) de 0,25% para 0,15% — como se uma redução minúscula de uma taxa já minúscula pudesse realmente dinamizar uma economia — e a entrada em território negativo da taxa para os depósitos dos bancos no BCE (
), estabelecida em -0,10%.
Na verdade essa não é a primeira
vez que alguma autoridade monetária toma uma medida desse tipo; tanto a Suécia
quanto a Dinamarca já haviam testado juros negativos — sendo a última
recentemente —, mas é a primeira vez que um banco central de relevância como o europeu
a adota.
Em um primeiro momento, essa "multa"
por deixar dinheiro parado no Banco Central não surtirá nenhum efeito
significativo, pois a redução dos juros de refinanciamento mais do que compensa
a penalidade cobrada nos depósitos estacionados no BCE — há mais de € 174
bilhões em operações de refinanciamento contra apenas € 39 bilhões depositados
no BCE (veja o último
balanço do BCE ou o gráfico abaixo).

Mas no médio e longo prazo, pode
ter um efeito devastador, uma vez que o compulsório do BCE é de mísero 1%. Isso
significa que, para cada € 100 depositados na autoridade monetária, os bancos
podem criar do nada € 10.000 de crédito na economia real.
E no instante em que Mario Draghi
iniciar a compra de ativos e as operações de refinanciamento seletivas (Targeted Long-Term Refinancing Operations — TLTRO), o potencial de criação de crédito pelo sistema bancário se avoluma
extraordinariamente.
A grande questão — e o que muitos
analistas de mercado parecem não entender — é que não basta aumentar oferta de
crédito enquanto a demanda por crédito permanecer deprimida. E não poderia ser
diferente, em um continente onde o excesso de endividamento e a alavancagem
extrema ainda precisam ser expurgados em grande parte dos países — tanto no
setor privado quanto no público.
É mais um episódio do colapso
monetário do Ocidente. Mais uma medida heterodoxa e inédita, cujas
consequências nenhum banqueiro central é capaz de prever, mas a qual todos
julgam ser imprescindível, caso contrário, testemunharemos o fim da economia.
Essas são as consequências do
grande experimento monetário do século XX, a era do papel-moeda fiduciário
inconversível. Em outras palavras, moeda cujo único lastro é a promessa de uma inflação
controlada pelo governo, em que a única certeza é a perda perene do poder de
compra do nosso dinheiro.
O Bitcoin foi criado justamente
por causa desse tipo de arbitrariedade. A faculdade de inflacionar a moeda,
independentemente da justificativa momentânea, é um poder extremo que jamais
deveria ser monopolizado pelo governo. Nenhum cidadão deveria ser coagido a
aceitar uma moeda ruim emitida pelo estado. Mas, infelizmente, esse é o
paradigma atual, e o Bitcoin surgiu precisamente como uma alternativa a esse arranjo.
Por sinal, qual a justificativa
usada por Mario Draghi para defender as recentes políticas de liquidez? O que
tanto ameaça o BCE e a economia da Zona do Euro? A quimera da deflação. Ou
melhor, da baixa inflação (low-flation).
A inflação de preços anual
situa-se em 0,7%, conforme medido pelo índice HICP em abril de 2014. E a
previsão para maio não passa de 0,5%. Isso significa que os preços ao consumidor
se mantêm estáveis. Esse é o grande risco à recuperação econômica da Zona do
Euro, segundo os especialistas.
Pouco importam os seguidos
recordes nos índices de ações em diversos países do continente (Alemanha, por
exemplo). Tampouco há motivo para se preocupar com o rally dos títulos soberanos, cujos yields já se encontram próximos aos níveis mais baixos de toda a história.
De fato, desde o ano da derrocada de Napoleão Bonaparte, em 1815, os yields não chegavam a um patamar tão
miúdo.
Para piorar o quadro, as finanças
dos países da Zona do Euro em nada ajudam, o que torna os yields atuais uma aberração ainda maior. Portugal está prestes a
bater novo recorde de dívida, cerca de 130% do PIB; o mesmo ocorre como o país
de Berlusconi. A Grécia segue soberana, com mais de 170% do PIB de
endividamento. E a Espanha está em um nível de quase 100%.
O quadro fiscal angustia. E a
dívida soberana se avoluma. Mas os yields
dão a mensagem de que nada está errado; o custo de rolagem da dívida voltou a
ser irrisório. O título de dez anos da Espanha está rendendo 2,63%, enquanto os
da Itália e de Portugal rendem 2,75% e 3,49%, respectivamente. É o menor yield da história desses países.
É como se a crise de dívida
soberana jamais houvesse existido. É como se as finanças desses países
estivessem na mais tranquila e sustentável trajetória.
Nada disso parece perturbar Mario
Draghi. E por isso, mais liquidez será injetada no sistema. E como não há
demanda por crédito pelo setor privado — o endividamento ainda precisa ser
sanado —,o único ente voraz e insaciável por crédito barato seguirá sendo os
governos. Justamente para estes é que os bancos emprestarão no momento em que o
BCE jorrar liquidez no mercado.
E assim a crise financeira é
prolongada e os desequilíbrios são agravados. A realidade é que, desde que os estados
se arrogaram o poder de imprimir moeda e controlar o sistema bancário, o mundo
vai de crise em crise, aplicando curativos que não passam de meros analgésicos,
enquanto a real enfermidade segue intocada.
Os ativos financeiros valem cada
vez mais, batendo recordes sucessivos, mas os índices de preços ao consumidor
permanecem estáveis. E as autoridades monetárias parecem se preocupar apenas
com este, e não com aquele. Nada diferente do que antecedeu a crise de 2008.
Na visão dos banqueiros centrais,
a grande ameaça à economia mundial não é a hiperatividade e a alavancagem excessiva
dos mercados financeiros, mas sim o fato de um litro de leite custar o mesmo do
que no ano passado. It's a strange world.