segunda-feira, 25 0aio 2015
John Forbes Nash Jr.
tornou-se mundialmente conhecido devido ao filme
Uma Mente
Brilhante (2001), sobre sua vida
e parte de sua obra. Contando com a excepcional interpretação de Russell Crowe
no papel de John Nash, o filme retrata a emocionante história de superação que
marcou a vida do matemático, que triunfou profissionalmente apesar de padecer
de uma severa forma de esquizofrenia.
Menos conhecido do que o
filme, porém muito mais preciso e rico em detalhes, é o livro
homônimo de Sylvia Nasar[1],
que serviu para embasar o roteiro.
Fiz questão de mencionar
que o Uma Mente Brilhante apresentou
apenas parte da obra de John Nash, pois, como matemático, suas contribuições
ultrapassaram o campo da Teoria Moderna dos Jogos. Seus interesses, muito mais
abrangentes, incluíam áreas da Matemática tais como Geometria Diferencial e
Geometria Algébrica, campo no qual realizou importantes desenvolvimentos.
Por seu célebre resultado
referente ao conceito de equilíbrio na Teoria dos Jogos, um trabalho que
exerceu forte impacto na ciência econômica, Nash recebeu, em 1994, o Prêmio Sveriges Riksbank
de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel (conhecido popularmente como
Prêmio "Nobel" de Economia). Além disso,
em 2015, mais precisamente no dia 19 de maio, pouco antes de sua morte, Nash
recebeu o prestigioso Prêmio Abel, um dos reconhecimentos mais importantes da
Matemática, devido a suas "notáveis e
seminais contribuições à teoria das equações diferenciais parciais não-lineares
e suas aplicações à análise geométrica".[2]
Atualmente, a Teoria
Moderna dos Jogos é amplamente utilizada em Economia, especialmente pela corrente
conhecida por "mainstream". Se é
verdade que a instrumentalização econômica da Teoria Moderna dos Jogos
tornou-se possível em grande parte graças ao célebre Teorema de Nash, de 1951,
que garante a existência de equilíbrios para os principais jogos que são de
interesse econômico, afirmo que associar o nome de Nash à economia do mainstream é um equívoco.
Esforçar-me-ei, nos
parágrafos subsequentes, para tentar sanar esse erro, e, dessa maneira, render
uma breve homenagem à memória de John Nash, que faleceu
tragicamente no dia 23 de maio deste ano, juntamente com sua esposa Alicia,
em um acidente de trânsito em
New Jersey.
O desenvolvimento da
Teoria Moderna dos Jogos começou por volta do final da Segunda Guerra Mundial e
início da Guerra Fria. Em suas primeiras décadas de evolução, esteve
intimamente ligada aos estudos políticos e às teorias de Relações Internacionais
associadas ao que posteriormente seria conhecido como "corrente científica
norte-americana do Segundo Grande Debate". Esse debate contrapôs, a esses
cientistas, os acadêmicos da nascente Escola Inglesa de Relações Internacionais,
que defendiam uma abordagem de teor mais humanístico para a disciplina.
Assim, enquanto os
teóricos norte-americanos esforçavam-se para desenvolver áreas tais como
análise de sistemas, pesquisa operacional, programação linear, inteligência
artificial, métodos estatísticos e a própria Teoria dos Jogos, pois tinham uma
Guerra Fria para ganhar, os autores da Escola Inglesa escreviam placidamente
suas reflexões, entre um sorvo e outro de Earl
Grey, confortavelmente aninhados sob o guarda-chuva nuclear
norte-americano.
Durante os anos 1950 e
1960, a Teoria Moderna dos Jogos cresceu em grande parte no âmbito da RAND Corporation, uma instituição sem
fins lucrativos fundada em 1948 com o propósito de avançar pesquisas voltadas
essencialmente para temas de segurança nacional. Diversos estudiosos da
política, matemáticos e teóricos dos jogos trabalharam na RAND nesse período,
tais como John von Neumann, Thomas Schelling, Merrill Flood e Melvin Drescher
(criadores do famoso "Dilema dos Prisioneiros"), bem como o próprio John Nash.
