André
Perfeito é o economista-chefe da
Gradual
Investimentos. Como ele constantemente está fornecendo
opiniões
a jornais e portais econômicos, ele é relativamente importante no meio
econômico.
Perfeito
é keynesiano. E desenvolvimentista. Dificilmente essa combinação gera idéias
positivas para a humanidade.
Perfeito
é do time que acredita que desvalorizar a moeda — o que significa, por
definição, destruir seu poder de compra — gera crescimento econômico do país.
Segundo
a
revista Carta Capital, ainda em agosto de 2015:
[André Perfeito] considera a
desvalorização da moeda brasileira positiva.
"Tem que ter o real
desvalorizado. Na verdade, esse é o passo de ajuste econômico em curso. Não
podemos abrir mão disso agora", defende Perfeito. "A boa notícia é
que justamente isso vai ajudar o nosso setor interno, porque
o Brasil basicamente puxou parte do mundo nos últimos anos fazendo com
que a nossa demanda vazasse para fora."
Desnecessário
dizer que essa teoria de que "desvalorizar a moeda gera crescimento econômico"
é completamente insensata. Como a empiria
comprovou (e a teoria já previa),
a desvalorização do real não apenas elevou a inflação de preços no país e
reduziu a renda real dos trabalhadores, como ainda destruiu o setor industrial,
sem trazer melhorias para as exportações.
Dado
que tal falácia — desvalorização cambial ajuda e ajusta a economia — já foi abordada
repetidas vezes por este site, ela não será o assunto deste texto.
O
assunto aqui é outro.
Em
seu perfil no Facebook, Perfeito escreveu que a "taxa de
câmbio de equilíbrio" para o Brasil seria o dólar a — está sentado? — R$ 6,70. Sim, segundo Perfeito, o valor "correto" do
dólar seria o de astronômicos R$ 6,70.
Eis
sua explicação (ligeiramente editada para fins de brevidade e de correções
ortográficas e gramaticais):
Muitos têm se perguntado sobre se
há algum indicativo do câmbio de equilíbrio, ou se é possível determinar uma
tendência mais clara.
Nossa opinião é que o Real tende a se desvalorizar até o final do ano e por
diversos motivos [...] Neste sentido projetamos a moeda norte-americana em R$
4,00.
Há um outro motivo que passa desapercebido no dia a dia do mercado de câmbio e
que não deveria ser negligenciado tanto assim. Estamos nos referindo à inflação
do período, que não é irrelevante e que deveria ser incorporada à taxa de
câmbio.
Hoje o dólar está em torno de R$
3,55 e a última vez que a moeda norte-americana esteve nesse patamar foi no
início de 2003. O fato óbvio é que R$ 3,55 hoje compra menos mercadorias que
comprava em 2003 e isso não deveria espantar ninguém.
Se ponderarmos o câmbio nominal
pela inflação acumulada entre 2003 – e fazemos isso ponderando o IPCA sobre o
CPI (índice de inflação norte-americana) – e agora, para o Dólar ter o mesmo
poder de compra teríamos que ter um câmbio em torno de R$ 6,70!
[...] ignorar durante tanto tempo
essa correção de preços simplesmente é um desvio reiterado de um dos
fundamentos.
Traduzindo
para os mais leigos: segundo Perfeito, dado que a inflação de preços acumulada
no Brasil entre 2003 e hoje foi muito maior que a americana, um "cálculo
ponderado" das duas inflações de preço no período — ou seja, grosso modo,
pegar toda a inflação de preços acumulada no Brasil e nos EUA de 2003 até hoje,
e então dividir uma pela outra — gerará um valor correto para o câmbio de R$
6,70.
Muito
bem.
A
base teórica do raciocínio está correta.
Mas há um erro gravíssimo.
O que define o câmbio
Como
Ludwig von Mises demonstrou ainda em 1912, em sua obra The Theory of Money
and Credit, o determinante fundamental da taxa de câmbio entre duas
moedas é o poder de compra relativo de cada uma delas.
Colocando
de outra forma, o que determina a taxa de câmbio entre duas moedas
independentes é a paridade do poder de compra entre elas. O
equilíbrio de longo prazo — ou a taxa de câmbio "final" entre duas
moedas — sempre será exatamente igual à razão entre o poder de compra das duas
moedas.
Por
exemplo, se o preço de um mesmo produto é de US$ 500 nos EUA e de R$ 1.000 no
Brasil, então a taxa de câmbio entre as duas moedas teria de ser de 2 reais por
dólar. A essa taxa, um brasileiro vai
pagar o mesmo valor por esse produto, seja ele comprado aqui no Brasil ou nos
EUA.
No
entanto, se o câmbio não estiver em R$ 2 por dólar, então o equilíbrio ainda
não foi atingido, o que significa que há oportunidades de lucro para um
especulador por meio de um processo chamado de "arbitragem".
