quarta-feira, 22 mar 2017
A Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta-feira, 22, o Projeto de Lei 4302/1998, que amplia a terceirização para todos os tipos de atividade. A medida prevê que a contratação terceirizada possa ocorrer sem restrições, inclusive na administração pública.
Por que a
terceirização é importante
Para entender por que a terceirização é importante, é
necessário apenas reconhecer seus benefícios históricos: a terceirização está
intrinsecamente ligada à divisão do trabalho, que foi o que permitiu às
sociedades modernas crescer, se desenvolver e elevar o padrão de vida de seus
habitantes.
Se hoje um cidadão pobre em geral tem muito mais condições
de vida do que uma pessoa comum da idade média, isso se deve em grande parte ao
fato de que as atividades produtivas foram sendo gradativamente desagregadas e
passaram a ser cada vez mais realizadas separadamente por aqueles que mais se
especializaram em sua execução.
Se hoje você não tem de costurar sua própria
roupa, criar e plantar o que come, construir seu próprio meio de transporte, e
assim por diante, é porque tais atividades foram terceirizadas, isto é,
passaram a ser feitas por outras pessoas que foram se especializando nelas, aumentando
assim a produtividade geral da sociedade e elevando sua renda e qualidade de
vida.
Com o tempo, não apenas as atividades se diversificaram,
como também as especialidades aumentaram, o que acarretou em uma maior
qualidade e variedade de produtos. O iPhone que você usa, o Nike no seu pé, seu
notebook, seu carro — todos esses produtos se beneficiam muito da
terceirização para chegar ao seu alcance. E você não reclama disso. Você usa e
acha bem legal ter tudo isso disponível hoje. Mas raramente buscamos
compreender por que isso é possível.
Sim: divisão do trabalho, terceirização.
A terceirização, portanto, é um meio de se buscar maior
eficiência produtiva. Essa maior eficiência permite que as empresas possam ser
bem sucedidas e continuem a oferecer empregos, além de também elevarem a
produtividade da mão-de-obra. E isso,
por sua vez, é um dos fatores-chave para elevar os rendimentos do trabalhador.
Quem está mais familiarizado com os dados da economia
brasileira sabe, por exemplo, que um dos problemas crônicos do nosso país é a baixa
produtividade da mão-de-obra. Garantir a liberdade para novos arranjos
produtivos mais flexíveis, por meio da terceirização, é uma maneira de alcançar
o aumento da produtividade que tanto nos faz falta.
Mais ainda: garantir a liberdade de tais arranjos nada mais
é do que garantir a liberdade de livre associação entre as partes; é garantir
que acordos mutuamente consensuais possam ser realizados. E derrubar uma
restrição a acordos voluntários é, por si só, benéfico. Sociedades mais justas,
mais ricas e desenvolvidas são sociedades mais livres.
Adicionalmente, vale ressaltar que o PL potencialmente irá
beneficiar aqueles trabalhadores mais vulneráveis, que querem ofertar sua
mão-de-obra mas que não conseguem emprego por causa das rígidas legislações
trabalhistas e da obrigatoriedade dos vínculos empregatícios, imposições essas
que encarecem artificialmente o preço de sua mão-de-obra.
Talvez (ênfase no "talvez") o PL seja ruim pra você que tem
um emprego estabelecido e a proteção de sindicatos. Mas o que sindicatos fazem — sobretudo
quanto maior for seu poder — é elevar salários à força, criando barreiras à
entrada de novos trabalhadores cuja produtividade é baixa (isto é, os menos
favorecidos) e não vale o piso salarial estabelecido.
Ou seja: prejudicam os mais vulneráveis em favor de um
grupo seleto, poderoso e protegido. Prejudicam os mais vulneráveis em detrimento
dos mais abastados.
