É
muito difícil manter um monopólio se você opera em um ambiente econômico
genuinamente livre, no qual não há barreiras regulatórias, burocráticas e
tributárias erguidas pelo estado contra o surgimento de concorrentes.
O
único problema é que este arranjo em que o estado permite a existência de uma
genuína livre concorrência — e que, consequentemente, é formado por empresas
cobrando preços baixos e continuamente colocando novos produtos no mercado —
infelizmente é algo do
passado.
No
mundo atual, políticos estão sempre prontos para conceder a qualquer lobby
organizado o monopólio de uma determinada área econômica.
Tarifas
de importação, agências
reguladoras criadas para cartelizar mercados e proteger empresas favoritas,
leis especiais, códigos tributários indecifráveis e impossíveis de serem
cumpridos pelos pequenos empresários, burocracias ininteligíveis, e subsídios
aos reis — estas são as maneiras mais comuns utilizadas pelo estado para
garantir monopólios a grupos de interesse e garantir que eles jamais tenham de
passar aperto concorrendo no livre mercado.
Embora
ainda haja pessoas que associam o livre mercado à defesa dos interesses
empresariais, a realidade mostra que o livre mercado é o principal inimigo
de quase todos os empresários.
A
total liberdade de mercado — isto é, a ausência de proteções estatais e a
ausência de barreiras à entrada de novos concorrentes no mercado — é o arranjo
que faz com que empresas e empresários já estabelecidos em um determinado ramo
do mercado percam suas vantagens competitivas sempre que surgem novas empresas
concorrentes.
Sendo
assim, a única maneira de esses empresários conservarem sua fatia de mercado
passa a ser recorrendo ao estado para pedir regulamentações específicas e
privilégios protecionistas.
O setor de táxi como um cartel protegido
O
setor de táxis sempre foi um ótimo exemplo de mercado totalmente protegido pelo
estado e blindado da concorrência. No Brasil, os serviços de táxi são
regulamentados pelas prefeituras, as quais emitem licenças que permitem que
apenas determinadas pessoas realizem tal serviço.
Em
quase todo o resto do mundo o funcionamento é o mesmo: só pode prestar serviços
de táxi quem o estado permite.
Em
linhas gerais, a regulação funciona da seguinte maneira: uma prefeitura anuncia
que irá emitir uma licença — também chamada de alvará — para um serviço de
táxi. Ato contínuo, esta licença adquire um valor de mercado, o qual
varia de cidade para cidade.
No Rio
de Janeiro, uma licença custa cerca de
R$60 mil. Em São Paulo,
o valor varia
de R$70 a R$120 mil. Se você for operar no Aeroporto de Congonhas, o
valor pode chegar
a R$250 mil.
Quem
quer ser taxista, mas não tem dinheiro para adquirir essa licença, tem duas
opções: ou ele pode alugar um táxi de outro taxista — desta maneira dividindo
com ele as despesas —, ou ele pode trabalhar com um carro de frota ou de uma
cooperativa e pagar aluguel. No Brasil, o arranjo mais comum é se tornar
membro de uma cooperativa.
Além
do alvará, também é necessário que o veículo tenha uma licença específica,
também dada pelo governo.
Por
fim, vale enfatizar que o preço do serviço é tabelado pelo governo.
Nenhum taxista pode cobrar um preço fora do estipulado pelo governo.
Ou
seja, o setor de táxi sempre esteve blindado da livre concorrência. E,
como sempre ocorre em setores protegidos pelo estado, os táxis não foram
capazes de se adaptar às necessidades de preço e qualidade exigidas pelos
consumidores. Os preços subiram, mas a qualidade ficou estacionada.
Tão
logo adquiriram esta reserva de mercado (mais especificamente: serviços de
transporte de passageiros em automóveis), e se viram protegidos contra a
concorrência de provedores alternativos que os forçassem a se adaptar e a se
reinventar continuamente, os táxis se acomodaram confortavelmente sob o manto
estatal.
Entra o Uber
Até
que surgiu o Uber, o aplicativo de caronas para smartphone. O Uber não apenas dispensa o uso de
cooperativas, como também abole completamente o uso de táxis.
Por
meio do Uber, basta você clicar no ícone do aplicativo em seu celular, e um
veículo — extremamente confortável, equipado com internet Wi-Fi, e com
motoristas profissionais e gentis — irá se dirigir ao seu endereço, informando
inclusive o tempo que irá demorar (o aplicativo trabalha com informações
de GPS em tempo real).
