quinta-feira, 30 jun 2016
Durante a segunda metade do período kirchnerista, as
contas do governo argentino ficaram no vermelho. O déficit orçamentário foi
crescendo
aceleradamente até chegar ao insustentável valor
de
7% do PIB em 2015.
Tendo decretado moratória no
início da década de 2000 (e reincidido em 2014), o
governo não conseguia se financiar facilmente via empréstimos no mercado
financeiro. Consequentemente, teve de
recorrer à inflação monetária — isto é, colocar o Banco Central para imprimir
dinheiro — para financiar seus déficits.
A criação de dinheiro — principalmente a partir de
2009 — ocorreu a uma velocidade espantosa.

Como consequência, os preços se descontrolaram, com
a carestia chegando a alcançar os níveis mais altos do ranking mundial. No entanto, dado que, em 2012, o governo decretou
que era crime divulgar as taxas reais de inflação, ninguém realmente sabia
qual era a verdadeira taxa de inflação de preços no país.
Para culminar, o governo Kirchner fechou
a economia ao comércio internacional e adotou um discurso mais alinhado ao
governo venezuelano do que ao dos países desenvolvidos.
Os resultados foram lamentáveis: 2,3 milhões pessoas
caíram na pobreza durante o último mandato de Cristina Fernández de Kirchner, com a pobreza geral alcançando quase
30% da população. Já segundo
a Unicef, havia quatro milhões de crianças na pobreza, sendo que 1,1 milhão
estava na pobreza extrema.
Segundo
um recente estudo feito conjuntamente pela Universidade de Buenos Aires com a
Universidade de Harvard, nós argentinos estávamos mais pobres em 2014 do
que éramos em 1998, graças à desvalorização do peso e a um crescimento econômico
muito inferior às estatísticas oficiais divulgadas pelo governo.
O
congelamento
Uma das grandes causas do desarranjo atual foi a política
de congelamento dos preços dos setores de energia, de transporte e de água —
que são popularmente chamadas de "tarifas de serviços públicos".
O sistema de tarifas congeladas predominou durante
os últimos 14 anos e, como não poderia deixar de ser, exigiu que o governo
transferisse uma enorme quantidade de recursos para as empresas produtoras para
cobrir a diferença entre receitas (congeladas) e custos (em acelerado
crescimento por causa da inflação monetária).
Em 2015, somente em subsídios com energia, foram
gastos 170,3 bilhões de pesos, um aumento de 4.123% em relação ao ano de
2006. Em termos do PIB, os subsídios à
energia, à água e ao transporte chegaram a 5% em 2014.

Isso gerou um ciclo vicioso. Quanto mais o governo imprimia dinheiro, mais
os custos operacionais das empresas aumentavam.
E como os preços estavam congelados, suas receitas não subiam. Consequentemente, mais subsídios o governo
tinha de dar às empresas. Só que os subsídios
aumentavam os déficits orçamentários do governo, os quais eram então financiados
com mais impressão de dinheiro.
Essa ciranda resultou em uma das maiores carestias
do planeta.
E, como sempre ocorre com os controles de preços, o
congelamento tarifário gerou um enorme incremento do consumo (aumentou a
demanda), o qual não foi acompanhado por um aumento da produção (pois as
receitas estavam congeladas). Como consequência,
a oferta desses serviços se deteriorou, não conseguindo suprir a demanda.
Em
um recente informe publicado pelo atual governo, foi relatado que, de 2003
a 2015, o consumo de gás natural aumentou 41%, o de energia elétrica, 58%, e o
de gasolina, 153%. No entanto, com preços
congelados, a oferta não acompanhou a demanda.
Consequentemente, perdeu-se um estoque de reservas equivalente a quase
dois anos de produção de petróleo e a mais de nove anos de produção de
gás.
Isso gerou uma deterioração dos serviços: os cortes
na oferta de gás para as indústrias, que apresentaram uma taxa de 3% em julho
de 2003, subiram para 17% em julho de 2015.
Na região metropolitana de Buenos Aires, as residências
ficaram, em média, 32,5 horas sem luz apenas em 2015. Em 2003, a média de horas de apagão era de
8,3. Ou seja, os blecautes
quadruplicaram em 12 anos.
Por fim, também segundo os dados oficiais, de 2001 a
2012, o congelamento das tarifas fez com que o gasto total com eletricidade caísse
80% em termos reais (quando se considera toda a inflação de preços). Ou seja, na prática, o kirchnerismo
praticamente obrigou as empresas a distribuir luz de brinde para os usuários.
O atual governo, acertadamente, decidiu abolir essa
política de controle de preços, a qual estava afetando severamente os
investimentos nesses setores. Além da abolição
do congelamento, foi anunciada também a intenção de se acabar com os subsídios.
Consequentemente, houve um reajuste tarifário que
doeu no bolso dos argentinos.
E aí os problemas se agravaram.
Temos
de mudar, mas ninguém quer
Era evidente que a economia argentina tinha de mudar
todo o seu modelo. Mais ainda: se não mudarmos,
corremos o risco de nos tornarmos um país inviável.