A livre associação de indivíduos em sindicatos pode ser
benéfica na luta por direitos livremente acordados, mas o sindicalismo
compulsório é uma afronta a essa liberdade. Sindicatos que buscam controle
monopolístico sobre a força de trabalho, muitas vezes impedindo indivíduos de
trabalhar de acordo com seus próprio termos, são nocivos. Contornar esse poder
significa permitir que mais indivíduos possam sair do desemprego.
Se o PL for capaz de reduzir tal poder dos sindicatos — e
as manifestações
contrárias destes indicam que de fato ele é
—, então ele é muito bem-vindo.
Algumas respostas às
críticas
Passando da defesa da causa para trazer algumas respostas
às críticas, comecemos pelos argumentos mais recorrentes: os de que a
terceirização irá gerar precarização da mão-de-obra e redução salarial.
Alega-se que a terceirização fatalmente reduzirá salários e
colocará os trabalhadores em piores condições de trabalho, sujeitos a mais
acidentes etc.
Esses argumentos geralmente utilizam estatísticas
levantadas por alguma fonte interessada no assunto. O mais famoso até o momento é o documento da
CUT intitulado "Terceirização
e Desenvolvimento: uma conta que não fecha". Tal documento foi repercutido
estrondosamente pela Folha,
pela Carta
Capital e pelo Estadão. O problema é que tal documento é
intelectualmente grosseiro. Ignorando o fato de ser uma parte interessada e focando
apenas no conteúdo, resolvi ler o documento.
Logo de cara já é possível
encontrar erros crassos do ponto de vista estatístico, que
invalidam toda a análise, mas que, não obstante, permanecem sendo
usados e replicados por aí afora. Dado que é compreensível que nem todo mundo saiba de estatística
o suficiente para perceber tais erros, considero um dever revelá-los.
E o erro grosseiro e fundamental do documento consiste em fazer comparativos
simples de médias, ignorando todo o resto. Só que nenhuma
comparação de médias faz sentido se não estivermos comparando os comparáveis. E
garantir que isso seja feito não é exatamente simples na maioria dos casos.
Para fazer uma comparação adequada seria necessário estabelecer diversos
controles, levando em consideração fatores como as características dos
indivíduos e, sobretudo nesse caso, as características dos postos de trabalho.
Não
se pode comparar, por exemplo, o salário e a exposição à riscos do executivo da
empresa com o faxineiro terceirizado. Mas é basicamente isso que os criadores
do documento fizeram. Não é necessário me alongar sobre isso, a não ser na
necessidade de fazer uma séria ressalva: todas — enfatizo: todas — as estatísticas
comparativas brasileiras que encontrei sobre o assunto não são cientificamente
adequadas, caindo em erros crassos como esses. Ainda assim, praticamente toda
crítica à terceirização usa esses números para provar seu ponto, sem saber que
na verdade eles não provam nada.
Outro argumento comumente utilizado é a antiga e surrada
variação da teoria
marxista da exploração: a terceirização seria apenas a busca das empresas
por mais lucros à custa dos trabalhadores; empresas estão apenas interessadas
em contratar trabalhadores por salários de miséria etc.
Conquanto seja verdade que as empresas estão obviamente
interessadas em reduzir custos — e, em um ambiente concorrencial, tem
necessariamente de ser assim —, e que uma fonte dos custos sejam os salários,
a questão a ser respondida é: por que elas não deveriam tentar reduzir seus
custos?
Por trás desta crítica, há vários preconceitos.
Em primeiro lugar, a ideia de que custos menores para
empresas é algo ruim. Além do fato de que custos baixos permitem maior acúmulo de capital — o que possibilita mais investimentos e mais contratações —, falta explicar como que custos de contratação menores
podem ser ruins para pessoas à procura de emprego.
Em segundo lugar, tal crítica parte do princípio de que um
empreendedor optar voluntariamente por um modelo que reduz seus custos é algo
moralmente repreensível.
Em terceiro lugar, tal crítica parte do princípio de que um
arranjo de custos altos poderia ser mantido sem qualquer resultado negativo
para as empresas, independentemente do cenário econômico. Ora, isso não existe no mundo real. Ou o empreendedor mantém o mesmo quadro de
funcionários a um custo menor; ou ele mantém os salários altos, mas reduz o
quadro de funcionários.
