No dia 10 de janeiro completou-se o primeiro mês de
governo de Mauricio Macri. Até o
momento, a mudança de modelo econômico tem sido uma realidade. Não seria possível enfrentar os desequilíbrios
fiscal, monetário e
cambial se a mesma política econômica fosse mantida.
A nova
equipe econômica não tardou a oferecer sinais claros e a avançar em várias
frentes de uma só vez. Mas o que foi
feito e o que falta fazer?
Começando pela frente fiscal, o governo argentino
eliminou as "retenções" (taxação média de 30% das exportações) para
a indústria e para os
produtos agropecuários, exceto a soja, cuja tarifa
de exportação foi reduzida de 35 para 30%.
Tais medidas foram feitas com o intuito de recuperar
as economias regionais melhorando os incentivos à produção, tanto pela redução da
carga tributária que incidia sobre o setor quanto pela abolição do "cepo cambiário".
[N. do E.: O cepo cambiário consistia no controle do
mercado de dólares pelo governo, que dificultava a compra de dólares para importações
e obrigava os exportadores a converter os dólares de suas exportações em pesos
a uma taxa artificialmente valorizada, o que diminuía as receitas em peso; o
Banco Central pagava aos exportadores somente 63% do valor de seus produtos
vendidos para o exterior. Na prática, se
um exportador argentino vendesse um produto que custasse US$ 100, o Banco
Central argentino iria lhe pagar somente 954 pesos quando ele fosse trocar os
dólares por pesos. No entanto, se o
Banco Central respeitasse o preço de mercado do dólar, ele deveria pagar ao
exportador 1.512 pesos. A inevitável consequência
dessa medida foi estimular os produtores a estocar sua produção e vendê-la no
mercado paralelo]
Ambas as medidas incentivaram os produtores a
desestocar seus produtos e a vendê-los maciçamente para o mercado externo,
trazendo dólares para o país e, com isso, trazendo alívio para as debilitadas
reservas internacionais do Banco Central argentino.
Se considerarmos que tal medida reverteu
o contínuo e diário declínio das reservas internacionais, retornando-as a
valores que trazem um pouco mais de tranquilidade, o impacto foi positivo. No entanto, o ingresso de dólares não correspondeu
às expectativas da nova diretoria do Banco Central e nem do governo.
E por que não corresponderam às expectativas? Porque ainda há uma forte sensação de que a liberação
da taxa de câmbio ainda não aconteceu por completo, de modo que, em março deste
ano, quando vários contratos futuros vencerem, espera-se uma nova desvalorização
cambial. Consequentemente, ainda há produtores
estocando suas mercadorias esperando um câmbio mais propício para exportar.
[N. do E.: vale ressaltar que, sob o governo
Kirchner, os produtores argentinos viviam sob o pior dos mundos: produziam sob
os efeitos de um câmbio desvalorizado — o qual gerava grande inflação de
custos —, mas exportavam utilizando um câmbio artificialmente valorizado,
controlado pelo governo. Ou seja, eles arcavam
com uma grande inflação de custos, mas não tinham receitas de acordo. Daí a sua esperança de mais desvalorização
cambial: eles já arcaram com os custos de uma moeda fraca; agora querem ao
menos auferir algumas receitas adicionais].
Alguns analistas, no entanto, afirmam que a atual
taxa de câmbio — que
está ao redor de 13,50 pesos por dólar — já é a taxa de mercado, e que o
governo não a estaria segurando. Porém,
isso não parece ser verdade: quando se observa as altas taxas de juros (taxas
pré-fixadas) que os
bancos estão pagando sobre os depósitos a prazo fixo, que representam uma
alternativa à demanda por dólares (boa parte dos argentinos poupa em dólares),
nota-se que há uma nova desvalorização sendo esperada e precificada. Não houvesse tal expectativa, os bancos não estariam
ofertando juros tão altos para convencer as pessoas a abrir mão dos dólares e a
manter suas poupanças em pesos.