Funciona
assim: suponha que um mesmo bem A esteja custando R$ 2 no Brasil e US$ 1 nos
EUA. Nesse caso, a julgar pelos preços de A, nota-se que o poder de compra do
real é menor que o do dólar. No entanto,
suponha também que a taxa de câmbio vigente esteja em R$ 1 = US$ 1.
Pela taxa de câmbio, o poder de compra de ambas as moedas é igual.
Logo,
comparando-se os preços com a taxa de câmbio, vemos que o real está
sobrevalorizado e o dólar está subvalorizado. O real está sobrevalorizado
porque seu poder de compra, que é menor que o do dólar, está igual ao do dólar
quando se analisa a taxa de câmbio. Assim, claramente o câmbio está
errado.
Um
especulador esperto irá vender A em troca de reais (irá obter R$ 2) e, em
seguida, irá trocar R$ 2 por US$ 2 (pois a taxa de câmbio é de 1:1). Ato
contínuo, irá recomprar esse bem por US$ 1, que é o seu preço de mercado,
embolsando o dólar extra. Essa contínua troca de reais por dólares
encarecerá o dólar em relação ao real, finalmente levando a taxa de câmbio para
seu valor correto, de R$ 2 por dólar.
Ou
seja, essas operações — as "arbitragens" — fazem com que a taxa de
câmbio e a razão do poder de compra entre as duas moedas sejam levadas à sua
relação correta.
Perfeito acerta e depois erra feio
Portanto,
e falando mais popularmente, o valor da taxa de câmbio de longo prazo entre duas moedas será determinado pelo poder de compra
de cada uma delas — ou, sendo mais realista, será determinado pela perda do
poder de compra de cada uma delas, ou seja, pela inflação de preços ocorrida
nos dois países.
Se
duas moedas começaram com uma taxa de câmbio de 1 para 1, mas uma moeda
apresentou uma inflação de preços de 100% (com os preços indo de 100 para 200)
e a outra apresentou uma inflação de preços de 60% (com os preços indo de 100
para 160), então a nova taxa de câmbio será de aproximadamente 1,25.
Logo,
para se estimar a "taxa de câmbio correta" entre duas moedas, o que você tem de
fazer é analisar o histórico da inflação de preços de ambas para ver qual foi a
evolução da perda do poder de compra de cada moeda. Ato contínuo, você simplesmente divide o
atual poder de compra de uma pelo da outra.
Ao
demonstrar saber isso, André Perfeito se destaca de seus pares keynesianos, que
acreditam que o que determina a taxa de câmbio é a balança comercial. O fato de
ele entender que a taxa de câmbio é determinada pelo poder de compra entre as
moedas — e não pela balança comercial — é digno de aplausos.
Porém,
há um erro gravíssimo na execução do seu raciocínio.
Por
algum motivo que desconheço, Perfeito ignorou o básico do básico: para se fazer
essa análise da evolução da taxa de câmbio e do poder de compra de uma moeda, não é correto pegar um período de tempo
aleatório, calcular a inflação de preços ocorrida apenas durante este período,
e então fazer elucubrações sobre qual seria a taxa de câmbio correta.
A
literatura sobre isso é bem clara: você não apenas tem de pegar todo o histórico inflacionário de uma moeda, como também tem
de considerar a taxa de câmbio do dia do nascimento desta moeda.
E
então, só então, poderá fazer alguma projeção.
Dado
que o real foi criado em julho de 1994 (a um câmbio inicial de 1 para 1 em relação
ao dólar), você tem de ver qual foi a sua perda de poder de compra em relação ao
dólar desde julho de 1994, e não desde janeiro de 2003 (a um câmbio inicial de
3,55). Não faz absolutamente nenhum sentido
começar uma série que envolve perda do poder de compra a partir de janeiro de
2003. Por que janeiro de 2003? Por que não janeiro de 2006? Ou de 2010?
Ou mesmo de 2015?
Ao
começar sua série em 2003, Perfeito não apenas começou de onde não devia, como também,
e para piorar, escolheu um ponto de partida completamente viciado. Ele escolheu exatamente um ano em que a
cotação do dólar estava completamente irreal em decorrência da eleição de Lula
e do PT. Vale lembrar que, à época, o PT
era um partido que até então pregava o rompimento de "tudo que aí
está", que defendia a adoção de uma economia socialista, o rompimento de
contratos, a estatização dos meios de produção, a reforma agrária na marra, o
calote das dívidas interna e externa, o poder ilimitado dos sindicatos, as
greves etc. E a eleição deste partido
gerou um clima de total incerteza entre empresários e investidores
estrangeiros, levando a uma grande fuga de capitais e a uma venda maciça do
real, o que levou à sua brutal — porém artificial — desvalorização.
Começando
a série exatamente em um ano em que a moeda estava artificialmente
desvalorizada — o que significa que, dali em diante, ela só poderia se valorizar
—, Perfeito contamina toda a sua análise.
