quarta-feira, 16 jul 2014
Joseph
Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001, quer que os países voltem a
praticar a velha política industrial de sempre, só que agora um pouco mais
revigorada e de
maneira
ligeiramente distinta: Stiglitz quer uma maior intervenção estatal para favorecer
determinadas tecnologias em detrimento de outras.
Em
seu plano, Stiglitz corretamente menciona a importância do aprendizado e do
desenvolvimento tecnológico para o crescimento econômico, e recorre a luminares
como Joseph Schumpeter e o igualmente nobelista Robert Solow para defender sua
posição de que a política industrial é uma ferramenta produtiva para os
governos tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento.
A
ênfase de Stiglitz no desenvolvimento por meio da inovação e da tecnologia é curiosa
simplesmente porque ela é uma prova de que a economia mainstream está finalmente abandonando seus arcaicos modelos de
desenvolvimento, segundo os quais a panacéia para as nações em desenvolvimento
seria jogar de pára-quedas um pouco de capital (sempre tratado como algo
homogêneo) sobre a economia e então esperar que o "efeito-convergência"
retirasse essas economias da pobreza.
Ao
mesmo tempo, a política industrial reinventada por Stiglitz possui as mesmas
fraquezas dos modelos anteriores, todos eles urgentemente necessitados de
aposentadoria: ele agora sugere que, em vez de o governo escolher quais
empresas devem ser as "campeãs nacionais" [exatamente
como faz o governo brasileiro], ele diz que o governo deve escolher apenas
aquelas que irão gerar 'externalidades positivas'.
Curiosamente,
Stiglitz não percebe que essa sua mudança de estratégia não altera em nada a
seguinte realidade: uma alocação de recursos planejada de forma centralizada
pelo governo não pode funcionar.
O
governo não possui — aliás, nenhum governo possui — nem o conhecimento das
nuances do mercado e nem os incentivos necessários para promover de maneira
bem-sucedida uma política industrial.
Como bem explicou Hayek, é impossível um comitê central apreender e
utilizar corretamente toda a informação que está dispersa pela economia.
Consequentemente, é impossível esse comitê central gerenciar a economia e
fazê-la produzir de forma otimizada.
No
que mais, ao invocar a importância das ideias, Stiglitz recorre a um argumento
clássico da teoria dos bens públicos, dizendo que novas ideias, por gerarem
grandes externalidades positivas, são por isso mesmo menos divulgadas e mais
escondidas, privando a humanidade de seus benefícios. Logo, o enfoque não seria apenas nas novas
ideias, mas sim no aprendizado, e especialmente no aprendizado pela
prática. Segundo o professor Stiglitz:
O objetivo de uma política industrial não é
escolher os vencedores. As políticas
industriais bem-sucedidas são aquelas que identificam as fontes de
externalidades positivas — setores em que o aprendizado pode gerar benefícios
para o resto da economia.
Há
muita coisa embutida nessa afirmação, de modo que ela merece uma análise mais
detalhada. Em primeiro lugar, como essas
externalidades positivas serão identificadas, avaliadas e valorizadas? Várias empresas irão, de maneira verossímil,
alegar que poderiam fazer um trabalho melhor se ao menos o governo lhes desse
mais subsídios e mais tempo. Como um
burocrata do governo iria determinar quais empresas têm mais a aprender?
O
governo não apenas teria de escolher as empresas que mais teriam a oferecer,
como também teria de ser capaz de oferecer um substancial apoio
financeiro. Talvez exatamente por isso,
um dos principais pilares da política industrial proposta por Stiglitz é o
acesso privilegiado ao crédito subsidiado [exatamente
como faz o governo brasileiro]. Se o
governo não puder gerar esses fundos domesticamente, talvez uma entidade
supranacional, como o Banco Mundial (da qual Stiglitz foi o economista-chefe de
1997 a 2000), poderia oferecer tais empréstimos às empresas consideradas
dignas.
Esse
protecionismo é justificado pela alegação de que aquilo que uma empresa aprende
pode ser difundido por vários outros setores da economia. No entanto, ainda não está muito claro como é
que aquilo que uma empresa aprende ao montar carros ou fabricar maquinário
pesado será imediatamente transferível para outros setores da economia.
Afinal,
considerando todo e qualquer aprendizado que eventualmente ocorra, pode até ser
que alguma fatia desse aprendizado seja transferível, mas a grande maioria será
aplicável somente às circunstâncias singulares daquela empresa em específico. O que uma mineradora
aprende em suas extrações de minério dificilmente pode ser aproveitado de
maneira integral por uma indústria de laticínios — certamente, não de uma
maneira que justifique subsídios e aumentos nas tarifas de importação.
No
que mais, não há nenhuma justificativa teórica para acreditar que algumas
empresas ou indústrias serão melhores do que outras no aprendizado e na
subsequente difusão de conhecimento. Com
efeito, alguns dos melhores aprendizados ocorrem quando empresas aprendem o que
não devem fazer. Apenas pergunte a Reed
Hastings, CEO da Netflix.
Indo
mais ao ponto, o mercado já realiza a tarefa de difundir o conhecimento
transferível. Sempre que o aprendizado gera
conhecimento transferível, o mercado oferece amplos incentivos para que as
empresas paguem para importar tecnologia e conhecimento úteis. A época de carreiras vitalícias na mesma
empresa já acabou, e é comum ver empresas oferecendo salários maiores para
"roubar" talentos de seus concorrentes. De
resto, basta apenas olhar para a área que mexe com capital de risco: grande
parte do seu sucesso advém de saber conectar pessoas com ideias a pessoas que
têm a experiência para executar adequadamente essas ideias.
Outro
problema crucial de se ter o governo influenciando e decidindo a política
industrial é que o dinheiro inevitavelmente irá parar no bolso dos melhores
lobistas, e não para os melhores projetos de pesquisa e desenvolvimento. A ironia, portanto, é que revitalizar a
política industrial muito provavelmente faria com que menos ideias fossem
geradas pelo mercado em detrimento de mais parasitismo de empresas ávidas por
ganhar algum suporte estatal.
Finalmente,
temos de ser especialmente céticos quanto aos méritos da política industrial
como forma de enriquecimento dos países em desenvolvimento. Vale lembrar que vários
países possuem instituições fracas e sofrem com a corrupção. Mesmo que eles fossem capazes de identificar
corretamente as externalidades positivas, a simples influência política seria
capaz de desviar o dinheiro para os cofres dos cleptocratas e seus
apaniguados. Os pobres do mundo
necessitam de mercados livres e abertos que atraiam e estimulem investidores
estrangeiros, e não de mais cleptocratas leiloando seu apoio a empresas e
utilizadno dinheiro público. Fornecer a
esses governos uma teoria econômica supostamente respeitada e chancelada por
Nobeis, a qual será utilizada para justificar a pilhagem do dinheiro público,
irá beneficiar muito mais os banqueiros suíços do que criar oportunidades para
os pobres.
Stiglitz
já deveria ter percebido que os mecanismos de mercado, quando respeitados, já
fornecem meios poderosos de estimular empresas que têm algo de proveitoso para
oferecer. Neste quesito, o vencedor do
Nobel ainda é um aprendiz.