segunda-feira, 28 mar 2022
Todo o credo libertário se baseia em um axioma central: nenhum homem, ou
grupo de homens, pode cometer uma agressão contra a pessoa ou a propriedade de terceiros
inocentes. Isso pode ser chamado de "axioma da não-agressão".
"Agressão" é definida como o uso, ou ameaça de uso, da violência física
contra a pessoa ou propriedade de qualquer outro indivíduo. Agressão é,
portanto, um sinônimo de invasão.
Se nenhum indivíduo pode cometer uma agressão contra outro inocente; se, em
suma, todos os inocentes têm o direito absoluto de estar "livres" da agressão
de terceiros, então isso implica diretamente que o libertário se encontra
firmemente ao lado daquilo que se convencionou chamar de "liberdades civis": a
liberdade de falar, de publicar, de se reunir, e de se envolver em qualquer um
dos chamados "crimes sem vítima", como pornografia, desvios sexuais, e
prostituição (ações essas que o libertário não entende como "crimes", uma vez
que, para algo ser um genuíno "crime", tem de haver uma invasão violenta da
pessoa ou propriedade de outro indivíduo).
Ademais, o libertário entende que atitudes como o alistamento militar
compulsório são uma forma de escravidão em escala colossal. E, uma vez que a guerra — especialmente as
guerras modernas — provoca a chacina em massa de civis inocentes, o libertário
vê tais conflitos como assassinatos em massa e, portanto, totalmente
ilegítimos.
Atualmente, na balança ideológica contemporânea, todas estas posições são
consideradas "de esquerda".
Por outro lado, como o libertário também se opõe a todos os tipos de ataque à
propriedade privada, isso também significa que ele se opõe com a mesma ênfase à
interferência do governo sobre todos os direitos de propriedade e sobre todos
os contratos voluntariamente firmados e cumpridos, o que significa que o
libertário se opõe a toda e qualquer interferência governamental sobre a
economia por meio de regulamentações, subsídios, tarifas, controles, impostos e
proibições.
Se todo indivíduo tem o direito de possuir sua própria propriedade legitimamente
adquirida sem sofrer ataques, então ele também tem o direito de transmitir a sua
propriedade (legado ou herança) ou de trocá-la pela propriedade de outros
indivíduos (livre contrato e a economia de livre mercado) sem interferência.
O libertário defende o direito irrestrito à propriedade privada e à livre
troca. Ele defende, portanto, um sistema
de livre mercado baseado no "capitalismo laissez-faire".
Portanto, na terminologia corrente, a posição libertária a respeito da
propriedade privada e da economia seria chamada de "ultra-direita".
O libertário, no entanto, não vê inconsistência alguma em ser rotulado de "esquerdista"
em algumas questões e de "direitista" em outras. Pelo contrário, ele vê a sua
própria posição como sendo a única
consistente — consistente com os interesses da liberdade de cada indivíduo.
Afinal, como pode o esquerdista se opor à violência da guerra e do alistamento militar compulsório ao mesmo tempo em que apóia a violência da tributação (e do encarceramento para os "sonegadores"), das tarifas protecionistas (que sustentam os fartos lucros dos grandes empresários) e dos controles e regulamentações governamentais — que impedem pessoas inocentes de entrarem livremente em um determinado mercado para ofertar seus serviços?
E como pode o direitista alardear sua devoção à propriedade privada e à
livre iniciativa ao mesmo tempo em que defende intervenções militares, o alistamento
compulsório, e a proibição de atividades empreendedoriais não-invasivas, mas
que ele julga imorais?
E como pode o direitista ser a favor de um livre mercado ao mesmo tempo em
que defende a tributação de empreendedores e da renda das pessoas para
financiar as forças armadas e todas as ineficiências improdutivas que envolvem
o complexo militar-industrial?
O agressor central
Ao mesmo tempo em que se opõe a toda e qualquer agressão, privada e
coletiva, contra os direitos do indivíduo inocente, o libertário entende que,
ao longo da história e até os dias de hoje, sempre existiu um agressor central,
dominante e preponderante sobre todos esses direitos: o estado.
Diferentemente de todos os outros pensadores, sejam eles de esquerda, de
direita ou de centro, o libertário se recusa a conceder ao estado a legitimidade
moral para cometer atos que quase todos concordam que seriam imorais, ilegais e
criminosos caso fossem cometidos por qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos na
sociedade.
O libertário, em suma,
insiste em aplicar as mesmas leis morais a todos, e não permite isenções
especiais a nenhum indivíduos ou grupo de indivíduos.
Porém, se examinarmos o estado nu, por assim dizer, veremos que ele recebe
permissão universal, e é até mesmo estimulado, a cometer atos que até mesmo os
não-libertários admitem ser crimes repreensíveis.