Além
deste conforto, o Uber fornece também outras vantagens em relação aos serviços
de táxi convencionais:
1)
Facilidade no pagamento: as informações de cartão de crédito do usuário são
armazenadas no aplicativo, o que significa que não é necessário nem dinheiro
vivo nem máquinas leitoras sem fio no táxi;
2)
Custo: os custos operacionais são muito menores que os de uma empresa
tradicional de táxi, possibilitando que os preços cobrados sejam muito menores.
3)
Tempo de espera: com o Uber, não é necessário ficar parado na rua (muitas
vezes, em locais inseguros) à espera de um táxi (o qual pode nem sequer existir
região) fazendo sinais com a mão. Você
apenas clica no aplicativo e sua localização é instantaneamente transmitida
para o veículo mais próximo.
No
Brasil, o Uber está presente apenas em Belo Horizonte, São
Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Em seu site, o usuário pode saber
antecipadamente qual será o preço cobrado em cada trajeto. Para grandes deslocamentos, como ida a
aeroportos, os preços chegam a ser metade daqueles cobrados pelos táxis
convencionais.
A reação dos cartéis
Naturalmente,
os sindicatos dos taxistas não gostaram nada desse furo em seu monopólio. Como todo grupo de interesse ameaçado por um
novo concorrente, eles se reuniram e foram às respectivas prefeituras de cada
cidade fazer lobby pela proibição do serviço.
Em São Paulo, o projeto de
lei que proíbe o Uber foi
aprovado na semana passada pela câmara dos vereadores (48 votos a favor da
proibição e apenas 1 contrário). Ainda
haverá uma segunda votação e, em seguida, a sanção do prefeito Fernando Haddad
(PT).
É
muito provável que Belo Horizonte e Rio sigam o mesmo caminho.
As
confusões entre motoristas do Uber e taxistas são quase que diárias. Recentemente, em Belo Horizonte, na
madrugada de quinta-feira, 2 de julho, um motorista do Uber teve seu carro apedrejado
por taxistas.
Já
Antônio Matias dos Santos, presidente do Sindicato dos Motoristas e
Trabalhadores nas Empresas de Táxi do Município de São Paulo, afirmou
explicitamente que, se o Uber não for proibido, taxistas
irão matar seus usuários. Muito
charmoso.
E
já há uma liminar
que quer proibir o Uber em todo o Brasil.
Duzentos anos de conspiração contra os
consumidores
Adam
Smith escreveu A Riqueza das Nações há 239 anos, mas parece falar sobre
o Brasil de 2015. Um pequeno trecho do livro explica pelo menos duas notícias
desta semana. O trecho é este:
As
pessoas envolvidas na mesma atividade raramente se encontram entre si, mesmo
para confraternização e diversão, mas [quando isso acontece] a conversa termina
numa conspiração contra o público, ou em alguma manobra para fazer subir os
preços.
Difícil
achar um exemplo tão bem-acabado dessa conspiração contra o público do que essa
guerra dos taxistas contra o Uber. Não importa que milhares de passageiros
estejam cansados dos táxis e se sintam mais seguros em carros do Uber: os
taxistas acreditam ter o direito de proibir uma empresa, um modelo de negócio,
e impedir que as pessoas escolham o serviço que preferem.
Mas
não pára por aí.
Também
como Adam Smith antecipou, editores e livrarias se reuniram e tentam aprovar no
Congresso uma lei
para fixar um preço mínimo dos livros. Querem evitar a concorrência de
grandes lojas online, que cortaram custos e conseguem vender por preços mais
baixos.
É
difícil imaginar uma ação pior para o incentivo à leitura que proibir o
consumidor de comprar um livro por um preço menor. Mas o debate avança no
Senado como se a ideia fosse razoável.
O
pior dessas conspirações contra o público é que elas são vencedoras. Como a
Teoria da Escolha Pública mostrou nas últimas décadas, pequenos grupos de
interesse conseguem impor sua vontade mesmo quando isso prejudica o grosso da
população.
A
maior parte das pessoas até gostaria de ter acesso a outros tipos de táxi ou a
livros mais baratos, mas esses interesses são difusos, apenas dois entre tantos
outros desejos. Já os taxistas e livreiros têm um interesse forte e concentrado
o suficiente para organizarem protestos e pressionarem políticos.
O
1% consegue se impor contra a vontade dos outros 99% da população.
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Autores:
Leandro
Narloch, jornalista e autor do Guia
Politicamente Incorreto da História do Brasil, e do Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo, além de
ser co-autor, junto com o jornalista Duda Teixeira, do Guia
Politicamente Incorreto da América Latina, todos na lista dos livros mais
vendidos do país desde que foram lançados.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.