quinta-feira, 28 abr 2016
O indivíduo comum, que tem ensino médio completo, possui
instintivamente algumas noções básicas de economia.
Ele sabe, por exemplo, que se a quantidade de dinheiro
na economia aumentar, isso tende a pressionar os preços para cima. Ele também sabe que o governo, assim como uma
família, não deve gastar mais do que arrecada.
E sabe também que, se o governo se endividar, o certo seria conter suas despesas.
Esses conhecimentos corretos e sensatos são,
tragicamente, exclusividades de quem não
possui capacitação formal de Ciências Econômicas — diga-se, diploma de
economista. A partir do momento em que você
adentra o mágico universo das faculdades de economia, toda a realidade se torna
ficção e tudo o que é ficção passa a ser tratado como se fosse a mais indiscutível
realidade.
Para os catedráticos das Ciências Econômicas, toda a
sabedoria popular a respeito das noções básicas de economia se equipara à física
de Newton, que foi sobrepujada pela de Einstein. A sabedoria popular não se compara aos
lampejos profundos que apenas esses catedráticos possuem.
A
realidade acadêmica
E lá vamos nós. O aluno entra para o curso de
economia tendo em mente que o governo criar dinheiro gera inflação e tendo a noção
de que o governo se
endividar não pode ser algo bom para a economia. Eis que ele começa a
cadeira de Introdução à Economia com um professor formado pela Unicamp.
Em dado momento, o mestre "demonstra" que o
aumento de gastos estimula a renda e o emprego. Ele conta a estória de um
menino que é muito arruaceiro e joga uma bola de futebol na janela de uma
padaria. Um mero leigo em economia diria que aquilo é ruim, pois o dono terá de
gastar com o conserto, e, tendo de gastar com o conserto, terá menos capacidade
para contratar mais pessoas e fazer novos investimentos. Mas o keynesiano,
iluminado que é, vê uma grande beleza naquela destruição. Graças àquele guri
hiperativo, o padeiro terá de contratar um vidraceiro, o qual terá agora uma
fonte de receita a mais. E este, por sua vez, terá pagar seus fornecedores, que
agora terão uma renda a mais, e assim por diante. O dinheiro vai circular,
gerando uma multiplicação de renda inversamente proporcional à propensão a
poupar daquela sociedade.[1]
Além dessa história, o professor também começa a
plantar sementes na mente de seus pupilos recém-chegados do vestibular. Como
quem não quer nada demais, diz que "a inflação tem muitas causas". A própria
hiperinflação brasileira, por exemplo, teve como principal causa a indexação (e
não o aumento explosivo
da oferta monetária feita pelo governo), culpa desses agentes econômicos que
insistem em adaptar suas expectativas. Assim, já no primeiro semestre, a cabeça
do aluno começa a ser derretida para, mais à frente, ser remodelada por outras
cadeiras.
A professora de História do Pensamento Econômico não
insinua; diz, com todas as letras, que déficit público é bom.
O déficit faz a roda da economia girar. O governo não é como uma família que tem
de conter despesas e se virar com seu orçamento, pois, veja bem, ele pode
emitir títulos e também se financiar via inflação. Não há razão para essa
austeridade malvada. E completa dizendo que "Hayek e esses neoliberais em
geral" são tudo contra juros baixos porque não entendem a importância do
crédito na economia.
O principal, no entanto, é a Teoria Macroeconômica.
Ela é o cerne dessa fábrica de diplomados em Economia que acreditam piamente
que o governo aumentar os gastos e o Banco Central manipular os juros são medidas
que criam um genuíno crescimento econômico. E que medidas como contenção de
gastos e redução da inflação só servem para agradar ao mercado financeiro, sendo
meras maldades que não têm como afetar variáveis reais de maneira positiva.
Essa crença advém do ensino da curva IS-LM, mostrada
abaixo.

A linha vermelha IS (de Investment—Savings, ou Investimento—Poupança) é uma reta
decrescente que, de maneira resumida, mostra o agregado do consumo das
famílias, investimento das empresas e gastos do governo. Se o governo financiasse
um aumento de despesa simplesmente subindo os impostos sobre o setor privado, a
curva ficaria inalterada, pois o aumento dos gastos do governo contrabalança
devido à maior arrecadação será contrabalançada pela redução dos gastos do
setor privado em decorrência dos maiores impostos. Para evitar esse resultado
indesejado, o governo deveria incorrer em um déficit (aumentar os gastos por
meio do endividamento) para sustentar seus dispêndios extras. Assim, a curva se move para a direita,
aumentando o produto agregado, que se convenciona simbolizar por Y (no eixo X).
Como muito crédito foi tomado, sobra menos fundos para
empréstimo. Os juros (simbolizados por "i", no eixo Y) sobem. Mas tal resultado
indesejado não é nada que os oráculos do politburo monetário Banco Central
não possam resolver. Para evitar esse aumento dos juros, basta injetar mais
moeda na economia que, como mágica, aparecerão mais unidades monetárias nos
bancos para se emprestar e, assim, eles cobrarão menos juros.
