quarta-feira, 24 mar 2021
Qual é a definição técnica de estado? O que uma
instituição deve ser capaz de fazer para ser classificado como um estado?
Essa instituição deve ser capaz de fazer com que todos os
conflitos entre os habitantes de um dado território sejam trazidos a ela para
que tome a decisão suprema e dê sua análise final.
Mais ainda: deve ser capaz de fazer com que todos os
conflitos envolvendo ela própria sejam decididos por ela ou
por seus funcionários.
Ou seja, o estado é um agente que detém o monopólio da
tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito dentro de um território. Esse agente, por definição, tem o poder de
proibir todos os outros de agirem como juiz supremo.
Baseando-se nessa definição de estado, é fácil entender por
que existe um desejo de se controlar um estado: quem quer que detenha o
monopólio da arbitragem final dentro de um dado território tem o poder de fazer as
leis. E aquele que pode legislar, inclusive em causa própria,
está em uma posição invejável.
A partir do momento em que passa a existir uma instituição
que detenha o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de
conflito, essa instituição também irá definir quem está certo e quem está
errado em casos de conflito em que os próprios
membros desta instituição estejam envolvidos.
Ou seja, ela não apenas é a instituição que decide quem está
certo ou errado em conflitos entre terceiros, como ela também é a instituição
que irá decidir quem está certo ou errado em casos em que seus próprios membros
estejam envolvidos.
Uma vez que você percebe isso, então se torna imediatamente
claro que tal instituição não apenas pode, por si mesma, provocar conflitos com
cidadãos comuns para em seguida decidir a seu favor quem está certo e quem está
errado, como também pode perfeitamente absolver todos os seus membros que
porventura tenham sido flagrados em delito.
Isso pode ser exemplificado particularmente por instituições
como o Supremo Tribunal Federal. Se um indivíduo incorrer em algum
conflito com uma entidade governamental, ou se algum membro do aparato estatal
for flagrado em delito, o tomador supremo da decisão — aquele que vai decidir
sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que nada mais é do que
o núcleo da própria instituição que está em julgamento.
Assim, é claro, será fácil prever qual será o resultado da
arbitração desse conflito: o estado sempre estará certo.
Consequentemente, é fácil perceber a falácia fundamental
presente na construção de uma instituição como o estado.
A insustentável defesa do estado
O mais sofisticado argumento em favor do estado deve ser
brevemente examinado. Desde Hobbes, este argumento tem sido repetido
incessantemente.
Funciona assim: no estado natural das coisas, antes do
estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos permanentes. Todos
alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras intermináveis. Não há
como sair dessa situação instável por meio de acordos; pois afinal quem
iria fazer cumprir esses acordos? Sempre que a situação
se mostrasse vantajosa, um ou ambos os lados iriam quebrar o acordo.
Logo, as pessoas reconheceram que há somente uma solução
para o desideratum da paz: o estabelecimento, por
consentimento, de um estado — isto é, de uma entidade externa e independente,
que assumiria a função de fiscal e juiz supremo.
Porém, se essa tese está correta, e os acordos requerem um
fiscal externo que os torne vinculantes, então um estado criado por
consentimento nunca poderá existir. Pois, para fazer cumprir o próprio
acordo do qual resultará a formação de um estado (tornar esse mesmo acordo
vinculante), um outro fiscal externo, um estado anterior, já teria de
existir. E para que esse estado tenha podido existir, um outro estado
anterior a ele deveria ter sido postulado, e assim por diante, em uma regressão
infinita.
Por outro lado, se aceitarmos que estados existem (e é claro
que eles existem), então esse próprio fato contradiz a história
hobbesiana. O estado em si surgiu sem a existência de
qualquer fiscal externo. Presumivelmente, na época do suposto acordo,
nenhum estado anterior existia para arbitrar esse acordo.
Ademais, uma vez que um estado criado por consentimento
passa a existir, a ordem social resultante continua sendo autoimposta.
Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo só pode ser tornado
vinculante por uma entidade externa. Entretanto, o próprio estado não está vinculado da mesma forma a um
fiscal externo.
Não existe absolutamente nenhuma entidade externa para
mediar conflitos entre agentes do estado e súditos do estado; da mesma forma,
não há nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre os próprios agentes
do estado ou entre as próprias agências do estado. Pior ainda: não há agente
externo para punir os próprios integrantes do estado que incorreram em delito.
Sempre que houver conflitos judiciais entre o estado
e seus cidadãos, entre uma agência do estado e outra agência do estado, ou
entre membros do estado, tais acordos serão mediados apenas pelo
próprio estado.
O estado não está vinculado a nada exceto às suas
autoimpostas regras, isto é, às restrições que ele se impõe a si mesmo.
Em relação a si próprio, o estado ainda está no estado natural de anarquia
caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não há na
hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.
Mais ainda: se aceitarmos a ideia hobbesiana de que a
fiscalização de regras mutuamente consentidas requer um agente externo
independente, isso por si só iria descartar a hipótese da criação de um
estado. De fato, tal ideia constitui um argumento conclusivo contra a
instituição de um estado, isto é, de um monopolista da
arbitração e da decisão suprema.
Pois teria de existir uma entidade independente para
arbitrar todos os casos que envolvessem algum agente do estado e eu (um cidadão
privado), ou que envolvessem apenas agentes do estado.
Da mesma forma, teria de haver uma entidade independente
para todos os casos que envolvessem conflitos intraestado (e teria de haver uma
outra entidade independente para o caso de conflitos entre várias entidades
independentes).
Porém, isso significa, é claro, que tal estado (ou qualquer
entidade independente) não seria um estado no sentido estrito do termo, mas
simplesmente uma de várias agências arbitradoras de conflitos, operando em
ambiente de livre concorrência.
Conclusão
Quase todas as pessoas estão convencidas de que o estado é
uma instituição necessária. Sendo assim, é bastante duvidoso que a batalha
contra o estado possa ser vencida de maneira tão fácil quanto parece ser no
nível teórico e intelectual.
No entanto, a própria existência do estado é, em si mesma, uma
contradição jurídica. Contra esse fato ainda não foram apresentados argumentos
lógicos.
Sendo assim, resta-nos apenas nos divertir um pouco à custa
de nossos oponentes defensores do estado. Para isso, sugiro que você
persistentemente os confronte com a seguinte charada: imagine um grupo de
pessoas sempre alertas à possibilidade do surgimento de conflitos; e então eis
que alguém propõe, como solução a este eterno problema humano, que ele próprio
se torne o arbitrador supremo de todos os casos de conflito, inclusive daqueles
em que ele mesmo esteja envolvido.
Estou certo de que ele será considerado um piadista ou
alguém mentalmente perturbado. Entretanto, é exatamente isso que todos os
estatistas propõem.
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