Só que parece que ninguém quer mudar. Vejamos.
Para começar, o próprio governo atual anunciou que,
para evitar custos sociais e políticos, as mudanças deveriam ocorrer de maneira
gradual. Por exemplo, para combater o déficit
orçamentário do governo, que é a causa principal da inflação, os gastos do governo
têm de ser reduzidos. Mas o atual
governo anunciou que pretende reduzir os gastos em apenas 2 pontos percentuais
em relação ao PIB. Mas isso não é nada,
uma vez que, durante o kirchnerismo, os gastos do governo cresceram nada menos
que 20 pontos percentuais em relação ao PIB.
Quanto mais gradual for essa mudança de postura em relação
aos gastos, mais tempo levará para se resolver os problemas.
Só que, para piorar, mesmo perante esse anúncio de
gradualismo, a reação contrária foi veemente.
Vejamos.
Perante o anúncio de que haveria uma gradual redução
dos subsídios energéticos, o que impactou as tarifas que se pagam pelos serviços
de luz e gás, o governo federal não apenas encontrou resistência dos
governadores das províncias, como também o judiciário mandou conter os ajustes.
Recentemente, os governadores das províncias se
reuniram com os ministros do Interior e da Energia e decidiram que os ajustes não
poderiam ultrapassar 400% para o consumo residencial e 500% para o consumo
comercial. Parece muito, mas isso nem
sequer repõe as perdas inflacionárias.
Como se não bastasse, vários dirigentes empresariais
vieram a público criticar a medida como sendo "brutal", sendo que, nos países
vizinhos, os empresários operam com normalidade pagando tarifas que chegam a
ser de 2,6 vezes mais onerosas, como é o caso do Chile. Na Espanha, o custo energético é 4,5 vezes maior
que na Argentina.
O que realmente chama a atenção é: onde estavam os
governadores das províncias e os membros do judiciário que não protestaram
quando o kirchnerismo levava adiante a política de destruição do poder de
compra da nossa moeda?
Esse realinhamento tarifário não é uma obra do
acaso; ele é consequência direta das políticas inflacionárias do governo
anterior e do congelamento de preços. Foi
a inflação — ou seja, o aumento de preços gerado pelo aumento excessivo da
oferta monetária, que triplicou
em pouco mais de 3 anos (aumento esse feito pelo governo Kirchner para cobrir
os déficits orçamentários do governo) — em conjunto com o congelamento de preços
o que desarranjou toda a economia, levando à necessidade de um realinhamento do
câmbio e das tarifas dos serviços públicos.
Onde estava o judiciário à época?
Outra reforma necessária é a redução da burocracia
estatal, começando pela demissão de 200.000 funcionários públicos indicados por
critérios políticos pelo governo anterior e que simplesmente
nem sequer aparecem para trabalhar.
(Há 4
milhões de funcionários públicos na Argentina).
Mas, mesmo perante o simples anúncio dessa intenção,
as manifestações contrárias foram estrondosas. Consequentemente, o ministro
da modernização avisou que o total de servidores fantasmas que serão demitidos
será de apenas 10.900. Ou seja, menos de
0,3% do total de funcionários públicos e apenas 5,5% dos funcionários
fantasmas.
Adicionalmente, o líder sindical Hugo Moyano [o principal sindicalista da
Argentina] ameaça fazer uma greve geral caso todos os trabalhadores, sem distinções, não recebam um aumento
salarial de 42%, e os empresários estão fazendo terrorismo, auxiliados por
alguns veículos da mídia, contra uma suposta onda de importações que poderia "invadir"
o país caso o governo avance em seus planos de uma maior abertura comercial.
Para completar, a Aerolíneas Argentinas, estatizada
pelos Kirchners, dá um prejuízo ao Tesouro de 2
milhões de dólares por dia. Os grupos de interesse e os sindicatos não querem
nem ouvir falar em privatização, o que significa que esse prejuízo é coberto
com emissão monetária.
O governo, aparentemente, já tomou nota dessas reclamações
e, para ficar politicamente de bem com todos, anunciou
aumentos para os aposentados, para os salários dos professores, e aceitou frear
o ajuste tanto das tarifas quanto da reforma do setor público.
Muito além da análise política de cada decisão, o inegável
é que todas essas políticas levarão a um maior déficit fiscal do governo, bem
acima do originalmente planejado. Sendo assim,
não há perspectivas de uma queda acentuada da carestia.
Ou seja, estamos reeditando os mesmos problemas que
nos trouxeram à nossa atual situação.
Nosso país já provou a receita fracassada do
intervencionismo populista. Nos últimos
14 anos, o déficit fiscal financiado com emissão de dinheiro e com
endividamento do governo em nada melhorou a qualidade de vida dos argentinos. Não obstante, sempre que se anuncia a intenção
de uma mudança de rumo, ainda que de maneira bem gradual e tênue, a resistência
se mostra feroz.
A continuar assim, a Argentina será, sem dúvida, um
país inviável.