O que várias pessoas simplesmente não aceitam é que, no Brasil, a terceirização
foi justamente o oxigênio inventado para que várias empresas pudessem se manter
vivas em meio à asfixiante legislação tributária e trabalhista. Ou elas terceirizavam ou quebravam. A terceirização não foi um mero capricho de
empresários ou uma conspiração maquiavélica para empobrecer a classe operária.
Foi simplesmente uma saída para se manterem vivos.
Adicionalmente, muitas pessoas tratam o tema como se, da
noite para o dia, todas as empresas fossem trocar seus empregados por
terceirizados. Só que há uma lógica de
mercado que explica por que, em muitos casos (talvez na maioria dos casos), não
faz sentido econômico uma empresa terceirizar sua atividade-fim: tal
terceirização implicaria, por definição, que a empresa contratada para realizar
tal atividade possui a capacidade de realizar exatamente o negócio da
contratante, e, portanto, poderia ela própria operar em tal ramo.
Só que, ironicamente, isso tende a ser menos verdade em
setores em que não há livre entrada
de novas empresas, isto é, naqueles setores mais regulados pelo governo. Nestes setores — por exemplo, empresas
telefônicas —, justamente por estarem blindados da concorrência e por serem protegidos por agências
reguladoras, a qualidade das atividades-fim tende a ser baixa, de modo que
sua terceirização — que também não exigirá muita qualidade — se torna
perfeitamente viável.
Ou seja: talvez a terceirização de atividades-fim se dê de
maneira mais intensa em setores muito regulados ou controlados pelo governo.
Portanto, se você eventualmente perder seu emprego em uma atividade-fim para um
trabalhador terceirizado, tenha o cuidado de observar se, por trás disso, não
está justamente o fato de que você trabalhava em um setor protegido das leis de
mercado pela mão visível do governo.
Os descontentes
É evidente que o coro dos descontentes com os argumentos
expostos acredite que tudo não passa de um mero festival de achismos, e que,
assim como o documento da CUT, não há respaldo factual para tais afirmações.
Já antecipando isso, eis uma lista de trabalhos científicos
que abordam o tema e fornecem um suporte adicional ao
debate. Como esperado, é possível
encontrar vários trabalhos que dão amparo aos argumentos acima, como o fato de
que a terceirização promove maior especialização e um incremento na capacidade
de inovação das empresas[1]
[2],
e que, ainda que o que irá acontecer com os salários não seja exatamente certo[3],
a terceirização pode sim causar um incremento nos mesmos [4]
[5].
Também é possível observar que a terceirização não está
necessariamente relacionada ao aumento do desemprego como alguns acreditam[6],
e que nem sempre ela traz aumento de lucros para a empresa[7].
Além disso, é necessário ter sempre em mente o conflito
entre efeitos pontuais e de curto prazo e os impactos mais amplos e de longo
prazo. É perfeitamente compreensível que algumas pessoas fiquem insatisfeitas
porque talvez seus postos de trabalho possam ser substituídos por postos
terceirizados, ou porque talvez seus salários sejam reduzidos. Mais difícil é essas pessoas reconhecerem que quaisquer alterações
abrangentes do tecido social — como a promulgação ou revogação de uma lei, ou
o surgimento de uma nova tecnologia — naturalmente irão afetar os indivíduos e
grupos de maneiras e intensidades diferentes.
Tais alterações potencialmente afetarão grupos de interesse
que, acreditando estarem sendo ameaçados pela mudança, farão resistência à
mesma, julgando que — e tentando vender a ideia de que — sua posição busca o
bem comum, quando na verdade estão pouco interessados nos efeitos mais amplos.
Mais ainda: buscarão usar do poder do estado para impor a
manutenção de sua estabilidade em detrimento do restante da população.
