Ron Paul: um libertário-conservador exemplar
Há
dois sentidos possíveis para o termo "conservador".
O
primeiro classifica como conservador alguém que normalmente apoia o status quo — ou seja, uma pessoa que
deseja conservar as leis, as regras, as regulações e os códigos morais e
comportamentais que existem em um determinado ponto no tempo.
Dado
que diferentes leis, regras e instituições políticas existiram em tempos
diferentes e/ou em locais diferentes, aquilo que um conservador apoia depende
do lugar e do tempo, modificando-se de acordo. Portanto, nesse sentido, ser um
conservador não denota nada de específico, exceto gostar da ordem existente,
qualquer que seja ela.
O
primeiro sentido, então, pode ser descartado.
O
termo "conservador", portanto, deve possuir uma acepção diferente. O único
significado que ele pode ter é este: "conservador" se refere a alguém que
acredita na existência de uma ordem natural, de um estado de coisas natural,
que corresponde à natureza das coisas; que se harmoniza com a natureza e o
homem.
Essa
ordem natural, é claro, pode ser perturbada por acidentes e anomalias: terremotos
e furacões; doenças e pragas; pelo surgimento de desajustados e idiotas; e por
guerras, conquistas e tiranias. Mas não é difícil distinguir o normal do
anormal (anomalias); o essencial do acidental.
Um
pouco de abstração dissipa todas as confusões e permite que quase todos "vejam"
o que é e o que não é natural, o que se encontra e não se encontra de acordo
com a natureza das coisas. Além disso, o natural é, ao mesmo tempo, o estado de
coisas mais duradouro. A ordem natural das coisas é antiga e sempre a mesma
(apenas anomalias e acidentes sofrem mudanças); portanto, ela pode ser
reconhecida por nós em todos os lugares e em todos os tempos.
"Conservador"
refere-se a alguém que sabe distinguir aquilo que é antigo e natural daquilo
que representam anomalias e acidentes circunstanciais. Conservador é alguém que defende, apóia e
ajuda a preservar o tradicional e o natural contra aquilo que é temporário e o
anômalo.
No
âmbito das ciências humanas — incluindo as ciências sociais —, o conservador
reconhece que as famílias (pais, mães, filhos, netos) e os lares familiares que
têm base na propriedade privada e na cooperação voluntária com os outros lares
familiares como sendo as unidades sociais mais fundamentais, mais
naturais, mais essenciais, mais antigas e mais indispensáveis.
Adicionalmente,
a família (o lar familiar) também representa o modelo da ordem social em geral. Assim como
existe uma ordem hierárquica no seio de uma família, há uma ordem hierárquica
dentro de uma comunidade de famílias — de aprendizes e servos, e de mestres,
vassalos, cavaleiros, lordes, senhores feudais e até mesmo reis — vinculada
por um elaborado e complexo sistema de relações de parentesco. E há uma ordem
hierárquica dentro de uma comunidade de crianças, pais, sacerdotes, bispos e
cardeais, patriarcas ou papas e, finalmente, um Deus transcendente.
Das
duas camadas de autoridade, o poder físico terreno de pais, lordes e reis
encontra-se naturalmente subordinado e submetido ao controle da máxima autoridade
espiritual e intelectual de padres, sacerdotes, bispos e, por fim, Deus.
Os
conservadores (ou, mais especificamente, os conservadores ocidentais
greco-cristãos), caso eles apoiem alguma coisa, apoiam e desejam preservar a
família, as hierarquias sociais e as camadas de autoridade material e
espiritual/intelectual baseadas em — e decorrentes de — laços familiares e em
relações de parentesco.
Os problemas com o conservadorismo
contemporâneo
O
conservadorismo moderno mostra-se confuso e distorcido. Essa confusão decorre
em grande parte da democracia.
Sob
a influência da democracia representativa — e com a transformação dos EUA e da
Europa em democracias de massa após a Primeira Guerra Mundial —, o
conservadorismo, que era uma força ideológica anti-igualitarista, aristocrática
e antiestatista, passou a ser um movimento de estatistas culturalmente
conservadores: isto é, formado pela ala direita dos socialistas e dos
social-democratas.
