Em 2015, os brasileiros
"conquistaram" mais um grande avanço em busca de uma sociedade mais "justa":
o
direito social ao transporte.
Disposto agora no "visionário"
artigo
6º de nossa Constituição, o transporte hoje está no invejável rol de
direitos que todos os brasileiros usufruem diariamente, graças à bondade de
nossos políticos (com o dinheiro alheio, é claro).
Agora, veja bem: no
Brasil, muito mais pessoas têm
acesso a um aparelho celular do que a um plano
de saúde. Por que é assim? Porque, ao passo que o mercado de aparelhos
celulares se auto-regula e aloca recursos de acordo com as regras de mercado (atenção: estamos falando de aparelhos,
e não de operadoras de telefonia
móvel), os planos de saúde são inteiramente controlados pelas regulações da
ANS (Agência Nacional de Saúde) — uma agência dedicada 100% a garantir
que você receba o melhor tratamento possível.
Você, por acaso, enfrenta
mais incômodos com o seu aparelho celular (novamente, não estamos falando das operadoras, mas sim dos aparelhos) ou com seu plano de saúde? Aliás,
você consegue bancar um
plano de saúde? Toda a necessidade de
se regulamentar os planos de saúde e de criar um sistema de acesso público à saúde
por meio do SUS é
baseada na ideia de direitos sociais.
Os legisladores nos brindaram com um rol de
direitos que transformaria (idealmente) nosso país em um paraíso em terras
tupiniquins. Em tese, temos
direito a tudo: temos o direito social à educação, à saúde, à alimentação, ao
trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência
social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados.
Mas quais desses "direitos"
realmente são cumpridos? Se nossos
legisladores são tão bem intencionados ao nos conceder esses privilégios, por
que nem todos têm acesso a eles?
Você pode fingir que as
leis econômicas não existem, mas isso vai lhe custar caro.
A lei da escassez
Podem os direitos ser
escassos? Se assumíssemos que todo cidadão brasileiro tem "direito" aos serviços
acima definidos, seria possível admitir um cenário em que essas garantias não
seriam cumpridas em razão de uma escassez?
Pensemos nos direitos
individuais delineados em torno da filosofia liberal-clássica: o indivíduo tem
o direito de que não tirem sua vida, não restrinjam sua liberdade, e não
confisquem sua propriedade honestamente adquirida (por isso são conhecidos como
"direitos negativos"). Existe um ponto
em que o direito à sua liberdade torna-se escasso? Ou seja, haveria um momento em
que, por um excesso de demanda, você não mais poderia exercê-lo pelo fato de
ele simplesmente não mais estar disponível?
Por exemplo, quando um
município entra em recessão econômica, e não mais possui recursos financeiros
para manter todas as escolas públicas funcionando, o mesmo acaba por inadimplir
o "direito" de seus cidadãos à educação. Isso nada mais é do que uma
consequência lógica da escassez de recursos.
A escassez de recursos torna o seu "direito" à educação gratuita também escasso.
Por outro lado, será
que você, em alguma situação, perde o seu "direito de que não tirem sua vida"
por este também ser um direito escasso?
Obviamente que não.
O primeiro "direito" exige
que haja uma transferência forçada de recursos (propriedade) de alguns pagadores
de impostos para outros cidadãos. Já o
segundo direito implica apenas que um indivíduo não pode agredir gratuitamente
o outro.
Perspectiva
histórica
Os chamados direitos
sociais podem ser encontrados, no plano internacional, no Pacto dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (ICESCR), datado de 1966 e em vigor desde 1976.
É possível fazer um
paralelo entre o ICESCR e a Constituição da União Soviética de 1936, especificamente
em seu capítulo X. Em ambos os casos, a seção de direitos é aberta com o "direito
ao trabalho", presente no art. 6º do ICESCR e no art. 118 da Constituição Soviética.
Ambos os documentos
enumeram alguns direitos trabalhistas relacionados à previsão anterior, como
descanso, condições saudáveis de trabalho, salários adequados, sindicalização,
entre outros.
Os principais direitos
que chamam a atenção e que caracterizam as bases dos direitos sociais são o
direito à educação (presente no art. 13 do ICESCR e art. 121 da Constituição
Soviética), direito à seguridade social (presente no art. 12 do ICESCR e art.
120 da Constituição Soviética) e o direito à alimentação, vestuário e moradia
(presente no art. 11 do ICESCR, mas ausente na Constituição Soviética de 1936).
Pode-se dizer que esses
direitos sociais constituem o núcleo da teórica segunda geração dos
direitos humanos, de características coletivas (se aplicam a um grupo ou classe),
subjetivas (somente detêm esses direitos aqueles que os "conquistaram") e
positivas (demandam uma prestação externa).

Essa definição é universal,
tanto que a Constituição Brasileira de 1988 reconhece, em
seu artigo 6º, os direitos sociais à educação, à saúde, à alimentação, ao
trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à
maternidade, à infância e à assistência aos desamparados.
Perspectiva
econômica
Sob o ponto de vista da
análise econômica do direito, essas garantias são muito distintas do conceito
presente na "primeira geração"
dos direitos humanos, que são os direitos individuais.
