Desde que o finado Hugo Chávez chegou ao poder na Venezuela, em 1999, grande
parte da América Latina tem estado firmemente sob o domínio de governos
populistas de esquerda.
Caracterizados por líderes caudilhistas, por uma retórica demagógica, pela
mobilização deliberada de um grupo contra o outro (pobres contra ricos, negros
contra brancos, indígenas contra descendentes de europeus), pela atribuição da
culpa dos problemas do continente aos estrangeiros, pela eliminação dos judiciários
independentes, pela estatização de grandes segmentos da economia, e por
tentativas de controlar a imprensa, todos esses regimes infligiram enormes
prejuízos econômicos às nações latino-americanas.
Contrariamente às declarações públicas de celebridades de Hollywood (como Oliver
Stone, Sean Penn e Michael Moore), a Venezuela é simplesmente o país em
situação mais crítica, com hiperinflação, controles de preços, escassez de produtos
básicos (tal como papel higiênico), uso sistemático de violência contra os
críticos do regime e um completo desprezo pelo estado de direito.
Já a atitude dos líderes populistas latino-americanos em relação àquela
instituição que ainda não foram capazes de dominar — a Igreja Católica —
varia. De um lado, eles estão constantemente
em atrito com muitos bispos católicos. Em
janeiro de 2015, uma
carta pastoral emitida pelos bispos católicos da Venezuela corajosamente
descreveu as políticas do governo como "totalitárias e centralistas". Nas palavras dos bispos, "o regime busca
controlar todos os aspectos da vida do cidadão e de instituições públicas e
privadas. Também ameaça a liberdade e os direitos de cidadãos e associações, tendo
levado à opressão e ruína em todos os países em que foi tentado".
A reação do governo a essa crítica foi a demagogia de sempre. Não obstante, esses mesmos líderes populistas
regularmente invocam os símbolos cristãos para tentar legitimar suas
ideologias. O "presente" que o
presidente da Bolívia Evo Morales entregou ao papa Francisco, o "crucifixo
comunista", é um exemplo disso.
Quaisquer que tenham sido os motivos do falecido padre que projetou a cruz (Luis
Espinal, um ativista jesuíta), o fato de que a foice e o martelo simbolizam
o materialismo filosófico, os estados policiais, o aprisionamento em
massa, a tortura e o assassinato de milhões de pessoas nada
significa para o provinciano mundo do populismo de esquerda latino-americano.
"A influência anônima do ídolo dinheiro"
O que nos leva a algumas das declarações de Francisco durante sua recente visita
à Bolívia.
Francisco conhece os movimentos populistas. Como arcebispo de Buenos Aires,
ele teve de lidar com os Kirchners na
Argentina e não desfrutava de boas relações com aquele governo peronista que
prejudicou severamente uma nação que já havia se tornado um exemplo notório de autoimolação econômica ao
longo do século XX.
Dito isso, algumas
expressões utilizadas pelo papa Francisco na Bolívia durante o 2º Encontro
Mundial de Movimentos Populares não somente ecoou temas particulares
enfatizados pelos populistas da América Latina, como também recorreu a alguns
de seus diagnósticos equivocados sobre os problemas da região.
Com efeito, qualquer pessoa que já passou algum tempo na América Latina sabe
que a maioria desses países sofre de problemas econômicos profundos. Porém,
embora o discurso do papa tenha observado que o estado de bem-estar não é a
solução para esses desafios, sua análise das dificuldades da região foi falha.
Em primeiro lugar, Francisco discutiu as injustiças infligidas pelo "sistema",
termo esse com o qual ele parece querer se referir à globalização econômica. Esse "sistema", argumentou ele, resulta em uma
"economia de exclusão" que nega a milhões de pessoas as bênçãos da
prosperidade. Francisco, em seguida,
atacou especificamente "as corporações, os credores, e alguns tratados
denominados de 'livre comércio'" como parte da "influência anônima do ídolo dinheiro"
e do "novo colonialismo".
É difícil distinguir parte dessa retórica daquela utilizada por populistas
latino-americanos, desde o falecido Juan Perón na Argentina a Evo Morales na
Bolívia, passando por Rafael Correa do Equador, e Hugo Chávez e Nicolás Maduro
na Venezuela.
Isso posto, é de se perguntar se o papa Francisco e seus conselheiros alguma
vez já se deram ao trabalho de ler sobre os respectivos méritos do livre comércio
em relação ao protecionismo. Se o
tivessem feito, saberiam que tarifas protecionistas e subsídios estatais são medidas
que favorecem exatamente as grandes corporações
nacionais — que passam a usufruir uma reserva de mercado dentro de seus
respectivos países, podendo agora vender produtos ruins a preços altos para a população
nacional, sem perigo de concorrência —, em detrimento dos mais pobres, que
agora não apenas estão excluídos do mercado internacional, sem chances de adquirir
produtos externos mais baratos (os quais elevariam sobremaneira seu padrão de
vida), como também são obrigados a comprar apenas os produtos produzidos pelas
grandes corporações nacionais.
Mais ainda: caso Francisco e seus conselheiros soubessem algo sobre livre
comércio e protecionismo, já teriam percebido que tarifas protecionistas e subsídios
estatais também são exatamente as medidas que permitem aos países já
desenvolvidos limitar o acesso dos
países em desenvolvimento aos mercados globais.