A
maioria dos autoproclamados conservadores contemporâneos está preocupada —
como, na verdade, deveria estar — com a decadência das famílias, com o
divórcio, com a ilegitimidade, com a perda da autoridade, com o
multiculturalismo, com os estilos de vida alternativos, com a desintegração do
tecido social, com a promiscuidade e com a criminalidade. Todos esses fenômenos
representam anomalias e desvios escandalosos da ordem natural.
O
conservador, com efeito, deve se opor a todos esses acontecimentos e tentar
restabelecer a normalidade. No entanto, a maior parte dos conservadores
contemporâneos (pelo menos a maioria dos porta-vozes do establishment conservador) não reconhece que o seu objetivo de
restaurar a normalidade exige mudanças sociais mais drásticas — até mesmo
revolucionárias e antiestatistas.
Os
conservadores que estão genuinamente preocupados com a desagregação familiar ou
com a disfunção e a devassidão cultural deveriam começar a centrar sua
artilharia justamente naqueles órgãos estatais responsáveis pela proliferação
da poluição moral e cultural — como o Ministério da Educação, o Ministério da
Cultura, e todos os demais programas de governo que propõem políticas
racialistas e feministas. Todos eles devem
ser fechados ou diminuídos em tamanho.
O
problema é que, entre os conservadores, ainda não se vê essa oposição
inflexível ao envolvimento do estado no campo educacional. Não há o
reconhecimento de que a ordem natural na educação significa que o estado não
tem nada a ver com ela. A educação é um assunto totalmente familiar.
Além
disso, não há o reconhecimento de que a degeneração moral e a promiscuidade
cultural possuem causas mais profundas, não podendo ser simplesmente curadas
por modificações no currículo escolar (impostas pelo estado) ou por exortações
e declamações.
Pelo
contrário: os atuais conservadores afirmam que a virada cultural — o
restabelecimento (a restauração) da normalidade — pode perfeitamente ser
alcançada sem uma mudança fundamental na estrutura do moderno estado de
bem-estar social (assistencialista). Quase todos os conservadores defendem
explicitamente as três instituições centrais do estado de bem-estar social: a
previdência social (seguridade social), a saúde pública (estatal) e o
seguro-desemprego.
Eles
ainda desejam ampliar as responsabilidades "sociais" do estado, atribuindo-lhe
a tarefa de "proteger" os empregos na indústria nacional — por meio de
restrições à importação e desvalorizações cambiais.
Sendo
assim, há uma questão fundamental a ser abordada: partindo do princípio de que o
conservadorismo cultural e a economia social/socialista podem ser
psicologicamente combinados (isto é, admitindo que as pessoas possam manter
simultaneamente essas duas visões sem sofrerem dissonância cognitiva), será que
eles podem também ser combinados em termos de eficácia e de prática (econômica
e praxeologicamente)?
É
possível manter o nível atual de socialismo econômico (previdência social,
seguro-desemprego, saúde e educação estatais, entre outras coisas) e alcançar a
meta de restaurar a normalidade cultural (as famílias naturais e as regras
normais de conduta)?
A
maioria dos conservadores não sente a necessidade de levantar esse tema, pois
acreditam que a política é apenas uma questão de vontade e poder. Eles não
acreditam em coisas como as leis econômicas. Caso as pessoas desejem alguma
coisa e tenham o poder de implementar a sua vontade, tudo pode ser alcançado.
Ludwig von Mises caracterizava essa crença como "historicismo", que era a
postura intelectual dos Kathedersozialisten
alemães, os acadêmicos Socialistas de Cátedra, os quais justificavam todas e
quaisquer medidas estatistas.
Mas
o desprezo historicista e a ignorância da ciência econômica não alteram o fato
de que existem inexoráveis leis econômicas. Nenhum desejo ou pensamento mágico
pode fazer com que tais leis desapareçam. Acreditar no contrário somente pode
resultar em fracasso real.