Essa época pode ser
considerada a Era de Ouro da Teoria dos Jogos — e John Nash foi um dos
pesquisadores mais importantes do período. Porém, também deve ser dito que, em
seu início, a Teoria Moderna dos Jogos esteve muito mais ligada a questões de
política internacional do que à Economia.
É verdade que um dos
trabalhos mais importantes da época, considerado por muitos como a obra que
funda a Teoria Moderna dos Jogos, o livro Theory
of Games and Economic Behavior[3],
escrito por John von Neumann e Oskar Morgenstern, pretendia explicitamente ser
uma contribuição analítica à teoria econômica. Contudo, a Teoria dos Jogos só
foi "descoberta" pelos economistas do mainstream
aproximadamente duas décadas mais tarde.
Mesmo assim, é inegável
que as mentes matemáticas mais brilhantes que se dedicaram ao desenvolvimento
dessa teoria tinham também o objetivo de contribuir para o estudo do
comportamento econômico. Apesar disso, não estavam especificamente preocupados
com os debates internos da área de Economia, e muito menos se posicionavam
abertamente a favor desta ou daquela corrente. Assim, o que faziam era
informar-se a respeito do conteúdo abstrato "mínimo necessário" a respeito do
funcionamento dos processos econômicos para, a partir daí, deixar a maquinaria
cerebral (a principal ferramenta de trabalho dos matemáticos) fazer o resto.
Foi assim com John von
Neumann, que escreveu seu célebre livro de 1944 em parceria com o economista
Oskar Morgenstern. Aqui, não posso deixar de enfatizar que Morgenstern foi um
economista da Escola Austríaca, estudou com Ludwig von Mises e suas ideias a
respeito de política econômica apresentam um forte acento misesiano[4].
Se é correto afirmar que a Teoria Moderna dos Jogos nasceu com o livro de John
von Neumann e Oskar Morgenstern, então não pode deixar de ser dito que, apesar
dos detalhes técnicos de teor matemático terem sido realizados essencialmente
por John von Neumann, o conteúdo econômico dessa obra seminal foi proporcionado
essencialmente por Morgenstern, que orientou cuidadosamente o pensamento
matemático de von Neumann a respeito dos processos econômicos mais
fundamentais.
Assim, a Escola Austríaca
de Economia, por meio de um de seus representantes mais proeminentes, foi
inegavelmente responsável pelo surgimento da Teoria Moderna dos Jogos.
Foi assim também com John
Nash, que recebeu orientação, em suas necessidades econômicas básicas, por Bert
F. Hoselitz, outro economista da Escola Austríaca e também discípulo de Ludwig
von Mises. Hoselitz imigrou da Áustria para os Estados Unidos, onde lecionou na
Universidade de Chicago. Em 1947, Hoselitz trabalhou como professor visitante
durante um ano no Carnegie Tech, e um de seus alunos foi justamente John Nash.
Por sinal, a matéria de
Economia Internacional ministrada por Hoselitz foi o único curso de Economia
que Nash frequentou — e o contato com Hoselitz exerceu profunda influência
tanto no pensamento de Nash quanto no desenvolvimento posterior de seu célebre
teorema do equilíbrio. Aqui, é importante mencionar que o próprio John Nash
reconheceu publicamente seu débito intelectual para com a Economia Austríaca[5].
Do exposto até agora,
pode-se concluir: primeiro, que a Teoria Moderna dos Jogos não nasceu a partir de
demandas analíticas da economia do mainstream;
na verdade, surgiu a partir das necessidades estratégicas do início da Guerra
Fria e só posteriormente teve alguns de seus resultados apropriados por esses
economistas. Segundo, que o conteúdo econômico que influenciou pelo menos dois
dos matemáticos mais importantes para o desenvolvimento da Teoria Moderna dos
Jogos veio diretamente de fontes austríacas: Oskar Morgenstern, no caso de John
von Neumann, e Bert Hoselitz, no caso de John Nash.
