais pobre do
que se acreditava. A principal consequência
dessa correção é que o país cresceu 18 pontos percentuais a menos do que o
propagandeado pelos Kirchner ente 2004 e 2014.
Ou seja, a recuperação econômica após o colapso de 2001 foi
bem menos intensa do que aquela que foi estrepitosamente propagandeada durante
anos.
Especialmente significativa foi a enorme diferença entre
o crescimento real e o oficial durante o período 2011-2014, isto é, durante o
segundo e pavoroso mandato de Cristina Fernández de Kirchner: ao passo que o
INDEC politizado havia divulgado um crescimento débil, porém positivo, de 4,2%
durante todos estes anos, a realidade é que a economia encolheu 1,5%. Longe de ter se expandido, a Argentina de Kirchner e Kicillof
ficou estancada quatro anos na recessão.
Para completar, segundo um recente estudo feito conjuntamente pela Universidade de Buenos Aires com a Universidade de Harvard, nós argentinos estávamos mais pobres em 2014 do que éramos em 1998.
Em suma, a recuperação argentina foi muito mais débil
do que nos propagandeavam os entusiastas do intervencionismo, os quais diziam
que o país era um modelo de dirigismo estatal a ser imitado por toda a América
do Sul. O fato é que o populismo, mesmo
em sua vertente peronista, não oferece absolutamente nenhum
modelo econômico de desenvolvimento.
Ele não passa de um modelo político feito sob medida para espoliar a população
mediante a inflação, e então ludibriá-la com palavras e frases de efeito, de
cunho sentimental, para sistematicamente mantê-la cega perante esse esbulho.
Se
eu fosse kirchnerista estaria completamente indignado e envergonhado
E, no caso argentino, o esbulho praticado pelos
governantes foi ainda mais descarado.
Descobriu-se recentemente que Cristina Kirchner havia
dolarizado toda a sua poupança enquanto ainda estava no governo. Qual o problema? O problema é que seu próprio governo havia proibido
que os argentinos fizessem o mesmo.
Perante essa descoberta, Cristina Fernández de
Kirchner assim
se explicou:
Primeiro
veio o Plano Bonex e
depois veio o "corralito"
— durante governos de orientação similar ao atual —, o que nos fez sofrer
igual a todos os argentinos. A reiteração
de políticas econômicas similares, erráticas, quase que repetidas, não sabemos
aonde podem nos levar. Daí a minha decisão
de dolarizar nossas poupanças.
Se eu fosse kirchnerista, estaria completamente
indignado.
Em primeiro lugar, e como já dito, foi o governo
Kirchner que — quando os cidadãos argentinos também começaram a suspeitar das políticas
de seu governo e recorreram ao dólar como refúgio — decidiu impor o cepo cambiário,
tornando ilegal por decreto a compra e venda de moeda estrangeira.
Mas há outras perguntas a Cristina.
Não foram seus funcionários que fizeram os
argentinos crer que comprar dólares era, além de um crime lesa-pátria, uma
espécie de enfermidade nacional, uma cultura e mentalidade que tinha de mudar,
uma espécie de vício irracional?
Não foi a
presidente do seu Banco Central que disse que era necessário impedir a
compra de dólares, pois isso gerava fuga de capitais e deteriorava o
crescimento econômico?
Não foi a senhora mesma quem
disse que comprar dólares era uma prática típica de corporações anti-patrióticas
que atuavam "contra os interesses dos 40 milhões de argentinos"?
E também não foi a senhora mesma quem submeteu ao escárnio público
um idoso (chamando-o de "velhote pão-duro") que queria comprar dez dólares,
quando ela lhe negava o livre acesso à moeda da qual hoje ela desfruta?
Não foi aquele seu ministro da economia, seguidor declarado de Karl Marx
e que adorava os holofotes, que explicou aos argentinos que era necessário
impor prioridades à venda de dólares, e que, entre essas prioridades não estava a poupança, mas sim a defesa
da sagrada indústria nacional?
Não foi o seu governo que falava de "abutres
internos" quando se referia a aqueles que explicavam a subida do preço do dólar
como uma consequência da esbanjadora gestão das contas públicas pelo
kirchnerismo?
Realmente, seria uma piada se não fosse um escárnio.
É perfeitamente compreensível que, depois de seguidos
governos terem destruído cinco moedas, adotado um corralito,
estipulado controles de câmbio e incorrido em vários confiscos, um argentino
queira se refugiar em moedas estrangeiras.
E o melhor que pode acontecer é que o governo permita que isso ocorra,
de maneira a não gerar uma nova violação dos direitos das pessoas de decidirem
o que fazer com sua própria poupança.
Cristina negou tudo isso quando foi presidente, e
utilizou a força do estado para criminalizar aqueles que tentavam fazer
exatamente o que ela vinha fazendo.
Se eu fosse kirchnerista estaria indignado. Mas como cidadão argentino também estou. Sinto-me como se o governo estivesse zombando
da minha cara durante todo este tempo.
Creio que, a essa altura, o mínimo que se pode
esperar é uma carta pública de Cristina Fernández de Kirchner pedindo perdão por
haver imposto o cepo cambiário. Mas dificilmente isso ocorrerá. Afinal, como hoje já se sabe, a ex-presidente
e vários de seus funcionários vivem dentro de uma bolha: de 2003 a 2015, tudo
foi maravilhoso; já antes e depois, tudo era e será um inferno.
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Iván
Carrino é analista econômico da Fundación Libertad y Progreso na
Argentina e possui mestrado em Economia Austriaca pela Universidad Rey Juan
Carlos, de Madri.
Juan
Ramón Rallo é diretor do Instituto
Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na
Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.