No dia 9 de setembro, o governo brasileiro teve sua nota de
crédito
rebaixada pela
agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P). Com isso, o
país perdeu seu grau de investimento — ou seja, status de bom pagador — e
entrou no grau especulativo. A nota caiu de BBB- para BB+.
Para piorar, a S&P ainda deixou em "perspectiva
negativa", o que significa que novos rebaixamentos podem vir.
E, como cereja do bolo, houve ramificações. Desde
aquele dia, a S&P também já
rebaixou mais de 85 empresas e instituições financeiras do país, o que
significa que agora essas empresas terão mais dificuldade para conseguir financiamento
no estrangeiro — os investidores estrangeiros estarão menos dispostos a
comprar seus papeis ou a lhes emprestar dinheiro —, fazendo com que elas
tenham de pagar juros maiores.
O país usufruiu esse grau de investimento por 8 anos, mas o
perdeu em decorrência da bagunça fiscal criada pelo
governo nos últimos 5 anos. Para completar, a total baderna em
que se encontra o cenário político do país — citada pela S&P como um dos
fatores determinantes para sua decisão — faz com que tudo seja ainda mais
difícil de ser resolvido.
Mas tudo pode piorar.
Agora, no dia 9 de dezembro, a Moody's veio a público anunciar
que colocou
a nota do Brasil em revisão para um possível rebaixamento. Se isso se concretizar, o Brasil perderá o
grau de investimento por uma segunda agência internacional de classificação de
risco.
Ao passo que, neste ano de 2015, as finanças do governo amargam desastrosos
resultados inéditos, a própria equipe econômica do governo já avisou que,
para o ano de 2016, o desastre seguirá intacto: haverá um déficit
primário de R$ 30,5 bilhões.
Como consequência, a dívida bruta do país não pára de subir:
estava em 51% do PIB ao final de 2011 e bateu em 66% ao final de outubro passado.
Por causa de suas regras internas, vários fundos de pensão
estrangeiros são proibidos de comprar papeis classificados como sendo
"grau especulativo". Por pior que tenha sido a decisão da
Standard & Poor's, o fato de as outras duas agências de classificação de
risco — Fitch Ratings e Moody's Investors Services — ainda terem mantido o
grau de investimento do Brasil fez com que o impacto da decisão da Standard &
Poor's fosse limitado.
Porém, caso as outras duas agências também venham a rebaixar
o Brasil, as consequências podem ser devastadoras. A venda maciça de
ativos brasileiros irá derrubar (ainda mais) seus preços e, consequentemente,
seus valores em bolsa, que já estão nos mínimos. A saída de capitais irá
afetar ainda mais a taxa de câmbio, gerando todas as desastrosas consequências
esmiuçadas neste
artigo (que vão desde o encarecimento dos alimentos básicos e dos
remédios até a destruição das indústrias e de outras empresas que dependem de
tecnologia).
Mas tal cenário ainda pode ser evitado. E a única
maneira de se fazer isso é por meio de um profundo corte de gastos do
governo.
Gastos do governo são um fardo para a economia
Quando se fala em corte de gastos, os economistas
desenvolvimentistas e de todas as vertentes keynesianas imediatamente gritam
que tal medida é recessiva. A máxima deles, a qual sempre foi incorporada
por nossa mandatária, é a de que "despesa
corrente é vida".
Nada mais falso. Dizer que gastos do governo geram
crescimento econômico é um grande paradoxo. O governo, por definição, não
produz nada. Ele não tem recursos próprios para gastar. O governo
só pode gastar aquilo que antes ele confiscou via tributação ou tomou
emprestado via emissão de títulos do Tesouro.
Ao tributar, o governo toma aquele dinheiro que poderia ser
usado para investimentos das empresas ou para o consumo das famílias, e
desperdiça esse dinheiro na manutenção da sua burocracia. A tributação
nada mais é do que uma destruição direta de riquezas. Parte daquilo que o
setor privado produz é confiscado pelo governo e desperdiçado em maracutaias,
salários de políticos, agrados a lobistas e em péssimos serviços
públicos. Esse dinheiro confiscado não é alocado em termos de mercado, o
que significa que está havendo uma destruição da riqueza gerada.