"Na
verdade", observou Mises,
"a história econômica é um longo registro de políticas governamentais que fracassaram
porque foram projetadas e implementadas com um ousado desrespeito às leis da
economia." À luz das elementares e imutáveis leis econômicas, o
programa do conservadorismo atual é apenas um sonho ousado, mas impossível.
Nenhum desejo pode alterar o fato de que a manutenção das instituições centrais
do atual estado de bem-estar social (assistencialista) e o restabelecimento da
família, das normas, da conduta e da cultura tradicionais são metas
incompatíveis. Você pode ter ou um — o socialismo (o bem-estar social) — ou
outro — a moral tradicional —, mas você não pode ter ambos simultaneamente,
pois tais características socialistas (os pilares do atual sistema estatal de
bem-estar social que alguns conservadores pretendem deixar intactos) é a
própria causa das anomalias culturais e sociais.
A
fim de esclarecer esse ponto, é necessário tão-somente recordar uma das leis
mais fundamentais da economia que assevera que toda redistribuição compulsória
de riqueza ou de renda, independentemente dos critérios em que se baseia,
implica tomar à força de alguns — os ricos (os possuidores de algo) — e dar a
outros — os pobres (os não possuidores de algo). Assim, o incentivo
para ser um possuidor é reduzido, e o incentivo para ser um não-possuidor
é estimulado.
Aquilo
que o possuidor tem é, caracteristicamente, algo considerado "bom"; e
aquilo que o não-possuidor não tem é algo "ruim" ou uma deficiência. Na
verdade, esta é a ideia subjacente a qualquer redistribuição: alguns possuem
muitas coisas boas, e outros não possuem o suficiente dessas coisas.
O
resultado de toda redistribuição, portanto, é que serão produzidos menos bens e
cada vez mais males, menos perfeição e mais deficiências. Com a prática de
subsidiar com fundos públicos (recursos tomados à força de outros) as pessoas
que são pobres, mais pobreza será criada. Com a prática de subsidiar
determinados indivíduos porque estes estão desempregados, mais desemprego será
criado. Com a prática de subsidiar as mães solteiras, haverá mais mães solteiras
e mais filhos ilegítimos.
Obviamente,
esse insight fundamental se aplica a
todo o sistema (assim denominado) de Previdência Social, o qual foi criado
ainda em 1880 na Europa Ocidental.
Trata-se, em teoria, de um sistema de "seguro" governamental compulsório
contra a velhice, contra a doença, contra os acidentes de trabalho, contra o
desemprego, e contra a indigência (entre tantos outros problemas). Em conjunto com o (ainda mais antigo) sistema
compulsório de educação pública, essas instituições e essas práticas equivalem
a um ataque maciço contra a instituição da família e a responsabilidade pessoal
(individual).
Com
a prática de aliviar os indivíduos da obrigação de prover os seus próprios
rendimentos, a sua própria saúde, a sua própria segurança, a sua própria
velhice e a educação das suas próprias crianças, um comportamento mais
imediatista passa a ser adotado em detrimento de um comportamento mais frugal e
de uma visão mais voltada para o longo prazo. Igualmente, o valor do casamento,
da família, dos filhos e das relações de parentesco também é diminuído.
A
irresponsabilidade, o imediatismo, a aversão a uma visão de longo prazo, a
negligência, a doença e o descuido são promovidos; e a responsabilidade, a
visão de longo prazo, a diligência, a saúde e a conservação são desencorajadas
e punidas.
O
sistema de Previdência Social compulsório, com a sua prática de subsidiar os
aposentados (os velhos) por meio dos impostos cobrados dos atuais assalariados
e criadores de riqueza (os jovens), enfraqueceu sistematicamente o natural
vínculo intergeracional entre pais, avós e filhos. Os idosos, caso não tenham
feito qualquer poupança para a sua própria velhice, já não mais precisam contar
com a ajuda dos seus filhos; e os jovens (os quais, em geral, possuem menos
riqueza acumulada) devem sustentar os velhos (os quais, normalmente, detêm mais
riqueza acumulada) — em vez de as coisas serem o contrário (como é típico no
seio das famílias).
