"Dilma
foi reeleita por culpa daqueles que se abstiveram de votar! Eles poderiam ter decidido a eleição!"
"Quem
não vota não tem o direito de reclamar!"
"Cidadãos
conscientes têm de escolher o destino do seu país, e este se dá por meio da
urna!"
"Vamos
para as ruas!"
As
frases acima, vociferadas por pessoas até bem intencionadas, mostram bem o
caráter divisor (o famoso "nós e eles") que predomina em uma
democracia, sem dúvida o regime mais superestimado da história.
Um
regime que vê na "vontade da maioria" um exemplo de modernidade, prosperidade
e respeito aos direitos individuais é, na melhor das hipóteses, incoerente; na
pior, representa um atentado aos direitos de propriedade, inclusive
dos mais pobres.
Na
democracia, sempre haverá aqueles que quererão que seus estudos, sua saúde, sua
segurança, seu transporte, seus subsídios, seu assistencialismo sejam pagos
"pelo estado", o que, na prática, significa "por outros que não eu".
Como explicou Hans-Hermann
Hoppe:
Dado que o homem é como ele é, em todas as
sociedades existem pessoas que cobiçam a propriedade de outros.[...]
Quando a entrada no aparato governamental é
livre, qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade
alheia. O que antes era considerado imoral e era adequadamente suprimido,
agora passa a ser considerado um sentimento legítimo. Todos agora podem
cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos
podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já
tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um
pode legalmente se tornar uma ameaça.
Consequentemente, sob condições
democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo pela
propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e
qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada
publicamente. Em nome da "liberdade de expressão", todos são
livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade
alheia. Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de
todos. Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está
isento das demandas redistributivas.
Pior: em decorrência da existência de
eleições em massa, aqueles membros da sociedade com pouca ou nenhuma inibição
em relação ao confisco da propriedade de terceiros — ou seja, amorais vulgares
que possuem enorme talento em agregar uma turba de seguidores adeptos de
demandas populares moralmente desinibidas e mutuamente incompatíveis (demagogos
eficientes) — terão as maiores chances de entrar no aparato governamental e
ascender até o topo da linha de comando. Daí, uma situação ruim se torna
ainda pior.
Essa
mentalidade explica por que partidos de esquerda obtêm sucesso nas eleições.
Só
que sempre pode chegar o momento em que aqueles que são obrigados a sustentar
esse arranjo se cansam da espoliação e, impelidos por uma eventual deterioração
das condições econômicas, decidem protestar mais veementemente contra o
governo, exacerbando ainda mais os problemas inerentes da democracia.
Mas
esse fenômeno, observado atualmente no Brasil, é apenas um efeito colateral da
democracia. O grande e real problema da
democracia — abordado em vários
artigos deste site — é que tal regime representa uma forma de controle
quase que total sobre os indivíduos e sobre suas respectivas propriedades.
Pior
ainda: tal totalitarismo vigora sob o verniz da legitimidade política, o que
permite àqueles que estão no poder — e, por conseguinte, aos seus defensores
ideológicos — cometerem o maior número possível de atentados aos direitos dos
indivíduos.
A democracia do patíbulo
Um
pequeno júri de uma cidade condena um indivíduo à morte pelo "crime" de
sonegação fiscal. Ele não estava
"compartilhando sua riqueza" como deveria.
A maioria da população não aprova a severidade da punição, mas nada pode
fazer contra, pois é a lei.
O
"criminoso" é então enviado ao patíbulo, prestes a ser executado.
O
carrasco lê a sua sentença da seguinte maneira:
-
"O senhor será condenado à morte por meio de uma votação, da qual o senhor terá
o direito de participar. Há 4 formas possíveis de morrer: enforcado, queimado,
decapitado ou crucificado. Haverá uma
primeira votação, ao fim da qual as duas maneiras mais bem votadas irão para um
segundo turno de votação, na qual será decidida a forma de sua execução."
O
condenado pensa: "Prefiro morrer decapitado.
É uma morte mais rápida e indolor."
Começa
a votação. Todas as pessoas da vizinhança são obrigadas a votar neste
espetáculo escatológico, inclusive o condenado. A ele também é dado o direito de fazer lobby e
tentar convencer as pessoas a votarem na execução que mais lhe agrada — ou,
melhor dizendo, na que ele considera a menos dolorosa.
Acaba
a primeira votação.
1ª)
Crucificado: 35% dos votos válidos
2ª)
Queimado: 24% dos votos válidos
3ª)
Enforcado: 22% dos votos válidos
4)
Decapitado: 19% dos votos válidos
Muitas
pessoas não votaram, ou por serem contra a pena de morte ou por considerarem
qualquer uma das quatro penas cruel demais.
A votação, portanto, é efetuada apenas por aquela fatia da população
mais adepta da crueldade.
A
votação é validada e comemorada como a 'festa do povo'.