Ao tributar, o governo faz com que capacidade futura de
investimento das empresas seja seriamente afetada, o que significa menor
produção, menor oferta de bens e serviços no futuro, e menos contratação de
mão-de-obra.
Ao tomar empréstimos — ou seja, emitir títulos —, o governo
se apropria de dinheiro que poderia ser emprestado para empresas investirem ou
para as famílias consumirem. O governo dificulta e encarece o acesso das
famílias e das empresas ao crédito. Mais ainda: a emissão de títulos gera
o aumento da dívida do governo, cujos juros serão pagos ou por meio de mais impostos
ou por meio de mais lançamento de títulos.
Para piorar, quando o governo emite títulos, quem compra
esses títulos é o sistema bancário. Como ele compra? Criando dinheiro do nada,
pois opera com reservas fracionárias. Ou seja, a atual forma de
financiamento do governo é inerentemente inflacionária. Em decorrência do
peculiar funcionamento do sistema bancário, quando o governo se endivida, isso
gera inflação monetária, o que piora ainda mais a situação de empresas e famílias.
O gráfico abaixo mostra o total do endividamento do governo
federal. Ou seja, grosso modo, o gráfico abaixo mostra todo o dinheiro
que poderia ter sido utilizado em investimentos, mas que foi apropriado pelo
governo para manter sua burocracia.

Gráfico 1: dívida total do governo federal
Para se ter uma melhor perspectiva do gráfico acima, vejamos
o tanto que o governo gastou a mais do que arrecadou. O gráfico abaixo mostra a
evolução do déficit nominal do governo (tudo o que o governo gasta, inclusive
com juros, além do que arrecada).

Gráfico 2: evolução do déficit
nominal do governo federal
O descalabro atual — que começou realmente ao final de 2011
— é inaudito.
Aliás, vendo o gráfico acima, vale perguntar: há alguma austeridade ocorrendo?
(O surto ocorrido pontualmente em 2009 se deveu à recessão
daquele ano, que fez com que as receitas do governo caíssem).
Vale repetir: os déficits orçamentários do governo são
financiados pela emissão de títulos do Tesouro, os quais são majoritariamente
comprados pelos bancos por meio da criação de
dinheiro. Portanto, os déficits do governo são uma medida inerentemente
inflacionária.
Enquanto os déficits não forem atacados, não há grandes
chances de a atual carestia — o
IPCA acumulado em 12 meses está em 10,5% — arrefecer.
Por tudo isso, é crucial que o governo seja o menor
possível. Quanto maior for o governo, maiores serão seus gastos.
Quanto maiores forem seus gastos, maiores terão de ser os impostos e o
endividamento do governo. Quanto maiores forem os impostos, menores serão
os incentivos ao investimento e à produção. Quanto maior for o
endividamento do governo, maiores serão as oportunidades perdidas em
investimentos que não puderam ser feitos (porque o governo se apropriou desse
dinheiro que poderia ter sido emprestado para o setor privado), maiores serão
os gastos com juros, e maior terá de ser a carga tributária para arcar com
esses gastos com juros.
Adicionalmente, quanto maiores forem os gastos, maiores
tendem a ser os déficits orçamentários do governo. E, quanto maiores os déficits, maior a pressão
sobre os preços — e mais investimentos produtivos deixarão de ser feitos, pois
o governo estará sugando todo o dinheiro disponível para se financiar.
Quando políticos falam que irão aumentar os gastos, o que
eles realmente estão dizendo é que irão aumentar os custos sobre os indivíduos
produtivos, que são aqueles que arcam com o ônus dos impostos. Aumentar
os gastos do governo equivale a aumentar os custos sobre aqueles que levantam
cedo e vão trabalhar.
Quem afirma que gastos do governo geram crescimento está
afirmado que tomar dinheiro de uns para gastar com outros pode enriquecer a
todos. Está afirmando que tirar água da parte funda da piscina e jogá-la
na parte rasa fará o nível geral de água na piscina aumentar.
A austeridade correta
No entanto, é necessário ser bem claro: quando o governo
corta gastos, de fato há quem saia prejudicado.