Assim,
no mundo de hoje, as pessoas não só desejam ter menos filhos — e, de fato, as
taxas de natalidade caíram pela metade desde o início das modernas políticas de
Previdência Social (assistencialistas) —, mas também o respeito que os jovens
tradicionalmente concediam aos seus anciãos é diminuído, e todos os indicadores
de desintegração (e de disfunção) familiar — como as taxas de divórcio, de
ilegitimidade, de abuso por parte dos filhos, de abuso por parte dos pais, de
maus tratos conjugais, de família monoparental, de celibato, de estilos de vida
alternativos e de aborto — aumentaram.
Ademais,
com a socialização (estatização) do sistema de saúde e da regulação estatal do
setor de seguros (restringindo o direito de recusa das seguradoras; isto é, o
direito delas de excluir qualquer risco individual como impossível e de
discriminar livremente, de acordo com métodos atuariais, diferentes grupos de
riscos), criou-se uma máquina monstruosa de redistribuição de riqueza e de
renda. E tudo à custa de pessoas responsáveis
e de grupos de baixo risco e em favor de indivíduos irresponsáveis e de grupos
de alto risco.
Os
subsídios para os doentes (os enfermos) e os incapacitados (os inválidos)
fomentam a doença (a enfermidade) e a incapacitação (a invalidez) e enfraquecem
a vontade de trabalhar para o próprio sustento e de levar uma vida saudável.
Não é possível fazer melhor do que citar Ludwig von
Mises mais uma vez:
Não existe uma fronteira claramente definida
entre a saúde e a doença. Estar doente não é um fenômeno independente de
vontade consciente e de forças psíquicas atuando no subconsciente. A
eficiência de um homem não é meramente o resultado de sua condição física; ela
depende amplamente de sua mente e de sua determinação.
O aspecto destrutivo do seguro-saúde e do
seguro contra acidentes está, acima de tudo, no fato de que tais instituições
promovem (subsidiam) acidentes e doenças, retardam a recuperação, e muito
frequentemente criam — ou de alguma forma intensificam e prolongam — os
distúrbios funcionais que se seguem às doenças ou aos acidentes.
Sentir-se saudável é bem diferente de estar
saudável no sentido médico. Ao
enfraquecer ou destruir completamente a vontade de estar bem e apto para o trabalho,
a seguridade social cria doença e incapacidade de trabalho; ela produz o hábito
da lamúria — que por si só é uma neurose —, além de neuroses de outros tipos.
Como instituição social, ela adoenta as
pessoas tanto corporeamente quanto mentalmente — ou, no mínimo, ajuda a
multiplicar, prolongar e intensificar enfermidades. A seguridade social, dessa forma, fez com que
a neurose do segurado se tornasse uma perigosa doença pública. Caso essa
instituição seja ampliada e desenvolvida, a doença irá se espalhar. E não
há reforma alguma que possa ajudar. Não se pode enfraquecer ou destruir o
desejo de se ter saúde sem que isso acabe produzindo mais enfermidades.
O
que já deveria estar claro para os conservadores é que a maior parte, se
não a totalidade, da degradação moral e da devassidão cultural — que são
claros sinais de retrocesso civilizatório — que verificamos ao nosso redor são
os resultados inevitáveis e inescapáveis do estado de bem-estar social
(assistencialista) e das suas principais instituições.
Os
conservadores clássicos, ao estilo antigo, sabiam disso; e eles se opuseram
vigorosamente à educação pública e à Previdência Social. Eles sabiam que
os estados em qualquer parte do mundo intencionavam deteriorar — e, em última
análise, destruir — as famílias (bem como as instituições, as camadas e as
hierarquias de autoridade que são a consequência natural das comunidades
baseadas em famílias) para, então, aumentar e reforçar o seu próprio poder.
