quarta-feira, 14 out 2015
Na semana passada, foi
fechado o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica, também chamado de
Parceira Transpacífico (TPP, em sua
sigla em inglês) entre EUA, Canadá, México, Peru, Chile, Japão, Austrália,
Nova Zelândia, Vietnã, Malásia, Brunei e Cingapura.
Este está sendo anunciado como um dos tratados de
"livre comércio" mais ambiciosos da história, e seria apenas o prenúncio do
ainda mais importante Acordo
de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, em sua sigla
em inglês) entre EUA e União Européia.
Em princípio, acordos de livre comércio são uma
notícia magnífica. Os economistas, há
mais de dois séculos, já provaram que a cooperação econômica internacional
permite fazer prosperar todos
os envolvidos: mais liberdade comercial significa maior produtividade,
menores custos, maiores investimentos e, em definitivo, maior bem-estar. Países que abrem suas economias expõem seus
empreendedores ao mercado global, algo que os obriga a ser eficientes,
inovadores e ousados. De quebra, todo o país é obrigado a melhorar suas
referências em educação e a aperfeiçoar seu ambiente burocrático, diminuindo
impostos e regulamentações, e aprimorando sua infraestrutura.
Já as barreiras ao comércio e todo o tipo de
protecionismo, ao contrário, não apenas pioram o padrão de vida dos cidadãos,
como também são apenas subterfúgios para privilegiar exclusivamente aqueles
grupos de interesse (empresários poderosos e grandes sindicatos que não querem
concorrência estrangeira) que possuem ligações estreitas com o governo.
Por essa perspectiva, o TPP e o TTIP deveriam ser
considerados instrumentos formidáveis para o progresso econômico dos EUA, da
Europa e dos demais países signatários.
Porém, como sempre acontece, o diabo está nos
detalhes.
Páginas
e páginas com regulamentações
Em primeiro lugar, o texto do acordo simplesmente não
foi disponibilizado para o público, e não o será pelos próximos 4 anos. No entanto, de acordo com o Office of the
Unites States Trade Representative [agência responsável por criar e
desenvolver políticas comerciais norte-americanas], o tratado é um calhamaço de
mais de mil páginas que especificam inúmeras regulamentações para os
participantes. Há capítulos específicos
para nada menos que 22 assuntos, dentre eles leis ambientais, patentes, compras
governamentais, novas regulamentações para o e-commerce, políticas específicas
para o setor de têxteis, políticas específicas para o setor de remédios, regras
sobre a origem de produtos, exigências de verificação, e a imposição de leis
trabalhistas (o Vietnã será
obrigado a criar sindicatos).
Isso ilustra aquilo que Ludwig von Mises já
havia apontado meio século atrás: o enfoque desses acordos comerciais há
muito deixou de ser a liberalização comercial (que significa simplesmente a
remoção de toda e qualquer tarifa de importação e barreira comercial) e passou
a ser a regulação comercial. Acordos de
"livre comércio" nada mais são do que acordos que implantam um comércio
regulado e dirigido pelos governos em prol de grupos de interesse poderosos
(grandes empresários ligados ao governo e grandes sindicatos).
Como disse Mises "cada país possui um sistema de
privilégios variados para cada grupo de interesse... [e] nenhum desses
privilégios funcionaria caso países estrangeiros pudessem livremente ofertar
produtos para esse mercado doméstico".
Acordos comerciais apenas ampliam o poder
regulatório dos governos e sua capacidade de conceder mais privilégios.
O TPP, como todos os outros acordos comerciais desse
tipo, foi criado para servir aos interesses estratégicos dos governos
envolvidos, e nada tem a ver com a abertura de novas oportunidades para um
livre comércio entre os cidadãos comuns dos países envolvidos (os quais são
tributados para financiar os governos envolvidos nesse esquema).
Não é à toa que grandes
interesses corporativos já demonstraram resoluto apoio a esse tratado
(dica: sempre que grandes empresas — normalmente avessas a qualquer tipo de
concorrência — demonstram apoio a um "tratado de livre comércio", pode saber
que não há nada de "livre" nesse comércio).
E isso é fácil de entender: grandes empresas possuem os recursos e a
influência necessários para alterar e moldar esses acordos de modo a saírem
favorecidas. Já pequenas e médias
empresas irão apenas ter de lidar com maiores restrições.
Mesmo regulamentações que, à primeira vista, parecem
ruins para grandes empresas (pois impõem mais custos), acabam sendo boas, pois,
se são caras para grandes empresas, são praticamente inviáveis para as
pequenas, o que reduz em muito qualquer perigo de concorrência para as grandes.
O que nos leva ao segundo item.
Barreiras
não-tarifárias
No mundo atual, os principais obstáculos ao livre comércio internacional não estão na forma de tarifas de
importação, mas sim nas chamadas "barreiras não-tarifárias" (regulamentações
nacionais que encarecem enormemente a importação de produtos estrangeiros:
licenças, regulações técnicas ou fitossanitáarias, regras de origem, legislação
antitruste, controles de preços, patentes, monopólios regionais etc.). Um verdadeiro tratado de livre comércio
deveria não apenas eliminar todas as tarifas de importação, como também reduzir
ao máximo a influência deformadora de todas estas barreiras não-tarifárias.