O exemplo mais claro seria o de funcionários públicos que
tivessem seus salários reduzidos. Isso é muito raro, mas pode
ocorrer. As empresas que possuem como clientes principais um grande
número de funcionários públicos seriam atingidas. Pense em um restaurante
chique de Brasília que tem como clientela o pessoal das agências
reguladoras. Se as agências fossem abolidas (sonhemos um pouquinho), as
receitas desse restaurante cairiam. Da mesma forma, se o número de
deputados e senadores diminuísse, o Piantella poderia ir à falência.
Esse foi um exemplo visualmente fácil de ser
entendido. Há outros menos claros. Por exemplo, cortes de gastos do
governo irão afetar as várias empresas que só sobrevivem porque possuem
contratos de prestação de serviços junto ao governo. Empresas
terceirizadas por estatais e empreiteiras que fazem obras para o governo são os
exemplos mais claros. Há também as várias atividades econômicas que
recebem subsídios e que, sem estes subsídios, teriam de se virar, cortar gastos
e demitir pessoas.
O que todas estas atividades têm em comum é que elas só
sobrevivem e só são lucrativas com a muleta do governo. Isso faz com que
elas sejam classificadas como atividades econômicas insustentáveis.
São atividades que não dependem da demanda voluntária do consumo privado
para sobreviver. Uma vez cortado o fluxo de dinheiro governamental, elas
perdem sustentação e definham.
Elas não necessariamente irão quebrar, pois podem se
reestruturar e mudar seu enfoque de mercado. Mas estão indiscutivelmente
sobredimensionadas, e a prova disso é que só mantêm seus atuais lucros com
dinheiro repassado pelo governo. Elas são, portanto, atividades que
absorvem recursos e capital da sociedade. Elas não produzem; elas
consomem.
Uma redução nos gastos do governo, portanto, possui este
efeito salutar sobre a economia. Faz com que empresas que consomem
recursos e que produzem apenas de acordo com demandas políticas tenham de ser
enxugadas. Empresas que só sobrevivem devido aos gastos do governo não
produzem para consumidores privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos, mas
produzem para o estado. Elas não utilizam capital de maneira produtiva,
de forma a atender os genuínos anseios dos consumidores privados: ao contrário,
elas utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos mas produzem apenas
para servir a anseios políticos. Em suma, não agregam à sociedade.
Por definição, subtraem dela.
Este tipo de atividade econômica privada que só sobrevive
por causa dos gastos do governo é idêntico àquelas outras atividades privadas
que só são lucrativas quando está havendo uma forte expansão do crédito.
Quando o crédito é farto e barato, e a demanda por imóveis é crescente, várias
construtoras e várias imobiliadoras apresentam lucros estratosféricos.
Porém, quando o crédito encarece — ou quando os consumidores já estão muito
endividados — e a demanda cai, os lucros viram prejuízos.
Um corte de gastos do governo gera idêntico efeito sobre
empresas que possuem o governo ou funcionários do governo como principal
cliente.
E por que isso seria bom? Porque, ao falirem, essas
empresas liberam mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser utilizados
mais eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão no mercado
para realmente atender às demandas dos consumidores. Por isso, é
essencial que, ao cortar gastos, o governo também reduza impostos.
Isso não apenas irá dar mais poder de compra às pessoas, como também irá
permitir que as empresas produtivas tenham mais capital e, consequentemente,
possam contratar mais pessoas.
Tendo estes conceitos em mente, há quatro maneiras de se
fazer austeridade:
1) Aumentar impostos e cortar gastos;
2) Aumentar impostos e manter gastos inalterados e;
3) Manter impostos inalterados e cortar gastos;
4) Reduzir impostos, e cortar gastos em uma intensidade
maior do que o corte de impostos;
A primeira é a que gera uma recessão mais intensa. De
um lado, o corte de gastos debilita aquelas empresas que dependem do governo, o
que é bom; mas, de outro, o aumento de impostos confisca ainda mais capital da
sociedade, mais especificamente do setor produtivo, que é justamente quem
absorveria a mão-de-obra demitida das empresas que faliram em decorrência dos
cortes de gastos do governo.