Eles
sabiam que, a fim de fazê-lo, os estados teriam de tirar proveito da revolta
natural dos adolescentes (dos jovens) contra a autoridade paternal. E eles
sabiam que a educação socializada e a responsabilidade socializada eram os
meios de atingir essa meta. A educação pública e a Previdência Social fornecem
uma possibilidade para os jovens rebeldes de escapar da autoridade paternal (de
escapar de punições por comportamentos impróprios).
Os
velhos conservadores sabiam que essas políticas emancipariam o indivíduo da
disciplina imposta pela vida familiar e comunitária apenas para submetê-lo, em
vez disso, ao controle direto e imediato do estado. Adicionalmente,
eles sabiam — ou pelo menos tinham um palpite sobre isso — que tais práticas
conduziriam a uma infantilização sistemática da sociedade; a um retrocesso,
tanto em termos emocionais quanto em termos mentais (intelectuais), da idade
adulta para a adolescência ou a infância.
A
ideia de combinar o conservadorismo cultural com o estatismo de bem-estar
social (assistencialista) é impossível, sendo, portanto, um disparatado absurdo
econômico. O estatismo de bem-estar social — na prática, não importando a
maneira ou a forma, trata-se de previdência social — fomenta a degradação e a
degeneração moral e cultural. Assim, se há uma genuína preocupação com a
decadência moral da sociedade e se há o desejo de que se restabeleça a
normalidade no tocante à sociedade e à cultura, é necessário opor-se a todos os
aspectos do moderno estado assistencialista.
O
retorno à normalidade exige, no mínimo, a completa eliminação do atual sistema
de Previdência Social (do seguro-desemprego, da seguridade social, da saúde
pública, da educação pública, e dos Ministérios relacionados a essas questões)
e, em seguida, a dissolução completa do aparato estatal e do poder governamental
atual. Se o objetivo é restaurar a normalidade, os recursos e o poder do
governo devem diminuir até os níveis apresentados no século XIX ou mesmo ficar
abaixo deles.
Portanto,
os verdadeiros conservadores devem ser libertários de linha dura (antiestatistas).
O conservadorismo de hoje é falso: ele deseja o retorno à moralidade
tradicional, mas ao mesmo tempo defende a manutenção das próprias instituições
responsáveis pela perversão e pela destruição da moral tradicional.
O problema com alguns autoproclamados
libertários
A
fim de restabelecer a normalidade social e cultural, os verdadeiros
conservadores só podem ser libertários radicais, e eles devem exigir a
demolição de toda a atual estrutura do aparato estatal, pois ela é uma
perversão moral e econômica.
No
entanto, há uma conhecida resistência de vários conservadores ao
libertarianismo. Não desejo aqui aprofundar a análise ou a defesa da teoria
libertária. Em vez disso, desejo voltar à questão da relação entre o
libertarianismo e o conservadorismo (a crença em uma ordem social natural
baseada e centrada nas famílias). Alguns comentaristas superficiais — principalmente
do lado conservador —, como Russell Kirk, caracterizaram o libertarianismo e o
conservadorismo como ideologias incompatíveis, hostis ou até mesmo
antagônicas. [i]
Na
verdade, esse ponto de vista está completamente errado. A relação entre o
libertarianismo e o conservadorismo é uma relação de compatibilidade
praxeológica, de complementaridade sociológica e de reforço recíproco.
Para
explicar isso, deixem-me enfatizar, em primeiro lugar, que a maioria — mas não
a totalidade — dos principais pensadores libertários, como uma questão de dado
empírico, era formada por conservadores sociais e culturais: por defensores dos
costumes e da moralidade burgueses tradicionais.