Analisando brevemente a origem filosófica e
jurídica presente no Second Treatise
of Government, de John Locke, que conduziu ao Bill
of Rights norte-americano (de forma mais consistente), e na Déclaration des Droits de l'Homme et Du Citoyen
francesa (de forma mais dispersa), as características de implementação são
muito distintas, se não antagônicas.
Enquanto os direitos
individuais — não ter sua vida tirada, não restringirem sua liberdade, e não
confiscarem sua propriedade honestamente adquirida — exigem, em tese, tão-somente
uma atitude negativa de não-violação, conforme descrito inclusive pelo
documento francês quando afirma que "a
liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo", os
chamados direitos sociais, ao contrário, exigem uma prestação positiva.
É bem verdade que
alguns dos direitos individuais delineados no Bill of Rights norte-americano igualmente exigem prestações
positivas, como, por exemplo, o direito de ser levado a julgamento por um
tribunal de júri, o qual — em uma análise econômica — necessita que recursos
sejam manejados e alocados de forma a garantir a prestação deste serviço pelo estado.
Contudo, a fundamental diferença está no fato de que nenhum direito à prestação
positiva advém senão em decorrência de um fato condicionador e eventual. Razão
pela qual um sistema de
justiça poderia ser autofinanciado.
O mesmo não ocorre
quando se analisa os direitos sociais que, independentemente da condição,
circunstância ou motivação, estão (ou devem estar) à disposição para uso e gozo
dos cidadãos.
Por exemplo, não se faz
necessário que haja um fato atípico para que alguém sob o regime constitucional
de jure da União Soviética usufruísse
o direito à educação; contudo, para que alguém nos EUA usufrua o direito de ser
julgado por um tribunal do júri, faz-se necessário que tenha ocorrido uma
situação atípica eventual, marcada — por exemplo — por uma denúncia ou acusação.
Em si, os direitos sociais
nada mais são do que uma promessa (ou garantia) jurídica de que determinados
recursos serão alocados em favor de um determinado grupo de pessoas, a qual podem
ser consideradas "recipientes".
Sem dúvidas, sob o
ponto de vista da análise econômica do direito, o que mais marca essa
diferenciação entre as duas gerações é que, ao contrário da primeira, os direitos
sociais possuem sua eficácia sujeita a fatores materiais finitos, uma vez que
estão sob a lei econômica de escassez.
Como colocou o economista
Thomas Sowell, "a primeira lição da economia é a escassez (...), e a
primeira lição da política é ignorar a primeira lição da economia."[1]
Em outras palavras,
todos os recursos materiais disponíveis ao ser humano são finitos e, logo, em
algum grau, escassos. Inclusive aqueles necessários para a implantação dos
direitos sociais, ainda que nossos governantes não queiram acreditar, sugerindo
que professores — por exemplo — devem
trabalhar por amor, e não por dinheiro.
O conceito de recursos
aqui abordado não inclui somente os elementos materiais conhecidos pelo
indivíduo, mas também o tempo, o dinheiro e as capacidades corporais e mentais.
Tudo aquilo que pode ser engajado em um processo econômico de trocas é, em si,
um recurso.[2]
Assim sendo, o "direito
à educação" nada mais é do que uma soma de recursos confiscados de terceiros e
alocados para um determinado segmento da população. A estrutura do local de
ensino, o custo e o tempo do profissional são todos elementos econômicos
finitos e, por isso, sujeitos à lei da escassez.
A mesma interpretação
se aplica ao "direito à saúde", que envolveria o confisco de recursos de
terceiros e sua subsequente alocação em fármacos, em infraestrutura hospitalar
e em equipes médicas — e estes itens, por si sós, já são o resultado de uma
série de outros recursos que foram alocados de forma a produzir essa combinação
final, a qual poderia ser considerada um serviço médico de saúde.
A exata mesma lógica se
aplica aos outros direitos sociais, como alimentação, moradia, aposentadoria, e
— não nos esqueçamos — o transporte.
Direitos sociais são,
acima de tudo, uma questão de produção, confisco e alocação de recursos. Já os direitos individuais de primeira
geração, ao contrário, são eminentemente negativos; não exigem uma prestação
positiva.
Conclusão
Enquanto um cidadão
respeita o direito à liberdade de outrem, não se está fazendo nada além de uma
abstenção de sua conduta, sendo que a justiça (pública ou privada), em tese, só
atuaria caso houvesse uma violação desse padrão.
Já quando um cidadão
exerce um "direito social", ele está alocando para si recursos confiscados de
outras pessoas e produzidos por elas.
Seria isso justo?
[1]SOWELL, Thomas. Basic
Economics. 4ª Ed. Nova Iorque: Basic Books, 2007.
[2]
LORENZON, Geanluca. A ANÁLISE ECONÔMICA DOS DIREITOS HUMANOS: O PROCESSO TRIFÁSICO
DE AUTODESTRUIÇÃO HUMANA SOB O SOCIALISMO. Universidade Federal de Santa Maria,
2014.