E
a maneira menos dolorosa de morrer foi fragorosamente derrotada.
É então dada a largada para o segundo turno da votação.
Só
que agora, tanto o condenado quanto todas as outras pessoas que não escolheram
nenhuma das duas opções de execução que restaram na cédula de votação — ou
seja, 41% dos eleitores que votaram (em enforcamento ou decapitação) e mais
todos os outros que não votaram — terão justamente de escolher entre duas
formas de morte que claramente desprezam.
Novamente,
é dado ao condenado o direito de fazer lobby pela forma de morte que ele menos
abomina. No entanto, compreensivelmente,
o homem decide não fazer. Nenhuma das duas formas de execução "escolhidas pelo
povo" é do seu agrado, de modo que ele não vê sentido em despender energia
apoiando uma ou outra.
Realizada
a segunda votação, o resultado se segue:
1ª)
Queimado: 52% dos votos válidos
2ª)
Crucificado: 48% dos votos válidos
Novamente,
houve uma grande quantidade de pessoas que não votou, por motivos similares aos
da primeira votação.
Mas,
dessa vez, o condenado se incluiu entre os não-votantes.
A
sentença é deferida e a 'festa do povo' é celebrada pela mídia local.
E
a fogueira começa a ser preparada.
O
réu, compreensivelmente, protesta contra uma clara violação do seu direito de
não ser submetido a algo que ele não escolheu.
Mais ainda: ele protesta por não estar sendo submetido à opção "menos
ruim" que lhe foi apresentada (a decapitação).
O
carrasco então lhe pergunta: "Se o senhor não queria ser queimado, por que não
votou na crucificação?"
Ele
responde: "Porque eu preferia ser decapitado, ora! Não queimado ou
crucificado!"
O
carrasco rebate: "Sim, mas a decapitação perdeu, foi a escolha do povo. E a voz do povo é a voz de Deus. Foram lhe dadas mais duas opções e você não
escolheu nenhuma. Portanto, seu destino ficou nas mãos do povo. E o povo sempre sabe escolher o que é
melhor."
—
"Mas eu nem conheço essas pessoas!", exclama o condenado.
—
"Olha só: se o senhor quer reclamar de alguém, reclame dos que não votaram.
Essas pessoas poderiam ter mudado o seu destino, mas não fizeram nada.
Escolheram não votar também. Bote na conta delas a culpa de você estar sendo
queimado!"
—
"O voto delas me faria ser decapitado?"
—
"Não, a decapitação perdeu na primeira votação".
—
"Então, me faria escapar da morte?"
—
"Não, ora! Você iria morrer de qualquer jeito. Só teria que escolher a forma, e
de maneira livre e democrática. Veja que
privilégio!"
O
condenado explode: "Então, como diabos
você acha que os votos de quem não votou em uma eleição 'livre e democrática'
para decidir algo contra a minha vontade
poderiam me ajudar?!"
O
carrasco olha para ele de forma incisiva e diz: "Boa. Escreverei isso na sua
lápide".
Da metáfora à realidade
O
mais assustador da metáfora acima é que ela é muito mais branda do que a nossa realidade democrática. Exatamente: ela é muito mais branda.
Na
metáfora acima, tanto as pessoas que não votaram quanto aquelas que votaram,
mas cuja opção foi a derrotada, não sofreram nenhuma consequências. Suas vidas continuaram rigorosamente as mesmas,
pois o único afetado foi o condenado.
Já
no nosso sistema democrático, tanto os que não votam quanto aqueles que votam e
perdem sofrem as consequências da eleição de alguém que não queriam. Não apenas sua propriedade é afetada, como
também elas se tornam obrigadas a viver sob políticas das quais discordam — e
muitas vezes abominam.
É
difícil conceber um arranjo político mais instável, anti-social e propenso a
explosões do que esse.
As
pessoas que irão às ruas neste próximo domingo para protestar contra o governo
são aquelas que se sentem como o condenado da metáfora: ao passo que o
condenado foi obrigado a aceitar uma execução que ele não quis, tais pessoas
estão se vendo obrigadas a viver sob um regime comandado por um carrasco que
não foi escolhido por elas e de cujas políticas elas discordam.
Só
que, assim como o condenado queria apenas troca do método da execução, boa
parte dessas pessoas está apenas pedindo a troca do carrasco. E de nada adianta apenas trocar o carrasco se
o patíbulo democrático continuar intacto.
A
única maneira de o patíbulo democrático deixar de produzir resultados que são
contra a vontade da maioria das pessoas (lembrando que o número de abstenções,
de votos brancos e nulos e de votos em outro carrasco é sempre maior do que o
número de votos obtidos pelo carrasco vencedor) é convencendo essas pessoas a
se separar desse regime.
E
a solução mais viável é a
secessão.
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Leandro
Roque contribuiu para este artigo.