É perfeitamente possível
defender, portanto, que cabe à Escola Austríaca grande parte da paternidade da
Teoria Moderna dos Jogos.
Se a Escola Austríaca de
Economia desempenhou um importante papel para o nascimento e evolução da Teoria
Moderna dos Jogos, devo observar que isso não deveu-se apenas a coincidências
felizes que permitiram o encontro de John von Neumann com Oskar Morgenstern e
John Nash com Bert Hoselitz. O pensamento econômico austríaco contém muito do
que há de mais essencial na Teoria dos Jogos.
Em sua obra Individualism
and Economic Order [6],
Friedrich Hayek discute como agentes econômicos baseiam seus planos a partir
das expectativas que formulam a respeito das ações particulares de outras
pessoas e analisa as condições para a compatibilização dos planos dos diversos
agentes que se encontram no mercado. Em sua exposição, Hayek descreve
(inadvertidamente) um dos conceitos mais importantes da Teoria dos Jogos: a
interdependência estratégica.
Basicamente, o resultado
que um determinado jogador obtém depende não somente de suas escolhas, mas
também das escolhas realizadas por todos os demais jogadores. Isso faz com que
os jogadores entrelacem-se em uma espiral de expectativas recíprocas a respeito
dos planos uns dos outros — espiral que só chega a um fim graças à existência
de equilíbrios, ou pontos fixos, que
correspondem exatamente aos pontos nos quais é possível suspender a cadeia de
formulação de expectativas e, finalmente, agir.
E aí está o peso da
contribuição de John Nash: seu teorema de 1951, baseado em um teorema anterior
de Shizuo Kakutani (1941)[7],
garante que tais pontos fixos existem. Assim, a partir de resultados oriundos
da fronteira entre a Topologia e a Análise Matemática, John Nash chegou a um
teorema que confere sólido embasamento às reflexões da teoria econômica
austríaca.
O mundo sentirá falta de
John Nash e da grandeza de seu intelecto. Deixou-nos um vasto legado que ainda
encantará tanto os matemáticos quanto os não-iniciados, e por incontáveis
gerações. Mesmo que suas contribuições tenham em muito transcendido o escopo da
Teoria dos Jogos, essa foi a área que projetou sua mente verdadeiramente
brilhante para o mundo, e foi também o campo do
conhecimento que nos permitirá sempre lembrar-nos dele como, acima de tudo, um
Matemático e, sem dúvida, como "O Mais Austríaco" dentre todos os Matemáticos.
[1] NASAR,
Sylvia. Uma Mente Brilhante. Rio de
Janeiro: Record, 2002.
[2] The Abel Prize. John F. Nash,
Jr. and Louis Nirenberg share the Abel Prize. Disponível em: http://www.abelprize.no/nyheter/vis.html?tid=63589
[3] VON NEUMANN, John. &
MORGENSTERN, Oskar. The Theory of Games
and Economic Behavior. Princeton, NJ: Princeton
University Press, 1953
[1944].
[4] KELLY, Yvan J. Mises,
Morgenstern, Hoselitz, and Nash: The Austrian
Connection to Early Game Theory. The
Quarterly Journal of Austrian Economics, Vol. 12, No. 3 (2009): 37-42.
[5] Nobelprize.org. Transcript
from an interview with Dr. John Nash at the 1st Meeting of Laureates in
Economic Sciences in Lindau,
Germany, September
1-4, 2004. Disponível em: http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1994/nash-interview-transcript.html
[6] HAYEK, Friedrich A. Individualism and Economic Order. Chicago: The University
of Chicago Press, 1948.
[7] KAKUTANI, Shizuo. A generalization of
Brower's fixed point theorem. Duke
Mathematical Journal, Vol. 8, No. 3 (1941): 457-459.