Mais
notadamente, Murray Rothbard — o pensador libertário mais importante e mais
influente — era um assumido
conservador cultural. Também o era o professor mais importante de
Rothbard, Ludwig von Mises. (Ayn Rand, uma outra grande influência sobre o
libertarianismo contemporâneo, é um caso diferente, é claro.) [ii]
Embora
isso não revele muito (prova-se apenas que o libertarianismo e o
conservadorismo podem ser psicologicamente reconciliados), trata-se de um
indicativo de uma afinidade substancial entre as duas doutrinas. Não é difícil
reconhecer que a visão conservadora e a visão libertária da sociedade são
perfeitamente compatíveis (congruentes).
Não
irei me estender aqui em todas as explicações sobre o porquê de ser assim. Irei apenas me limitar a dizer que a teoria
libertária pode realmente fornecer ao conservadorismo uma definição mais
precisa e uma defesa moral mais rigorosa do seu próprio objetivo (o retorno à
civilização sob a forma de normalidade moral e cultural) do que o próprio
conservadorismo jamais conseguiria elaborar. Ao fazê-lo, ela pode afiar e
fortalecer a tradicional visão de mundo antiestatista
do conservadorismo. [iii]
O
problema que quero abordar é outro.
Ainda
que os criadores intelectuais do libertarianismo moderno fossem conservadores
culturais — e ainda que a doutrina libertária seja totalmente compatível
(congruente) com a visão de mundo conservadora (não implicando, como alegam
alguns críticos conservadores, um "individualismo atomístico" e um "egoísmo
ganancioso") —, o movimento libertário sofreu uma transformação significativa.
Em
larga medida (e de forma completa aos olhos da mídia e do público), ele se
tornou um movimento que combina o antiestatismo radical e a economia de
mercado com o esquerdismo cultural, o multiculturalismo e o hedonismo
pessoal. Ou seja, ele é exatamente o
contrário de um programa culturalmente conservador: trata-se de um capitalismo
contracultural.
Lamentavelmente,
muito do libertarianismo contemporâneo é falso, sendo, na verdade, um
libertarianismo contraproducente (assim como as atuais correntes predominantes
do conservadorismo).
O
fato de que grande parte do libertarianismo moderno é culturalmente esquerdista
não se deve a inclinações dessa natureza entre os principais teóricos
libertários. Conforme foi observado, eles eram, em sua maioria, conservadores
culturais. Em vez disso, trata-se do resultado de uma compreensão superficial
da doutrina libertária por muitos dos seus fãs e seguidores; e essa ignorância
encontra a sua explicação em uma coincidência histórica e na mencionada
tendência (inerente e ínsita) do estado social-democrático assistencialista (de
bem-estar social) a promover um processo de infantilização intelectual e
emocional (processo de descivilização da sociedade).
O
movimento libertário moderno começou nos Estados Unidos na metade da década de
1960. Em 1971, o Partido Libertário
americano foi fundado; e, em 1972, o filósofo John Hospers foi nomeado o seu
primeiro candidato presidencial. Era
o tempo da Guerra do Vietnã.
Ao
mesmo tempo, promovido pelos grandes "avanços" no crescimento do estado de
bem-estar social (assistencialista) a partir do início e da metade da década de
1960 nos Estados Unidos e, da mesma forma, na Europa Ocidental (a chamada
legislação dos direitos civis e a guerra contra a pobreza), surgiu um novo
fenômeno de massa. Emergiu um novo "lumpenproletariado" de intelectuais e de
jovens intelectualizados — os produtos de um sistema em constante expansão de
educação socialista (pública) — "alienados" da moralidade e da cultura do mainstream "burguesa" (mesmo vivendo com
muito mais conforto do que o lumpenproletariado de antigamente graças à riqueza
criada por essa cultura dominante).
O
multiculturalismo e o relativismo cultural ("viva e deixe viver") e o
antiautoritarismo igualitarista ("não respeite nenhuma autoridade") deixaram de
ser meras fases temporárias e transitórias de desenvolvimento mental
(adolescência) e foram elevadas ao status
de atitudes permanentes entre intelectuais adultos e os seus alunos.