Como era de se esperar, os novos tratados comerciais, como o TTP e o TTIP,
buscam apenas padronizar custosas normas e regulações para todos os países
membros, o que em muitos casos pode aumentar
as barreiras não-tarifárias.
Por exemplo, o TPP amplia a todos os signatários o modelo americano de
gestão de conteúdos de internet. Por
esse modelo, qualquer provedor está obrigado a retirar da internet todo e
qualquer material que porventura receba uma queixa dos usuários. Para grandes empresas, tal norma é
relativamente fácil de ser cumprida. Mas
para as pequenas startups dos países mais pobres, haverá um notável incremento
dos custos online, o que afetará sua competitividade.
Adicionalmente, o TPP obriga todos os signatários a aprovar normas de
salário mínimo, a ampliar o regime de patentes dentro de suas economias (o que
pode encarecer sobremaneira os custos de produção e limitar a concorrência), e
a adotar normas ambientalistas mais rígidas (em conformidade com a
americana). E há também, como já dito, o
caso do Vietnã, que agora terá
de ter sindicatos.
Dito de outra maneira, com a desculpa de estarem "harmonizando" e
"padronizando" as regulamentações entre todos os países, os tratados de "livre
comércio" podem multiplicar os custos regulatórios de alguns de seus membros e,
com isso, solapar suas vantagens competitivas: a barreiras tarifárias são
reduzidas, mas as barreiras não-tarifárias são elevadas.
Não é de se estranhar que seja justamente Obama um grande entusiasta deste
acordo.
Alijando a China
No que mais, tais tipos de tratado também têm a intenção de alterar
politicamente os fluxos comerciais globais: se, por um lado, podem reduzir
tarifas de importação entre os signatários, por outro, e indiretamente, também
podem aumentar as tarifas de importação de todos os não-signatários.
Por exemplo, suponha que os cidadãos da Malásia estivessem importando
veículos da Alemanha a uma tarifa de importação de 10%. Com a adesão ao TTP, os automóveis americanos
terão agora tarifas menores, mas os da Alemanha não. Consequentemente, as fabricantes alemãs
deixariam de exportar para a Malásia em benefício das americanas (as quais não
eram as preferidas dos malaios). Sendo
assim, fica claro que o TTP é claramente um tratado firmado contra a China: o gigante
asiático é o grande ausente deste acordo que parece ter sido elaborado com
o claro propósito de garantir mercados cativos para as exportadoras dos EUA (em
detrimento das da China). Promover um
verdadeiro livre comércio multilateral não é e nem nunca foi o objetivo.
Conclusão
Economistas canadenses fizeram seus cálculos e concluíram
que, ao contrário do que diz o governo canadense, o TPP não trará reduções nem
nos preços dos supermercados e nem nos preços dos automóveis. Se um acordo comercial não faz nada para
realmente baratear preços e aumentar a oferta de bens e serviços para o
público, então ele realmente não tem nada a ver com livre comércio.
Embora estes tratados de "livre comércio" possam até se inspirar em
princípios corretos, e embora alguns países signatários possam realmente obter
ganhos líquidos, sua implantação é mais do que criticável: eles não deveriam
servir nem para instituir novas barreiras não-tarifárias e nem para criar fortalezas
protecionistas frente a terceiros.
Donde se conclui que o verdadeiro mecanismo para se gerar o tão benéfico
livre comércio não são estes tratados governamentais, mas sim o caminho muito
mais simples que seguiu a Inglaterra durante a segunda metade do século XIX: a
desregulamentação e abolição unilateral das tarifas de cada país perante todo o
resto do mundo.
Um genuíno acordo de livre comércio deve, por definição, ser curto e até
mesmo unilateral. Todas as barreiras ao
livre trânsito de mercadorias e capitais deveriam ser extintas. E ponto.
Apenas isso é livre comércio. Não
são necessários tratados e nem acordos.
Apenas a abolição irrestrita de barreiras, tarifas e imposições
governamentais.
O último e mais importante efeito do TPP é que, quando ele fracassar em
criar os seus supostos benefícios — e o TPP, com efeito, não fará nada para
promover uma maior e mais ampla divisão do trabalho —, o mercado será o bode
expiatório, como sempre. E o governo
será novamente chamado para corrigir essa "falha de mercado".
Parafraseando Elinor Dashwood (do livro Razão e Sensibilidade, de Jane Austen), o mercado sofrerá a
punição de um acordo comercial mal feito sem nem jamais ter usufruído qualquer
vantagem dele.
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Leia também:
Acordos de livre comércio
envolvem muito mais "acordos" do que "livre comércio"
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Juan
Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana e
professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em
Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
Carmen Dorobat,
pós-doutoranda em economia na Universidade de Angers e professora na Bucharest
Academy of Economic Studies.