Um exemplo: os sindicatos dos datilógrafos e dos
trabalhadores de fábricas de máquinas de escrever poderiam ficar bastante
descontentes com o surgimento dos computadores e fariam de tudo para, por meio
do estado, impedir a difusão dessa nova tecnologia. Naturalmente, eles estariam
interessados apenas em seus benefícios de curto prazo, ignorando os benefícios
evidentes e disseminados por toda a sociedade que seriam cada vez mais visíveis
com o passar dos anos.
É natural que nos indignemos contra o que talvez nos
prejudique diretamente, e é muito mais fácil ver e atacar aquilo que pode
retirar nosso emprego amanhã. Entretanto,
raramente reconhecemos aquilo que fez com que obtivéssemos um emprego em
primeiro lugar. Caímos frequentemente em
um raciocínio de dois pesos e duas medidas, do tipo "se consegui um emprego foi
por mérito meu; se perdi o emprego foi por culpa da empresa".
É necessário reconhecer que, por maiores que sejam nossas
habilidades, não teremos empregos se as empresas não os ofertarem ou se essas
habilidades não forem demandadas pelo mercado.
E existem inúmeras condições necessárias para que isso
aconteça, mas que podem ser resumidas na necessidade de garantir um ambiente
que incentive a livre iniciativa e a concorrência.
Conclusão
A questão é simples: quanto maior a liberdade de contrato, melhor para o competente que quer fornecer sua mão-de-obra e pior para o encostado que quer a segurança dos vínculos empregatícios.
Se tal liberdade de contrato será ruim para alguns? Certamente. Sempre há quem perde (os mais incompetentes) quando alguma forma de protecionismo é abolida. E sempre há quem ganha (normalmente, os mais competentes).
O empregado competente não será substituído por um terceirizado incompetente e inexperiente. Quem acredita que isso irá acontecer está, na prática, dizendo que empreendedores são ingênuos e gostam de tomar prejuízos (nada é mais prejudicial do que um funcionário ruim).
Funcionário que gera valor não é dispensado — por mais caro que ele seja — em troca de funcionário ruim e inexperiente. O real temor gerado por essa lei é que haverá bons profissionais querendo ofertar seus serviços sem vínculos empregatícios, e isso representará um risco para os ruins que usufruem esses vínculos.
No mais, vale ressaltar o óbvio: permitir a terceirização nada mais é do que permitir que uma pessoa tenha maior liberdade para contratar outra pessoa para fazer um trabalho. Só isso. Qual exatamente seria um argumento racional e respeitável contra esse acordo voluntário e livremente firmado entre duas partes?
Por tudo isso, é imperativo diminuir as amarras que sufocam os negócios no
Brasil. Somos um dos piores
países em termos de ambientes de negócio graças ao emaranhado burocrático e
ao excesso de espoliação estatal. Nesse
cenário, o PL 4302 pode ser um passo ainda muito pequeno, mas é um primeiro
passo para tentar melhorar a situação.
N. do E.: este artigo foi originalmente publicado em abril de 2015. Àquela época, estava em votação o PL 4330, que atualmente está travado no Senado.
Leia também:
Cinco motivos para defender a liberdade de se terceirizar o trabalho
___________________________
Leandro Roque contribuiu para este artigo.
__________________________
[1] http://sloanreview.mit.edu/article/strategic-outsourcing-leveraging-knowledge-capabilities/
[2] http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1465-7295.2010.00299.x/abstract?deniedAccessCustomisedMessage=&userIsAuthenticated=false
[3] http://link.springer.com/article/10.1007/s12122-997-1019-2#page-1
[4] http://link.springer.com/article/10.1007/BF02707324#page-2
[5] http://link.springer.com/article/10.1007/s10290-009-0009-2#page-1
[6] http://economicpolicy.oxfordjournals.org/content/20/42/308
[7]
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1465-7295.2010.00299.x/abstract?deniedAccessCustomisedMessage=&userIsAuthenticated=false