quinta-feira, 24 jan 2019
No que tange às possíveis estratégias para diminuir
radicalmente o governo, ou até mesmo aboli-lo, muitos libertários se perdem ao
recorrerem a uma falsa dicotomia: o estado, dizem eles, pode ou ser esmagado
com um só golpe ou ser diminuído gradualmente de acordo com um plano
pré-determinado.
Estas são, segundo eles, as únicas duas
alternativas.
Só que há vários
problemas em se abordar a questão desta maneira. Primeiro e acima de tudo, esse
"demolicionismo" não é uma estratégia, mas sim uma fantasia adolescente. É o produto de reflexões preguiçosas feitas
por entusiasmados (normalmente jovens) recém-convertidos ao libertarianismo. Os meios e os fins do demolicionismo nem
sequer podem ser proclamados de uma maneira coerente.
Por exemplo, o objetivo
dos demolicionistas seria fazer com que o estado suma literalmente da noite para
o dia, ou eles concederiam algum tempo para que os políticos, os burocratas e
os militares fizessem suas malas e liberassem seus gabinetes? Ou, ainda, eles prefeririam que esses
burocratas fossem forçosamente ejetados de seus cargos e enviados para a cadeia?
E quais medidas os
demolicionistas adotariam para induzir todos os ocupantes do aparato estatal a
simultaneamente abandonarem seus cargos? Estariam os demolicionistas contando com uma brilhante campanha
propagandística, a qual geraria uma espontânea conversão ao libertarianismo
entre os juízes e todos os membros do legislativo e do executivo? Ou irão os demolicionistas incitar uma
"rebelião tributária" populista e possivelmente um motim entre os níveis
hierárquicos mais baixos das forças armadas, colocando um fim abrupto ao
estado?
Toda essa noção de se
derrubar abruptamente o estado — especialmente um estado poderoso, abrangente
e visto como o salvador por milhões de cidadãos — é tão ilógica, que é difícil
acreditar que algum libertário defenderia essa posição.
Com efeito, a posição
demolicionista é um espantalho. Ela é
criada para fazer a estratégia gradualista parecer a única sensata e
razoável. É difícil identificar um atual
pensador libertário eminente que já tenha, em algum momento, defendido o
demolicionismo como estratégia.
O
que Rothbard realmente disse
No entanto, alguém pode
responder dizendo que Murray
Rothbard, em seu artigo "Você
odeia o estado?", apresentou uma distinção entre o que
ele rotulou de "gradualistas" e "abolicionistas".
Mas, no artigo, ele não estava fazendo uma
distinção entre estratégias, mas sim entre atitudes intelectuais e emocionais
em relação ao estado. Ele então
descreveu o "abolicionista" — seja ele um anarcocapitalista ou um minarquista
— como sendo "um 'apertador de botões' que pressionaria seu polegar contra um
botão que abolisse o estado imediatamente, se tal botão existisse".
Rothbard prosseguiu e
afirmou que, no entanto, "o abolicionista também sabe que, infelizmente, tal
botão não existe." Observe a ênfase de Rothbard na palavra
"não". Logo, embora Rothbard fosse um
abolicionista que detestava passionalmente o estado, rotulando-o de "inimigo
bestial e espoliador" da humanidade, ele enfaticamente rejeitou o demolicionismo
como estratégia realista.
Em termos de atitude, o
completo oposto do abolicionista "apertador de botões", para Rothbard, seria o
economista formado na Escola de Chicago que "dá conselhos em prol da
eficiência", e que vê o estado como sendo um arranjo meramente menos eficiente
do que a economia de livre mercado para fornecer todos os — ou, para o
minarquista, a maioria dos — "bens públicos".
Os chicaguistas e os
friedmanianos entusiastas da eficiência não têm nenhum grande ódio pelo estado,
o qual está, afinal, provendo a sociedade com bens e serviços necessários,
embora a custos mais altos do que aqueles que seriam cobrados em um mercado
concorrencial.
Temos
de ser "oportunistas"
Dado que a irreal e
inútil abordagem demolicionista deve ser descartada, qual seria então a
alternativa realista à estratégia gradualista? Antes de respondermos a essa pergunta, temos de analisar mais
minuciosamente o gradualismo.
De acordo com um
recente artigo
gradualista, o gradualismo possui duas características essenciais.
Primeiro, ele tem o
objetivo de "diminuir" o estado "passo a passo" e não o de "pular, de uma só
vez, para o estado mínimo ou para uma sociedade sem estado". De acordo com essa forma de pensamento, essa
postura estratégica permitiria que os libertários construíssem coalizões com
grupos não-libertários que tenham em comum o objetivo de diminuir ou eliminar
intervenções estatais em determinadas áreas — por exemplo, a guerra às drogas
ou a imposição de um salário mínimo —, mas que não aceitam o objetivo
libertário supremo de abolir o estado ou radicalmente minimizar seu poder e
escopo.