A
oposição íntegra (com princípios) dos libertários à guerra do Vietnã coincidiu
com uma oposição pouco difusa da nova esquerda a essa guerra. Adicionalmente, a
conclusão anarquista da doutrina libertária atraiu e agradou a esquerda
contracultural. Afinal, a ilegitimidade do estado e o axioma da não
agressão (segundo o qual não se permite a iniciação — ou a ameaça da iniciação
— do uso da força física contra outras pessoas e os seus bens) não implicavam
que todos tivessem a liberdade de escolher o seu próprio estilo de vida não
agressivo? Isso não implicava que a
vulgaridade, a obscenidade, a grosseria, o uso de drogas, a promiscuidade, a
pornografia, a prostituição, o homossexualismo, a poligamia, a pedofilia ou
qualquer outra anormalidade imaginável, na medida em que constituíam crimes sem
vítimas, fossem estilos de vida e atividades perfeitamente normais e legítimos?
Portanto,
não é de se surpreender que, a partir do seu início, o movimento libertário
atraiu um número anormalmente elevado de seguidores desequilibrados e
perversos.
Subsequentemente,
o ambiente contracultural e a "tolerância" multicultural e relativista do
movimento libertário atraiu um número ainda maior de desajustados, de
fracassados (tanto em termos pessoais quanto em termos profissionais) ou de
simples derrotados. Murray Rothbard, em nojo, chamou-os de "libertários vazios"
e os identificou como libertários "modais" (típicos e representantes).
Eles
fantasiavam uma sociedade em que todos estariam livres para escolher e cultivar
quaisquer estilos de vida, carreiras ou características que não fossem
agressivos e em que, graças à economia de livre mercado, todos poderiam fazê-lo
em um nível elevado de prosperidade geral.
Ironicamente,
o movimento que estabeleceu o objetivo de desmantelar o estado e de restaurar a
propriedade privada e a economia de mercado foi, em larga medida, apropriado e
moldado em sua face externa pelos produtos mentais e emocionais do estado de
bem-estar social (assistencialista): a nova classe de adolescentes
permanentes. [iv]
[i] Ver Russell Kirk, The Conservative Mind (Chicago: Regnery,
1953); e idem, A Program for
Conservatives (Chicago: Regnery, 1955).
[ii] Sobre Murray N.
Rothbard, ver os tributos a Rothbard: In
Memoriam, editado por Llewellyn H. Rockwell Jr. (Auburn, Alabama:
Ludwig von Mises Institute, 1995), especialmente o tributo de Joseph T.
Salerno; sobre Ludwig von Mises, ver: Murray N. Rothbard, Ludwig von Mises: Scholar, Creator, Hero (Auburn, Alabama: Ludwig
von Mises Institute, 1988); Jeffrey A. Tucker e Llewellyn H. Rockwell Jr., "The
Cultural Thought of Ludwig von Mises", em Journal
of Libertarian Studies, 10, n. 1 (1991); sobre Ayn Rand, ver: Tuccille, It Usually Begins with Ayn Rand; Murray
N. Rothbard, The Sociology of the Ayn
Rand Cult (Burlingame, California: Center for Libertarian Studies, [1972]
1990); e, da perspectiva dos prosélitos de Rand ("randianos"), ver Barbara
Branden, The Passion of Ayn Rand
(Garden City, N. Y.: Doubleday, 1986).
[iii] Sobre a relação
entre o conservadorismo (tradicionalista) e o libertarianismo (racionalista),
ver Ralph Raico, "The Fusionists on Liberalism and Tradition", em New Individualist Review, 3, n. 3 (1964); M.
Stanton Evans, "Raico on Liberalism and Religion", em New Individualist Review, 4, n. 2 (1966); Ralph
Raico, "Reply to Mr. Evans", em ibidem; ver também: Freedom and Virtue: The Conservative—Libertarian Debate, editado
por George W. Carey (Lanham, Maryland: University Press of America, 1984).
