segunda-feira, 29 abr 2019
Uma amiga minha, que já vem declarando imposto de
renda há 15 anos, teve de lidar com uma situação atípica este ano. Em vez de receber
uma
restituição — como ocorre com a imensa maioria das pessoas que declaram
imposto de renda —, ela se descobriu pertencente ao grupo daquela minoria que
tem de pagar ainda mais ao estado.
Ato contínuo, ela teve de fazer o cheque. Dinheiro que poderia ter ido para o conserto
do seu carro, para as manutenções da casa ou até mesmo para a compra de um novo
smartphone teve de ser coercivamente redirecionado para o governo federal.
Essa é a palavra chave: coerção.
É claro que toda e qualquer modalidade de tributação
significa que recursos estão coercitivamente sendo confiscados de nós e deixados de ser usados
da maneira como queremos para que, em vez disso, financiemos o governo coercivamente. No entanto, no mundo de hoje, essa brutal
realidade é genialmente encoberta por uma cortina de fumaça contábil que
utiliza o empregador, e não o empregado, como a ferramenta que faz o serviço de
coleta — não-assalariada — em prol do estado.
Quando você tem de pagar impostos diretamente, toda
a sua visão de mundo é alterada. Repentinamente,
o slogan "imposto é roubo" começa a fazer sentido. Você começa a se fazer perguntas do tipo:
- Como o governo consegue cometer esse
roubo descarado e se safar?
- O que o governo está fazendo com esse
meu dinheiro?
- Como pode ser bom para a economia eu ser
obrigado a dar meu dinheiro para financiar todo um aparato burocrático (que irá
atender a grupos de interesse) em vez de eu próprio dar voluntariamente esse
meu dinheiro para empreendimentos que ofertam bens e serviços?
- Quem disse que o governo sabe utilizar o
meu dinheiro melhor do que eu mesmo?
Essas são perguntas sensatas. São perguntas que absolutamente todos os
pagadores de impostos deveriam estar se fazendo anualmente no mês de
abril.
O problema é que a maioria das pessoas nunca teve de
se fazer essas perguntas. E por um
genial motivo: o imposto de renda retido na fonte.
Em vez de ser coletados diretamente do pagador de
impostos, o governo coleta esses impostos "na fonte", ou seja, quando o salário
é pago, este já vem descontado do valor do imposto de renda. Na prática, portanto, o governo obriga as
empresas que pagam os salários dos trabalhadores a lhe repassar imediatamente o
valor do imposto de renda desses assalariados — e em nome deles.
Como disse o comediante Chris
Rock durante um stand-up: "Você nem paga os impostos; o governo toma os
impostos. Você recebe seu salário,
o dinheiro já se foi. Isso
não é um pagamento, isso é um roubo."
No entanto, de alguma maneira, a retenção na fonte
faz com que as pessoas sejam menos propensas a pensar no imposto como um "roubo". Sabe por quê?
Porque a partir do mês de junho, quando todas as possíveis deduções do
imposto de renda são levadas em conta, a maioria das pessoas acaba recebendo
uma restituição. Isso, por si só,
fornece todos os incentivos para que as pessoas façam corretamente suas declarações
do imposto de renda. Afinal, se você não
declarar, você fica sem essa restituição.
O resultado é uma das mais incrivelmente brilhantes inovações
do estado moderno. Essa reformulação do
sistema — a criação da instituição da retenção na fonte — conseguiu criar a ilusão
de que, ao declarar impostos, você está recebendo
dinheiro.
Quando a restituição cai na conta bancária (no Brasil,
ela vem inclusive corrigida
pela SELIC), o pagador de impostos é tentado a pensar: nossa, isso é
realmente sensacional!
Uma espoliação foi
manipulada e passou a se parecer com um presente.
Como tudo isso
surgiu? Foi durante um período de
guerra, em 1943, e o governo americano não queria ter de esperar um ano para
obter toda a receita de impostos. As receitas eram necessárias para custear a guerra
imediatamente.
Um jovem e sagaz Milton
Friedman foi o mentor
de uma ideia da qual, mais tarde, ele viria a se arrepender. Os impostos seriam coletados pelo empregador,
ou seja, seriam retidos diretamente do salário do empregado.
"À época", escreveu Friedman, "estávamos concentrados
exclusivamente no esforço de guerra. Não
demos nenhuma consideração para qualquer eventual conseqüência de longo
prazo. Nunca me ocorreu, à época, que eu
estava ajudando a criar a máquina que tornaria possível aquele agigantamento do
estado que eu, mais tarde, viria severamente a criticar como sendo intrusivo e
destruidor das liberdades econômicas e individuais. No entanto, era exatamente isso o que eu
estava fazendo."
Essa medida de
emergência não foi abolida após a guerra.
Ela era, do ponto de vista do governo, brilhante e conveniente demais
para ser abolida. Por que não continuar
escondendo do trabalhador o fato de que ele está sendo roubado a uma taxa cada
vez maior? Os políticos podiam agora
aumentar os impostos de uma maneira que o cidadão comum nem sentiria.
E não só o imposto de
renda: os encargos sociais (que abiscoitam uma fatia ainda maior que o imposto
de renda) podiam agora ser retidos na fonte também.
Afetando
a mente
A retenção na fonte
alterou dramaticamente a psicologia de se pagar impostos. Para muitos, parece que não se está pagando
imposto nenhum. O assalariado se acostuma
com o valor líquido (pós-retenção) do seu salário e se adapta rapidamente. E então, quando chega o mês de abril, não há mais
a ser pago. Ao contrário: você faz a declaração
e descobre que terá direito a uma restituição.
E isso faz parecer como se você estivesse recebendo um inesperado
presente do governo, na forma de dinheiro depositado em sua conta bancária.
No entanto, é claro,
sua restituição nada mais é do que a devolução de um dinheiro a mais que você foi
forçado a dar ao governo.
Se realmente quiséssemos
fazer uma mudança profunda em prol da transparência e da decência, uma que de
fato alterasse a percepção das pessoas em relação aos reais custos do governo,
a retenção dos impostos na fonte teria de ser abolida completamente. Em princípio, isso não alteraria quase nada
as expectativas de receita do governo federal.
A diferença é que cada assalariado teria de pagar, de uma só vez, a
quantia total devida ao governo federal todos os meses de abril, e receberia as
eventuais restituições, também de uma só vez, no resto do ano.
O mesmo se aplicaria aos encargos sociais e trabalhistas.
Esta mudança aparentemente
pequena teria um dramático efeito sobre a percepção do público a respeito da tributação
e do governo (tanto é que IPTU e IPVA, que são pagos de uma só vez e sem retenção
na fonte, sofrem muito mais resistência a qualquer menção de aumento). Desde a adolescência, cada cidadão teria uma
pungente lembrança dos custos do governo.
Não mais viveríamos a ilusão de que podemos conseguir algo em troca de
nada, e que sustentar o governo não é realmente tão caro quanto dizem.
Tal mudança significaria
que as pessoas teriam de bancar o governo da mesma maneira que pagam o aluguel,
suas roupas, suas refeições e seu supermercado.
Pagamos o custo
total daquilo que consumimos. A
sensação de estarmos sendo roubados aumentaria caso fossemos nós, e não nosso
patrão, quem tivesse de pessoalmente direcionar todo o dinheiro de imposto ao
governo, sob pena de aprisionamento caso não o fizéssemos.
Isso, por si só,
poderia inspirar uma atitude diferente em relação ao governo. Talvez até mesmo uma revolução anti-governo.