Façamos,
então, da maneira correta.
O "câmbio de equilíbrio"
Quando
o real foi lançado, no dia 1º de julho de 1994, 1 real valia 1 dólar. Portanto, já temos o "câmbio de nascimento".
De
julho de 1994 até março de 2016, o
IPCA acumulado foi de 437,86%. Isso significa que
algo que custava R$ 100 em 1994 custa hoje R$
537,86.
Neste
mesmo período, o CPI
(Consumer Price Index) americano acumulado foi de 60,47%.
Isso significa que algo que custava US$ 100 em 1994 custa hoje US$ 160,47.
Dado
que a taxa de câmbio, como explicado, tem de refletir o poder de compra
relativo entre ambas as moedas, então a divisão de um poder de compra pelo outro
fornecerá uma estimativa razoável de qual deve ser o "câmbio correto".
Dividindo-se
R$ 537,86 por US$ 160,47 temos um câmbio
de 3,35 reais por dólar.
Observe
que este valor de livre mercado está bem próximo do atual valor de 3,50, o qual
só se mantém porque o Banco Central vem fazendo seguidas operações
de swap cambial reverso exatamente para impedir novas quedas.
Observe
também que este valor de 3,35 é exatamente a metade dos 6,70 encontrados por Perfeito, o que significa que ele
errou o câmbio por uma margem de 100%.
Para
que tivéssemos os 6,70 de Perfeito, o IPCA acumulado teria de ter sido de 975%
em vez de 437%. Nada que mais uns quatro
anos de governo Dilma não conseguissem, é verdade, mas, por enquanto, tal valor
ainda está bem longe.
Porém,
pelo bem do debate e para dar uma mão a Perfeito, utilizemos o mais alto valor
inflacionário encontrado para o real, que é aquele mensurado pelo IGP-M. De julho de 1994 a março de 2016, o
IGP-M acumulado foi de 588,75%, o que significa que algo que custava R$ 100 em 1994 custa
hoje R$ 688,75.
Dividindo-se
R$ 688,75 por US$ 160,47 temos um câmbio
de 4,29 reais por dólar.
Esse
valor mais extremo, embora bem mais alto que os 3,35 encontrados antes, ainda
está muito longe dos 6,70 de Perfeito.
Para
deixar o conjunto estatístico mais completo, podemos pegar uma média simples
entre os dois valores encontrados — 3,35 e 4,29 —, o que daria um câmbio de 3,82.
Portanto,
temos que o valor mínimo do "câmbio correto" seria de 3,35, o máximo seria de
4,29, e o valor médio seria de 3,82.
Qualquer valor entre 3,35 e 4,29 está dentro da realidade.
Consequentemente
— e tendo-se em mente exclusivamente o cenário atual (os valores aqui
encontrados, por motivos óbvios, não se aplicarão daqui a um ano) —, se o dólar
cair para menos do que 3,35, o real estará sobrevalorizado, o que ajudará
bastante no combate à inflação de preços.
Caso ele fique acima de 3,82, isso estimulará ainda mais a inflação de preços. Caso fique acima de 4,29, tem-se inflação galopante. E caso chegue aos 6,70 de Perfeito, estaremos
próximos da Venezuela.
Conclusão
Por
acaso estaria eu dizendo que um destes três é o valor corretíssimo e acurado
para o câmbio? Claro que não. Mas o que posso dizer, e sem sombra de
dúvidas, é que o "câmbio de equilíbrio" não chega nem perto dos 6,70 reais por
dólar de Perfeito.
E
nem muito menos dos 2.715 reais por dólar defendidos por Bresser-Pereira...
(uma pitada de ironia).
Este
assunto é de crucial importância porque defender a desvalorização da moeda é
uma política que, infelizmente, nunca morre.
Desvalorizar o câmbio é uma política vista como a solução mágica para todas as
agruras econômicas. É vista
como estimuladora de exportações, como a solução para a baixa competitividade
de nossas empresas e indústrias, e como a salvadora da balança comercial.
No
entanto, tudo o que ela realmente consegue alcançar é destruir a renda da população
(principalmente dos mais pobres, que não têm acesso a aplicações bancárias para
se defender da perda do poder de compra da moeda), elevar o custo de vida,
elevar os custos de produção das empresas e das indústrias, e enfraquecer toda
a economia. (Veja todos os detalhes teóricos e empíricos aqui).
Por
tudo isso, sempre que algum economista disser que sabe o valor correto do câmbio
de equilíbrio, faça esse cálculo e veja quão realmente honesto ele está sendo. Não lhe conceda um passe-livre. Não permita que ele defenda livremente a destruição
do poder de compra do seu salário, da sua renda, da sua poupança.
O
poder de compra da nossa moeda é crucial demais para ficar ao sabor dos
devaneios de Perfeitos e Pereiras.
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