[iv] Murray N. Rothbard forneceu o seguinte retrato do
"libertário modal" (LM):
Na verdade, o LM
é homem. (...) O LM se encontrava na faixa dos seus vinte anos há vinte
anos e, agora, encontra-se na faixa dos seus quarenta anos. Isso não é nem tão
banal nem tão benigno como parece, pois significa que o movimento realmente não
cresceu nos últimos vinte anos. (...) O LM é bastante promissor e bastante
versado na teoria libertária. Mas ele não sabe nada e não se interessa pela
história, pela cultura, pelo contexto da realidade ou pelos assuntos mundiais.
(...) O LM, infelizmente, não odeia o estado por vê-lo como o instrumento
social exclusivo da agressão organizada contra a pessoa e a propriedade. Em vez
disso, o LM é um adolescente que se rebela contra todos ao seu redor: em
primeiro lugar, contra os seus pais; em segundo lugar, contra a sua família; em
terceiro lugar, contra os seus vizinhos; e, por fim, contra a própria
sociedade. Ele se opõe especialmente às instituições da autoridade social e
cultural: em particular, à burguesia da qual ele proveio, às normas e às
convenções burguesas e às instituições da autoridade social (como as igrejas).
Para o LM, então, o estado
não é o único problema; ele é apenas a parte mais visível e mais detestável das
várias instituições burguesas odiadas: vem daí o estusiasmo com que o LM aperta
o botão do "questione a autoridade".
E daí se origina também a
fanática hostilidade do LM ao cristianismo. Eu costumava pensar que esse
ateísmo militante era apenas uma função do randianismo do qual a maioria dos
libertários modernos surgiu há duas décadas. Mas o ateísmo não é a chave —
pois aquele que anunciasse, em uma reunião libertária, que era um bruxo ou um
adorador do cristal de energia ou de alguma besteira da Nova Era seria tratado
com grande tolerância e respeito. Somente os cristãos eram os alvos dos abusos;
e, claramente, a razão dessa diferença de tratamento não tinha nada a ver com o
ateísmo.
Isso tinha tudo a ver com a
rejeição (e o desprezo) pela cultura burguesa; e todo tipo de causa cultural
maluca seria promovido a fim de torcer o nariz da odiada burguesia.
Na verdade, a atração
original do LM pelo randianismo era parte integrante da sua revolta
adolescente: que maneira de racionalizar e sistematizar a rejeição aos pais,
familiares e vizinhos seria melhor do que aderir a um culto que denunciava a
religião e que proclamava a superioridade absoluta de si mesmo (do ego) e dos
seus cultuados líderes, em contraste com os robóticos "intermediários" que supostamente
povoavam o mundo burguês? Um culto que, além disso, conclama os seus prosélitos
a desprezar os pais, a família e os associados burgueses e a cultivar a suposta
grandeza do próprio ego individual (convenientemente orientado, é claro, pela
liderança randiana).
O LM também possui o "olhar
longínquo" dos fanáticos. Ele está apto a agarrar você pela força na primeira
oportunidade e a discorrer extensamente sobre as suas próprias "grandes
descobertas" contidas em seu poderoso manuscrito que está clamando para ser
publicado, mas que nunca será publicado — e ele diz que isso é uma conspiração
do poder constituído. (...) Mas, acima de tudo, o LM é um vadio, um vigarista
e, muitas vezes, um verdadeiro bandido. A sua atitude básica em relação aos
outros libertários é "a sua casa é a minha casa". (...) Em suma, articulem eles
ou não essa "filosofia", os [LMs] são comunistas libertários: alguém que possua
propriedade automaticamente tem de "compartilhá-la" com os demais membros da
sua "família" libertária ampliada. (Murray N. Rothbard, "Why Paleo?", em Rothbard—Rockwell Report, 1, n. 2 [maio
de 1990]: 4–5; ver também: idem, "Diversity, Death and Reason", em Rothbard—Rockwell Report, 2, n. 5 [maio
de 1991].)
Consultar também: Llewellyn H. Rockwell Jr., The Case for Paleolibertarianism and Realignment on the Right
(Burlingame, Califórnia: Center for Libertarian Studies, 1990).