Ainda no âmbito fiscal, há também que se destacar o
cumprimento de outra promessa de campanha: a
abolição do imposto de renda para trabalhadores que ganham até 30 mil pesos. A medida é justa e é popular, mas é
importante que seja acompanhada de uma medida equivalente de corte de
gastos. Dado o enorme
déficit fiscal do governo, essa queda na arrecadação deveria ser compensada
por uma redução imediata nos subsídios. Tal
medida, aliás, também foi anunciada, mas ainda não se tem notícias de sua implantação.
No âmbito monetário, o Banco Central vem se
utilizando de dois instrumentos clássicos para conter a inflação: de um lado, elevou
as taxas de juros para 38%; de outro, vem absorvendo
pesos por meio da emissão de títulos [N. do E.: na Argentina, ao contrário
do Brasil e de praticamente todo o mundo, o Banco Central emite títulos próprios]. Ainda assim, os analistas estimam uma inflação
de preços para 2016 da ordem de 35%. O Banco
Central, por sua vez, estima um aumento de "apenas" 20%.
E por que o governo não ataca a inflação de maneira
mais radical? Minha interpretação é que
o governo sabe que não há outra maneira de reduzir o gasto público que não seja
por meio da inflação. Dado que é impossível
reduzir o salário nominal do funcionalismo público, dado que é
praticamente impossível demitir [N. do E.: no entanto, Macri conseguiu demitir
10 mil funcionários públicos que haviam sido contratados irregularmente por
Cristina Kirchner], e dado que o setor público argentino está hipertrofiado, a única
maneira viável de reduzir os gastos do governo é por meio de uma redução nos salários reais do funcionalismo público gerada
pela inflação.
Ou seja, se os analistas estiverem corretos e a inflação
de 2016 ficar próxima de seus prognósticos (35%), e se o governo conseguir
acordar com os sindicatos dos funcionários públicos um aumento salarial da
ordem de 20 a 25%, essa queda real nos salários permitirá avançar no requerido
ajuste fiscal que todos os analistas conclamam.
Resumindo: uma baixa taxa de inflação não parece ser
prioridade em 2016, mas sim parte do programa gradualista que o governo vem
implantando.
Já no âmbito cambial, além de tudo o que já foi
dito, a nova administração aposta em gerar um forte ingresso de divisas que
somente poderá ocorrer caso haja uma completa guinada na política de comércio
exterior. A esse respeito, Mauricio
Macri está levando adiante uma ampla agenda política internacional que começou com
um questionamento ao eixo bolivariano — pediu a suspensão
da Venezuela do Mercosul —, e seguiu com a anulação do polêmico acordo
com o Irã. Adicionalmente, ampliou
os laços dentro do Mercosul com o Brasil e com o Uruguai, além do Chile, e reatou
vínculos com a Uniao Europeia e com os Estados Unidos. Aceitou o veredito da Organização Mundial do
Comércio quanto
às restrições às importações e ofereceu sinais claros de seu desejo de
atrair capitais.
A ala liberal segue reclamando de sua reticência em
atacar o desatinado
gasto público e seu consequente déficit fiscal. A notícia
que chamou a atenção nos últimos dias, no entanto, foi o gesto da
vice-presidente Gabriela Michetti de demitir
2.035 apaniguados do Senado por decreto, alertando que os ministros irão tomar
medidas semelhantes para erradicar do estado as estruturas políticas formadas
por "militâncias do kirchnerismo".
A medida, que se somou a outras demissões em outros
organismos até então aparelhados pelos Kirchner, como o Banco
Central e o Centro
Cultural Nestor Kirchner, é apenas uma gota no oceano, quando se leva em
conta os mais de dois milhões de funcionários públicos nomeados durante o
kirchnerismo no governo nacional, em províncias e em municípios. No entanto,
ainda há a esperança de que haverá ajustes nos gastos públicos tão logo se
complete a auditoria geral dos organismos públicos.