segunda-feira, 14 mar 2016
João, o frustrado
João é inteligente e nasceu numa família de classe alta. Estudou em boas
escolas e entrou para uma universidade pública, gratuita, no curso de
Engenharia. Formado, viu que os melhores salários iniciais de engenheiros
estavam em R$ 5 mil. Decepcionou-se.
Fez então concurso para um cargo de nível médio num tribunal: salário de R$
9 mil mais gratificações, aposentadoria integral, estabilidade, expediente de
seis horas.
Os pagadores de impostos custearam a formação de um engenheiro e receberam um arquivador
de processos muito bem remunerado com o dinheiro de impostos.
Amanhã João estará em frente ao Congresso, com seus colegas, todos em greve por
aumento salarial. Não terá o dia de trabalho descontado nem se sente
remotamente ameaçado de demissão.
Pedro, o incapaz
Pedro não tem muito talento intelectual. Mas sua família pôde pagar uma boa
escola, o que lhe garantiu uma vaga num curso não muito concorrido em universidade
pública. Carente de habilidades acadêmicas, Pedro não se adaptou e mudou de
curso duas vezes, deixando para trás centenas de horas-aula desperdiçadas e
duas vagas que poderiam ter sido ocupadas por outros estudantes que jamais
terão acesso àquela universidade. Foi fácil desistir dos cursos, pois Pedro
nada pagou por eles.
Após oito anos na universidade, Pedro finalmente se formou em Biologia.
Sonha em ter um emprego igual ao de João.
Entrou num cursinho preparatório para concursos públicos. Lá conheceu
centenas de jovens formados em universidades públicas que, em vez de irem para
o mercado de trabalho aplicar os seus conhecimentos, estão em sala de aula
decorando apostilas para conseguirem um emprego público.
Jorge, Manuel e Márcia - os
atravessadores
Jorge, o dono do cursinho, é um brilhante advogado que poderia contribuir
para a sociedade redigindo contratos empresariais. Mas descobriu que ganha mais
dinheiro preparando candidatos ao serviço público.
Um dos professores do cursinho de Jorge é Manuel, que também abandonou sua
formação universitária e mudou de ramo. Ao perceber que jamais exercerá a
profissão original, ele pediu desfiliação do respectivo conselho profissional.
Mas não consegue, porque Márcia, funcionária daquele conselho, tem como
missão criar todo tipo de dificuldade às desfiliações e manter em dia a
arrecadação compulsória. Manuel desistiu e vai pagar a contribuição pelo resto
de sua vida profissional, ainda que não se beneficie em nada e pouca satisfação
seja dada pelo conselho profissional acerca do uso desse dinheiro.
O destino de Pedro
As limitações acadêmicas de Pedro o impedem de ser aprovado em concurso
público. Ele vai ser um medíocre professor numa escola de ensino fundamental de
segunda linha (pública ou privada), oferecendo ensino de baixa qualidade às
novas gerações das famílias que não podem pagar por uma escola melhor.
Pedro só conseguiu essa vaga porque há uma reserva de mercado: por lei, as
escolas de ensino fundamental só podem contratar professores com diploma de
nível superior. Fosse permitido contratar universitários, diversos graduandos
em Biologia — mais talentosos e motivados que o diplomado Pedro — estariam em
sala de aula, oferecendo boas aulas às crianças.
Chico, o sindicalista
Chico é um líder talentoso. Dirige uma central sindical que congrega os
sindicatos dos companheiros do Judiciário e dos professores, entre outras
categorias. Chico está em frente ao Congresso Nacional apoiando a greve de
Pedro por melhores salários. Faz um discurso contra os neoliberais, que só
pensam em cortar gastos públicos e arrochar os trabalhadores.
Chico não tem muito do que reclamar (embora, como líder sindical, a sua
especialidade seja, justamente, reclamar): além da remuneração paga pelo
sindicato (e custeada pelo imposto sindical, cobrado obrigatoriamente dos trabalhadores), ele está aposentado pelo INSS desde os 52 anos de idade. Até o
fim da sua vida receberá muito mais do que contribuiu para a Previdência.
Quem sustenta todos
Antônio é tão brilhante quanto João. Daria um excelente engenheiro, mas
nasceu em família pobre e estudou em escola pública. Teve professores
limitados, no padrão de Pedro, e a desorganização administrativa da escola
piorava as coisas: muitas vezes não havia professores em sala. Falta com
atestado médico não dá demissão.
Antônio até conseguiu passar no vestibular de Engenharia em universidade
pública, pelo sistema de cotas, mas sua formação deficiente em Matemática foi
uma barreira intransponível. Abandou o curso, deixando mais horas-aula perdidas
e mais uma vaga ociosa na conta dos pagadores de impostos.
Antônio, porém, é empreendedor. Não se abalou com o insucesso universitário,
aprendeu a consertar eletrônicos por meio de vídeos no YouTube. Montou um
pequeno negócio de manutenção de smartphones e computadores. Seu talento
poderia torná-lo um grande empresário. Mas para crescer ele precisa transferir
sua empresa do regime de tributação Simples para a tributação normal, pagando
impostos muito mais altos, pois o governo precisa de muito dinheiro para pagar
altos salários, para custear a universidade gratuita que desperdiça vagas e
para sustentar escolas públicas que não dão aula, entre outras despesas.
Mesmo assim, o governo permanece em déficit e toma empréstimo para se
financiar, aumentando a taxa de juros. Com impostos altos e crédito caro,
Antônio prefere manter seu negócio pequeno. A grande empresa e seus empregos
morreram antes de nascer.
Conclusão
Nenhum dos personagens acima citados tem comportamento considerado ilegal.
Eles jogam o jogo de acordo com as regras que estão postas. O erro está nas
regras. Mudá-las requer superar as dificuldades das decisões coletivas. Não
mudá-las implica continuar desperdiçando talentos profissionais,
queimando dinheiro público, criando empregos improdutivos, destruindo
empregos produtivos, fazendo com que potenciais permaneçam inexplorados,
mantendo o gasto público excessivo, gerando oportunidades perdidas, e fornecendo incentivos
errados.
Uma parábola de improdutividade.
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