Mas praticamente nenhum
libertário — e muito menos o abolicionista — negaria que colaborar com grupos
que possuem agendas políticas distintas é algo estrategicamente sensato quando há
o objetivo comum de se reduzir a intervenção estatal em uma determinada área.
É a segunda característica
da posição gradualista que apresenta um sério problema e que a torna não apenas
inútil, mas também contraproducente. Trata-se
da ideia de que a retração do estado deve ser conduzida pelo seguinte princípio
moral: os programas do governo devem ser eliminados em uma sequência especificamente
criada para proteger, dentre todos os explorados pelo estado, aqueles mais
empobrecidos e evitar que eles sofram uma perda abrupta dos privilégios e subsídios
que eventualmente recebam.
É nesse quesito que o
problema com a estratégia gradualista se torna imediatamente evidente. Gradualistas pressupõem que podem planejar, a priori, a ordem na qual as intervenções
poderão ser eliminadas, sem levar em conta a realidade sócio-política. Mas essa seria uma postura utópica, beirando
o pensamento fantasioso. No mundo real, o
máximo a que podemos aspirar é aproveitar e agarrar cada pequena oportunidade de desmantelamento do estado que
eventualmente surja ao longo do desenrolar dos eventos da realidade histórica.
Aquilo que podemos
chamar de "oportunismo" nada mais é do que a estratégia de aproveitar e agarrar
cada rara oportunidade eventualmente surgida de fazer retroceder o estado,
independentemente da natureza da oportunidade ou da estrutura das outras intervenções
vigentes.
O oportunista, portanto,
não quer nem demolir o estado da noite para o dia e nem seguir um plano — delineado
a priori — extravagante e fantasioso de diminuir o estado de uma maneira mais "humana". Ao contrário, ele quer desmantelar o estado o mais rapidamente possível, tirando proveito
de toda e qualquer oportunidade que eventualmente surja em meio ao infindável e
instável fluxo de circunstâncias sociais, econômicas e políticas.
A característica definidora
do gradualismo, portanto, não é sua propensão a fazer concessões em termos táticos,
nem a de baixar o tom de sua retórica radical, e nem a de cooperar com grupos não-libertários
sempre que isso for resultar na eliminação de programas de governo (com efeito,
essas medidas são a própria essência do oportunismo). Não, o elemento essencial do gradualismo é o
seu atemporal imperativo ético que estipula uma ordem pré-definida na qual as intervenções
estatais devem ser reduzidas e eliminadas.
A diferença entre
oportunismo e gradualismo pode ser ilustrada no seguinte exemplo.
Suponha que uma crítica
massa de pagadores de impostos de classe média se torne profundamente ressentida
com todo o esquema de assistencialismo estatal para os pobres (via programas de
redistribuição de renda) e para os grandes empresários (via programas de subsídios e empréstimos
subsidiados). Suponha também que,
por algum motivo imprevisto, torne-se politicamente factível eliminar por completo
toda essa rede de assistencialismo.
No entanto, as seguintes intervenções estatais continuariam firmemente intactas: as leis estipulando
um salário mínimo, os encargos sociais e trabalhistas, as regulamentações
de profissões (todas elas dificultam os mais pobres, agora desassistidos, de conseguirem empregos), as tarifas
de importação criadas para proteger as grandes
empresas da concorrência estrangeira, e as agências reguladoras voltadas
para cartelizar o
mercado e garantir uma reserva de mercado para
as empresas já estabelecidas (o que significa que não haveria reduções nos preços, também possivelmente prejudicando os pobres que ficaram desassistidos).
Nesse caso, um
gradualista consistente e coerente, que defende uma redução ordenada e
planejada do estado, teria de abrir mão dessa chance de reduzir o estado.
Já o oportunista, em profundo
contraste com o gradualista, iria aprovar e ansiosamente promover a eliminação desses
programas, adaptando e até mesmo moderando com satisfação sua retórica anti-estado
ao se juntar a grupos não-libertários para formar uma frente unida em prol da abolição
desses programas.
Conclusão
A estratégia do
oportunismo anda de mãos dadas com a atitude do abolicionismo.
O oportunista agiria o mais rapidamente possível em busca do seu objetivo de abolir o
inimigo odiado — o estado —, sendo restringido apenas pela escassez de meios
e pelo ritmo do surgimento de condições políticas e sociais concretas.