Você tem, portanto, o pior dos dois mundos. Aumento do
desemprego, população com menor poder de compra, e setor privado sem capital
para contratar. É isso que alguns países europeus fizeram.
A segunda maneira, ao contrário do que se supõe, é a
pior. O governo aumenta o confisco do capital do setor privado, mas
continua dando sustentação às empresas ineficientes, que também consomem
capital do setor produtivo. A recessão neste caso é menos intensa, mas os
desequilíbrios de longo prazo não são corrigidos. A economia fica com
menos capital, mas as empresas ineficientes seguem firmes, pois seu cliente é o
governo, que continua gastando. No final, tal medida serviu apenas para
aumentar o consumo de capital de toda a sociedade.
A terceira maneira é melhor que a primeira e a
segunda. O governo continua confiscando capital, é verdade, mas ao menos
liberou outros recursos por meio da falência de empresas que só sobreviviam em
decorrência de seus gastos. Em termos de recessão, tende a ser mais
branda que a primeira e semelhante à segunda.
A quarta maneira é a maneira correta de se fazer
austeridade. A redução de gastos do governo faz com que empresas
ineficientes que dependem do governo sejam enxugadas (ou quebrem) e liberam
mão-de-obra e recursos escassos para empreendimentos produtivos e genuinamente
demandados pelos cidadãos. E as empresas responsáveis por esses empreendimentos
produtivos terão mais facilidade para contratar essa mão-de-obra demitida
porque, em decorrência da redução nos impostos, elas agora têm mais capital e
seus consumidores, mais poder de compra.
Além de não provocar uma recessão profunda — haverá recessão
apenas se o governo impuser medidas que retardem a realocação de mão-de-obra de
um setor para o outro (por exemplo, aumentando o seguro-desemprego ou o salário
mínimo, ou impondo altos encargos sociais que encareçam o processo de demissão
e contratação) —, esta maneira é a única que reduz duplamente o desperdício de
capital e, com isso, permite uma maior acumulação de capital. Maior
acumulação de capital significa maior abundância de bens produzidos no
futuro. E maior abundância de bens significa maior qualidade de vida.
Conclusão
Onde o governo deve cortar? Em qualquer lugar e em
todo lugar.
Ministério da Pesca, Ministério da Cultura, Ministério do
Turismo, Ministério do Desenvolvimento Agrário (já existe um Ministério da
Agricultura), Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Assuntos
Estratégicos, Secretaria de Políticas para Mulheres, Secretaria da Promoção da
Igualdade Racial, Secretaria de Comunicação Social, Secretaria de Portos,
Secretaria de Aviação Civil, Secretaria das Relações Institucionais e
Secretaria de Direitos Humanos poderiam ser imediatamente abolidos. Veja aqui o
total das despesas de cada ministério.
Esta reportagem
da revista IstoÉ mostra que apenas os custos operacionais dos 39
ministérios de Dilma estão acima de R$ 400 bilhões por ano. Estes
ministérios empregam 113 mil apadrinhados e os salários consomem R$ 214
bilhões. Não dá para cortar nada aí? Esses burocratas por acaso têm
um "direito natural" a esses salários pagos pelo povo?
Um governo federal que, em 2014, arrecadou
mais de R$ 2,2 trilhões ainda quer aumentar tributos e manter intocadas
as mordomias dos burocratas? Os 92 tributos existentes
no Brasil não satisfazem essa gente?
Eis aí uma prova suprema da ineficiência estatal, a qual
deveria fazer o mais inflexível defensor da existência de governos ao menos
repensar sua postura: um governo que tem uma receita de mais de R$ 2,2 trilhões
não é sequer capaz de mantê-la dentro de seu orçamento, e tem de recorrer a
novos esbulhos para fechar suas contas. Qualquer empresa privada que
operasse sob esses princípios já teria sido extinta pelo mercado.
Querer tomar ainda mais dinheiro do cidadão para sustentar
essa pouca vergonha é um ato, no mínimo, imoral, e seus proponentes não
deveriam ser agraciados com o mais mínimo respeito da população.
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Leandro
Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises
Brasil.
John
Tamny é o editor do site Real Clear Markets e contribui
para a revista Forbes.