O protecionismo nada mais é do que uma medida imposta por burocratas que agem
para proteger o interesse de grandes empresários nacionais (que são os grandes
doadores de campanhas políticas), obrigando assim o consumidor (principalmente
os mais pobres) a comprar apenas produtos nacionais caros e ruins, satisfazendo
assim o grande empresariado do país.
Qual a consequência do protecionismo? Preços constantemente altos e péssimos
produtos (por que se esforçar para fazer produtos bons se a concorrência foi
suprimida?).
Não há política mais anti-pobre do que tarifas de importação. Por definição, é o protecionismo que é uma forma
de "economia de exclusão" — não o livre comércio
Da mesma forma, embora o histórico das corporações multinacionais nos países
em desenvolvimento não seja puro, o fato é que foram elas que proveram os investimentos
e os empregos tão necessitados pela América Latina. Como disse o economista Walter Williams:
Pelo bem da argumentação, suponha que,
sem a presença de uma empresa multinacional, o melhor emprego que um ugandense
pobre e sem instrução fosse capaz de conseguir lhe pagasse US$ 2 por dia.
E então vem uma empresa multinacional, constrói uma fábrica em Uganda e
contrata esse ugandense por US$ 4 por dia, um salário muito abaixo daquele que
ela paga aos seus empregados nos EUA. Uma simples questão de bom senso
diria que esse ugandense ficou em melhor situação em decorrência da presença de
uma empresa multinacional. E esse mesmo bom senso diria que ele estaria
em pior situação caso essa multinacional fosse politicamente pressionada para
sair do país. Faz algum sentido dizer que uma ação que melhora a situação
de um ugandense é uma "exploração"?
Francisco também lamentou que "novas formas de colonialismo" frequentemente
reduzem os países em desenvolvimento a "meros fornecedores de matérias-primas e
mão-de-obra barata". Porém, se os países
em desenvolvimento pararem de usufruir justamente essa que é frequentemente sua
vantagem comparativa na economia global — sua mão-de-obra mais barata e seus
vastos recursos naturais —, é difícil ver como eles poderiam gerar riqueza
suficiente para tirar milhões da pobreza.
No que mais, países em desenvolvimento necessitam enormemente do capital
externo caso queiram diminuir a pobreza. Como disse Lee Kuan Yew, o
pai da modernização de Cingapura:
Enquanto a maioria dos países do
Terceiro Mundo denunciava a exploração das multinacionais ocidentais, nós as
convidamos todas para ir a Cingapura. Desse modo conseguimos crescimento,
tecnologia e conhecimento científico, os quais dispararam nossa produtividade
de uma maneira mais intensa e acelerada do que qualquer outra política econômica
alternativa poderia ter feito.
Incoerente e desatento às evidências
Curiosamente, o discurso de Francisco não continha nenhuma palavra de
reprimenda às contribuições dos regimes populistas da América Latina para os
problemas da região. Nesse quesito, seus comentários apenas refletiram uma já conhecida
cegueira latino-americana: a relutância em reconhecer que muitas das
dificuldades da região são auto-infligidas, e frequentemente por governos
eleitos pela maioria.
Quando perguntado sobre o discurso do papa, Frederico Lombardi, Diretor da
Sala de Imprensa da Santa Sé, descreveu-o
como sendo parte de um "diálogo". Mas
um diálogo significativo envolve uma troca de visões na busca da verdade. Infelizmente, não há nenhuma evidência de que
Francisco está ouvindo, por exemplo, os cristãos que respeitam sua autoridade
como sucessor de Pedro, que não creem que ele seja um socialista, que
compartilham de seu compromisso com a redução da exclusão econômica, mas que
respeitosamente explicam
que alguns de seus comentários econômicos são incoerentes e alheios às
evidências.
A esquiva do papa quanto às outras visões é
estranha, uma vez que ele próprio reconhece que católicos fieis discordam sobre
como tratar os desafios econômicos contemporâneos.
Em seu discurso, Francisco exortou seus ouvintes a tomarem a iniciativa de
buscar formas para superar a pobreza econômica. É um bom conselho. O efeito
macro de todos esses esforços, no entanto, será limitado caso não haja mudanças
fundamentais nas instituições e nas atitudes que grassam na América Latina. E a esse tipo de transformação cultural os
populistas do continente certamente resistirão: afinal, isso significaria o fim
do seu poder.
Mas isso também implica que os latino-americanos devem abandonar suas
eventuais ilusões quanto à efetividade de uma "terceira via"
latino-americana: dado o histórico econômico da região, a noção de que é possível haver uma "terceira
via" latino-americana entre capitalismo e socialismo é puro sentimentalismo
utópico
Como me disse um perceptivo padre e professor argentino em Buenos Aires no
início desse ano, "Nós queremos simplesmente ser um país normal!" E normalidade
significa os latino-americanos dizerem "não" aos Kirchners, Correas, Morales e
Maduros da região, e também às suas ideias destrutivas.
Essa é uma mensagem que os latino-americanos — e também o papa Francisco —
têm de ouvir.