Isso é ensinado quando se mostra que a linha azul
crescente LM (de Liquidity preference—Money
supply, ou Preferência por Liquidez—Oferta Monetária) não só é movida para
a direita, engrossando o produto, mas também diminui de altura na ordenada, representando
a queda dos juros. Ou seja: os expansionismos fiscal e monetário estimulam a
economia porque o primeiro aumenta a demanda agregada e o último reduz os
juros, possibilitando novos investimentos.
E assim, aquela pessoa que entra no curso de Ciências
Econômicas sabendo que um Banco Central com política frouxa só consegue criar
inflação, pois não altera variável alguma da economia real, sai da faculdade
dizendo amém para compras maciças de títulos públicos no open market,
em nome da liquidez. E é assim que alguém entra na Economia com o entendimento
de que o estado se endividar até o pescoço vai causar uma crise termina o curso
e se torna "defensor de políticas indutoras do crescimento". Por exemplo, se os
países da União Europeia aceitarem realizar as medidas de corte impostas proposta
pela Alemanha, eles estarão se enforcando numa espiral recessiva!
Afinal, os alunos de Economia, no seu intento de
apenas conseguir o diploma, não costumam tomar a iniciativa de procurar outros
meios de conhecimento. Por que ser autodidata se ele pode receber tudo
mastigadinho do professor? Porque, logicamente, daria trabalho conhecer teorias
que dizem o contrário do que lhe é ensinado. Ele teria de, ó céus, usar seu raciocínio crítico para confrontar essas visões
entre si e julgar qual faz mais sentido.
Imagine se ele ousasse estudar a Escola Austríaca de
Economia e descobrisse que o expansionismo monetário estimula investimentos que,
se no início parecem sensatos, no final acabam se revelando insustentáveis. O aluno
veria que a poupança
é o que possibilita um real crescimento duradouro, e não a simples criação de
dinheiro para ser emprestado.
Por exemplo, a abstenção de consumo de carros (poupança)
faz diminuir a produção destes bens de consumo, o que libera recursos escassos
e insumos para a produção de bens de capital, que são investimentos que
aumentarão a produção no futuro. Porém, no momento em que o Banco Central e o
sistema bancário criam novas unidades monetárias, há uma ilusão de que há mais
poupança (mais dinheiro disponível para ser investido) do que de fato há. É o
começo de uma bolha de crédito.
O consumo de carros se mantém inalterado, assim como
a demanda por seus insumos, que agora está ocorrendo em todos os setores da
economia. Consequentemente, a expansão do crédito faz aumentar a demanda por
recursos e por mão-de-obra em todos os setores da economia, desde indústria e
construção civil até os setores de serviço, varejista e comércio em
geral. Todos passam a requerer mais mão-de-obra e mais recursos por causa
do aumento generalizado da demanda gerada pela expansão do crédito.
Essa disputa por mão-de-obra e por recursos leva ao
encarecimento de ambos.
Quem investiu pensando que o momento era propício
por causa dos juros baixos manipulados pelo Banco Central, ao longo do tempo
verá que os fatores de produção estão encarecendo continuamente (pois a demanda
por eles foi estimulada pela criação artificial de crédito). Se o investimento
for de maturação muito longa, os custos aumentarão demais e o projeto se
tornará inviável, devendo ser liquidado. Esse é o momento considerado como
estouro da bolha.
Perceba que é exatamente a política de estímulo
monetário ao crescimento a responsável por criar uma crise. Essa é a Teoria
Austríaca dos Ciclos Econômicos.
E, se o governo tentar "retomar o crescimento com
políticas anticíclicas", isto é, aumentar os gastos, ele só sufocará ainda mais
o setor produtivo. Pelo lado financeiro, ele pressiona os juros para cima. Pelo
lado real, ele está consumindo capital e mão-de-obra que poderiam estar na
iniciativa privada, encarecendo estes fatores de produção.
Imagine, por exemplo, a redução que haveria no custo
dos aluguéis para as empresas se o governo cortasse gastos e, para isso,
fechasse um ministério e pusesse para vender o prédio. Um ótimo estímulo para a
economia do país possibilitada justamente pela austeridade fiscal.
Só
por conta própria
Mas, é claro, se você quiser aprender sobre isso
tudo que foi explicado por alto, dependerá da própria curiosidade para fuçar na
internet e outros meios. Porque, se você perguntar sobre os austríacos,
dificilmente o professor saberá lhe responder. Se questionar algum mantra
keynesiano, kaleckiano ou cepalino, certamente levará como resposta "isso é o
que os ortodoxos dizem", com um sorrisinho de desdém.
Não é que tudo que se ensine na faculdade seja
inútil, ou que nada no ferramental teórico da IS-LM seja aproveitável. Ele é um
modelo de curto prazo que tem lá as suas aplicações. Principalmente quando você
é um governante que tem, num horizonte próximo, uma reeleição. Durante alguns
anos, a economia, de fato, parece reluzir.
Quando o longo
prazo chegar, a culpa será do sucessor.
