"Justiça social" e "distribuição justa de riqueza" são
expressões que já se tornaram parte do vernáculo. Praticamente não há intelectuais, jornalistas
e políticos que não pontifiquem, com desinibição e segurança, a respeito destas
expressões, e quase sempre em tom de aprovação e louvor.
Tais expressões, aliás, se tornaram o
"fundamento ético" de todos os movimentos sociais (de natureza
"socialista" ou "social-democrata"),
Mas há um enorme problema: essas duas expressões têm
sua origem — e são baseadas — em uma visão de mundo que vê a economia como
sendo algo totalmente estático, em vez de dinâmico.
Mas a culpa não é exclusiva dessas pessoas. Elas estão apenas se baseando em um modelo econômico
muito utilizado nas universidades, que sempre foi o dominante.
Quando era universitário, minha primeira aula de
economia foi com um professor que começou sua explanação com a seguinte e
espantosa frase: "Suponhamos que todas as informações sejam
conhecidas". E logo em seguida ele se pôs a encher o quadro-negro com
funções, curvas e fórmulas. Esta é exatamente a hipótese sobre a qual se
fundamentam os modelos econômicos convencionais: todas as informações são
conhecidas e nada se altera; tudo é estático.
Mas esta hipótese é radicalmente irreal. Ela
vai contra a característica mais típica de uma economia de mercado: a
informação nunca é conhecida por todos; ela está dispersa pela economia.
Ela não é um dado constante que está ali para ser consultado a qualquer
momento. O conhecimento dos dados surge continuamente em decorrência da
atividade criativa dos indivíduos: novos fins são almejados, novos meios são
criados e utilizados.
Logo, qualquer teoria econômica construída a partir
deste pressuposto irreal está fatalmente errada.
Com efeito, o paradigma da teoria econômica predominante
se baseia, em maior ou menor escala, em considerar que a informação econômica é
algo objetivo e se encontra "dada" — ou seja, é conhecida por todos
(tanto em termos exatos quanto probabilísticos).
Esta concepção estática inexoravelmente leva à
suposição de que, em certo sentido, os recursos escassos da economia também já
estão dados e são conhecidos por todos.
A consequência inevitável deste raciocínio é que o
problema econômico da distribuição
dos recursos é considerado distinto e totalmente independente do problema de
sua produção. Com efeito, se os
recursos já estão dados e são conhecidos, então o que resta a ser feito é definir
como eles serão distribuídos entre os diferentes seres humanos, quem ficará com
os meios de produção e quanto bens eles terão de produzir.
Tendo por base este arranjo, quaisquer considerações
sobre "redistribuição" e "maximização de utilidade" se tornam totalmente
independentes dos aspectos morais, de modo que moralidade, redistribuição e
maximização de utilidade se tornam coisas que podem ser combinadas livremente,
nas mais variadas proporções.
A
visão real
Felizmente, todo este arcabouço errôneo foi demolido
pela nova concepção dinâmica dos processos de mercado e pela nova teoria econômica
da função empresarial, ambas capitaneadas pela Escola Austríaca de Economia.
Para começar, as teorias da Escola Austríaca jamais
partiram do princípio de que "todas as informações já estão dadas e são
conhecidas por todos". Ela sempre considerou que o processo econômico é
impulsionado por indivíduos empreendedores que continuamente incorrem em
transações e descobrem novas informações.
A informação com que lida os indivíduos empreendedores
no mercado não é objetiva; não é como a informação que se encontra impressa em
um catálogo. A informação empreendedorial possui uma natureza
radicalmente distinta; ela é uma informação subjetiva, e não objetiva.
Ela é tácita, por assim dizer. Ela é do tipo "sabemos algo, temos a
técnica, a prática e o conhecimento, mas não sabemos no que tudo isso consiste
detalhadamente."
Nós seres humanos somos dotados de uma inata
capacidade criativa. Continuamente descobrimos coisas "novas",
almejamos objetivos "novos", e escolhemos meios "novos"
para alcançá-los.
Todo ser humano possui uma inata capacidade criativa
que lhe permite avaliar, estimar e descobrir as oportunidades de lucro que
surgem ao seu redor, e agir em conformidade para aproveitá-las.
O empreendedorismo, portanto, consiste na capacidade tipicamente humana de
continuamente criar e descobrir novos fins e novos meios para se alcançar tais
fins.
Por esta concepção, além de os recursos não estarem
dados e nunca serem conhecidos por todos, tanto os fins quanto os meios para se
alcançar estes fins são continuamente descobertos e criados por indivíduos empreendedores
desejosos de alcançar novas realizações que eles julgam ter um maior
valor.
E se os meios, os fins e os recursos nunca são dados
e conhecidos por todos, mas são continuamente criados em consequência da ação
empreendedorial de seres humanos, então resta claro que o fundamental problema
ético não mais é o de como distribuir equitativamente tudo aquilo "que já
existe", mas sim o de como promover a criatividade e a coordenação
empreendedorial.
Por isso, no campo da ética social, chega-se à
conclusão de que, se o ser humano é um agente criativo, então é axiomático
reconhecer o quão irrefutável é o princípio ético que diz que "todo ser
humano tem o direito natural de manter para si os frutos da sua própria
criatividade empresarial".