O estado sequestra as pessoas e rotula essa
prática de "alistamento militar obrigatório". O estado
encarcera pessoas que ingeriram substâncias não-aprovadas pelo governo e rotula
essa prática de "guerra contra as drogas". O estado pratica o
roubo e a espoliação em massa e rotula essa prática de
"tributação". O estado pratica homicídios em massa e rotula essa
prática de "política externa". O estado pratica privilégios
para grandes empresas e rotula essa prática de "políticas de proteção à
indústria". O estado destrói o poder de compra da moeda e rotula essa
prática de "política monetária". O estado impõe restrições à
liberdade de empreendimento e rotula essa prática de
"regulamentação". O estado estimula o parasitismo e rotula esta
prática de "políticas de bem-estar social".
O libertário insiste que o fato de a maioria da população apoiar ou não essas
práticas é absolutamente irrelevante para a moralidade de cada ato. A despeito de uma eventual sanção popular,
guerra é assassinato em massa, alistamento compulsório é escravidão, impostos,
subsídios e tarifas são roubo, encarceramento por crimes sem vítima é imoral, e
restrições ao empreendedorismo é uma prática anti-liberdade e com fins de
privilegiar poderosos já estabelecidos.
O libertário, em suma, é aquela criança da fábula, avisando insistentemente
que o rei está nu.
Ao longo dos tempos, o rei foi presenteado com uma série de roupas fajutas
que lhe foram fornecidas pela casta intelectual da nação. Em séculos passados, os intelectuais
informavam o público que o estado ou seus governantes eram divinos, ou pelo
menos estavam investidos da autoridade divina e, portanto, o que poderia
parecer ao olho ingênuo e inculto como despotismo, assassinato em massa e roubo
em grande escala era apenas o divino agindo de sua maneira misteriosa e benigna
sobre o corpo político.
Nas últimas décadas, à medida que a sanção divina começou a ficar um tanto puída, os "intelectuais da corte" do rei começaram a tecer apologias cada vez
mais sofisticadas, informando ao público que tudo aquilo que o governo faz é
para o "bem comum" e para o "bem-estar público", que o processo de tributar-inflacionar-gastar
funciona por meio do misterioso "multiplicador keynesiano", que isso mantém a
economia equilibrada, e que, de qualquer maneira, uma vasta gama de "serviços"
governamentais não poderia ser executada apenas por cidadãos agindo
voluntariamente, no mercado ou na sociedade.
Pegue-se, por exemplo, a instituição da tributação, que os estatistas alegam ser, de certa forma, realmente "voluntária". Qualquer um que realmente acredite na natureza "voluntária" dos impostos está convidado a se recusar a pagar seus impostos e ver o que acontecerá a ele. Se analisarmos a tributação, descobriremos que, entre todas as pessoas e instituições da sociedade, apenas o governo obtém seus rendimentos por meio da violência.
Todo o resto da sociedade obtém sua renda ou por meio de doações voluntárias (associações, instituições de caridade, clubes de xadrez) ou por meio da venda de mercadorias ou serviços adquiridos voluntariamente por consumidores.
Se qualquer um além do governo começasse a "taxar", seria evidentemente acusado de coerção e de banditismo. No entanto, os adornos místicos da "soberania" encobriram de tal maneira o processo, que apenas os libertários estão preparados para chamar o imposto do que ele é: roubo, legalizado e organizado, em grande escala.
Não importam os objetivos alegados. Roubo é roubo. Quaisquer serviços que o governo possa de fato realizar via impostos poderiam ser fornecidos de maneira muito mais eficiente e muito mais moral pela iniciativa privada e pela interação voluntária entre os cidadãos.
A obrigação moral de mostrar que o rei está nu
O libertário considera, portanto, uma de suas tarefas educacionais
primordiais espalhar a desmistificação e dessantificação do estado entre seus
súditos desafortunados. Sua tarefa é
demonstrar repetidamente, e a fundo, que não apenas o rei, mas também o estado
"democrático", estão nus; que todos os governos subsistem por meio do domínio
explorador sobre o público; e que este domínio é o oposto da necessidade
objetiva.
Ele luta para mostrar que a própria existência dos impostos e do estado
instaura, obrigatoriamente, uma divisão de classes entre os governantes
exploradores e os governados explorados.
Ele procura mostrar que a tarefa dos intelectuais da
corte que constantemente apoiaram o estado sempre foi a de tecer mistificações
para induzir o público a aceitar o governo do estado, e que estes
intelectuais obtêm, em troca, uma parcela do poder e da pilhagem
extraída pelos governantes de seus súditos iludidos.
Intelectuais podem se opor ao governante que temporariamente controla as rédeas do estado, mas nunca à instituição do estado em si.
O libertário, em suma, vê estas diversas apologias ao estado como meios fraudulentos de obter o apoio do público ao estado. Por ora, os inimigos estão sendo bem-sucedidos.
Mas a realidade irá mudar.