É difícil acreditar em coincidência quando um
conjunto de teorias econômicas tão convenientes para quem está comando do estado
seja propagado mais fortemente nas faculdades federais. As particulares também
ensinam esse conteúdo, mas sem aquela ênfase de quem esteja pensando "o que nós
deveríamos fazer se fôssemos o governo?". O curso é mais voltado para o mercado
de trabalho do que para a formulação de engenharia social políticas
públicas.
Assim, você pode escolher.
Ou você toma a pílula que o manterá no conforto de acreditar
que todo o conhecimento a ser adquirido está num corpo docente que idolatra
Marx e Kalecki, falando numa terminologia que inclui, em pleno séc. XXI,
"burguesia e proletariado" e "exército industrial de reserva" (isso quando não
estão tendo orgasmos mentais por repetir "o trabalhador gasta o que ganha e o
capitalista ganha o que gasta").
Ou você escolhe a pílula que vai deixá-lo sem chão
durante meses, pois você não saberá no que acreditar.
Seus professores vivem mostrando que o gasto, por si
só, é benéfico ("Não, meu querido, para se investir em uma obra — como um
estádio de futebol para a Copa — não precisa haver utilidade para aquela
construção faraônica."); que o governo tem de tributar os ricos para que eles
não poupem demais da sua renda disponível e causem uma eventual crise por falta
de demanda agregada ("Sim, meu querido, tente gastar como se não houvesse
amanhã, você vai enriquecer pelo multiplicador! Não tem como dar errado."); e que
o governo também deve estimular o consumo via crédito pra aquecer a economia. ("Não,
meu querido, isso não vai gerar uma crise de inadimplência no futuro!").
Só que, ao pensar um pouco, ao somente usar a
lógica, você vê que faz sentido que as pessoas poupem. Que, se elas consumirem
toda a sua renda para tentar levar a economia a uma espiral infinita de
crescimento, elas irão, na verdade, ficar pobres. E que, se um empreendimento
não tem uma demanda que dê retorno, ele é prejudicial, já que haveria outros
projetos que valeriam mais a pena.
Mas, quando tantos professores ensinam o contrário,
leva um tempo para se decidir.
Nossos
guias seguem essa cartilha - não seja como eles
Por que será que Dilma Rousseff e Guido Mantega
pensavam que aumentar os
gastos a cada ano não levaria o país a uma crise de dívida? Por que eles martelaram os juros dos
bancos para baixo, pressionando o Banco Central a reduzir a SELIC e o Banco
do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprimir seu spread? Por que liberaram crédito a rodo por parte do BNDES?
Não descarto que essas tenham sido ótimas
oportunidades para que políticos pudessem abocanhar seu quinhão com desvios de
dinheiro público. Mas a ex-presidente e seu antigo ministro se formaram em
faculdades que ensinavam exatamente essa teoria econômica pró-estatismo. Por
pura ignorância, eles acreditavam, de coração, que seus modelos pudessem levar
a algum crescimento sustentado.
Não queira ser assim. Você pode pesquisar sobre
Escola Austríaca, Teoria Austriaca dos Ciclos Econômicos, Mises, Hayek ou
qualquer outro termo que lhe interesse na internet. Não tem de concordar com
tudo o que os austríacos dizem. Pode preferir outra escola de pensamento.
Apenas não seja um idiota útil que ajuda a alimentar
essa falida e desastrosa
Matrix intelectual.
[1] N.
do E.: se um moleque quebra uma vidraça de uma padaria, obrigando seu
proprietário a incorrer em gastos para trocar a vidraça, um economista
keynesiano diria que tal ato de vandalismo foi bom para a economia, pois, ao
ser obrigado a gastar dinheiro com uma vidraça nova, o padeiro não apenas irá
estimular o mercado de vidros, como também irá estimular toda a economia.
O vidraceiro terá mais dinheiro para gastar com seus fornecedores, e os
fornecedores terão agora mais dinheiro para gastar com outros setores da
economia. Toda a economia sairá ganhando. A vidraça quebrada
proporcionou dinheiro e emprego em várias áreas.
Porém, há as consequências que não são vistas. O
padeiro ficará com menos dinheiro, fazendo com que ele deixe de comprar um
terno. Se antes ele teria a vidraça e o terno (ou o equivalente em
dinheiro), agora ele terá apenas a vidraça. O alfaiate deixou de ganhar
dinheiro. Os fornecedores do alfaiate deixaram de ganhar dinheiro.
Igualmente, os fornecedores de insumos para a padaria — plantadores de trigo,
criadores de fermento, cultivadores de leite etc. — também deixarão de
ganhar dinheiro, pois a padaria teve de economizar para trocar a vidraça.
O que o vidraceiro ganhou, o alfaiate, todo o setor de
tecidos e todo o setor de fornecedores perderam. Estes não poderão gastar
este dinheiro com outros setores da economia. Sendo assim, não houve
nenhuma criação líquida de emprego. Em suma, se a vidraça não houvesse
sido quebrada, o proprietário da padaria poderia ter gasto seu dinheiro para
melhorar sua situação em vez de meramente restaurá-la. Isto é o que não é visto