Ou seja, a apropriação privada dos frutos da sua
descoberta e da sua criação empreendedorial é um princípio autoevidente das
leis naturais. E é assim porque, se um indivíduo empreendedor não pudesse
reivindicar para si aquilo que ele criou ou descobriu, ele simplesmente não
teria incentivos para colocar em ação sua criativa perspicácia empresarial inerente
à sua condição de ser humano.
A sua capacidade de detectar oportunidades de lucro
estaria completamente bloqueada, e seu incentivo para agir desapareceria.
Adicionalmente, este princípio é universal no
sentido de que ele pode ser aplicado a todos os seres humanos em todas as
circunstâncias concebíveis.
Considerando-se, portanto, a economia como um
processo dinâmico do tipo empreendedorial, o princípio ético que deve regular
as interações sociais deve se basear na consideração de que a sociedade mais
justa será aquela que, de maneira mais enérgica, promova a liberdade e
a criatividade empresarial de todos os seres humanos que a componham,
sendo que, para isso, é imprescindível que cada um deles possa ter de antemão a
segurança de que poderá usufruir os resultados de sua criatividade empresarial
(os quais, antes de serem descobertos ou criados por cada agente, simplesmente
não existiam na sociedade), e de que não será expropriado total ou parcialmente
por ninguém, muito menos pelo governo.
O
caráter do intervencionismo
Esta análise torna evidente o caráter imoral do
intervencionismo, o qual deve ser entendido como "todo e qualquer sistema
de agressão institucional e sistemática contra o livre exercício da função
empresarial".
O intervencionismo se manifesta de várias maneiras e
intensidades: vai desde a proibição direta de alguém empreender em alguma área,
passando pela obrigatoriedade de alguém se submeter a todos os tipos de regulações,
burocracias e impostos para empreender em uma determinada área, chegando até ao
confisco de uma fatia da renda obtida com o seu trabalho.
Não importa quão supostamente nobres sejam os
objetivos do intervencionismo: o fato é que intervenções coercitivas provocarão
distúrbios nesse processo de cooperação social.
A coerção consiste em utilizar a violência para
obrigar alguém a fazer algo ou a deixar de fazer algo. Quando a coerção é aleatória, não
sistemática, o mercado tem, na medida do possível, seus próprios mecanismos
para definir direitos de propriedade e defender-se da criminalidade. Porém, se a coerção é sistemática e advém
institucionalmente de um estado que detém todos os instrumentos do poder, a
possibilidade de se defender destes instrumentos e evitá-los é muito
reduzida.
É neste ponto que o intervencionismo manifesta sua
realidade em toda a sua crueza. A coerção ao indivíduo impede que ele
desenvolva aquilo que lhe é intrínseco por natureza: sua inata capacidade de
almejar novos fins e conceber novos meios para alcançar estes fins, sempre
agindo em conformidade para lograr este objetivo.
Na medida em que a coerção do estado impede a ação
humana do tipo empresarial, sua capacidade criativa estará limitada e ele não
descobrirá e nem surgirão as informações ou conhecimentos necessários para
coordenar a sociedade.
(Exatamente por isso, o tipo mais extremo de
intervencionismo, que é o socialismo, é um erro intelectual, pois ele impossibilita que os seres
humanos gerem as informações de que o órgão planejador necessita para coordenar
a sociedade por meio de suas ordens coercivas.)
Todo o sistema que se baseia no intervencionismo, no
dirigismo, na regulamentação e na expropriação de riqueza — por mais
supostamente humanitária que seja a redistribuição dessa riqueza expropriada —
é intrinsecamente imoral, pois ele se resume a impedir pelo uso da força que os
vários seres humanos incorram nas atividades empreendedoriais que mais lhe
apetecem e que se apropriem dos resultados de sua própria criatividade
empresarial.
Desta forma, o intervencionismo e o
redistributivismo podem ser vistos como sendo não apenas sistemas teoricamente
errôneos e economicamente ineficientes, como também, e ao mesmo tempo, sistemas
essencialmente imorais, pois vão contra a mais íntima natureza do ser humano,
impedindo que este se realize e usufrua livremente os resultados de sua própria
criatividade empresarial.
A
caridade
Por fim, é válido ressaltar que o ímpeto humano à
criatividade empresarial também se manifesta no âmbito da ajuda aos mais
desvalidos e na busca sistemática por situações em que terceiros, por estarem
em situação de privação, precisam de ajudas.
No entanto, a coerciva intervenção estatal, por meio
dos mecanismos típicos do chamado "estado de bem-estar social",
neutraliza e, em grande medida, obstrui o esforço empreendedorial de se ajudar
um semelhante que está passando por dificuldades. Quando se é obrigado a
pagar impostos para o governo para que ele forneça serviços assistencialistas para
os necessitados, não apenas a capacidade das pessoas de continuar
fazendo caridade é reduzida, como também elas inevitavelmente se sentem
absolvidas da responsabilidade
moral de ajudar os outros necessitados.
Além de os incentivos para o auxílio ao próximo serem
tolhidos e a tarefa ser transferida para o aparato estatal, este, justamente
por funcionar fora de um ambiente de eficiência dinâmica, simplesmente não tem
como agir de maneira correta.
A consequência é que a solidariedade e a colaboração
voluntária, que são ímpetos naturais do ser humano e que tanta importância
possuem para a maioria dos seres humanos, acabam sendo reprimidas e absorvidas
pela burocracia estatal, que nada tem de humana e solidária.