quinta-feira, 24 abr 2014
A
maioria das pessoas diz que um emprego serve para ganhar dinheiro. Sendo assim, se você não precisa de dinheiro,
qual o objetivo de ter um emprego?
Aparentemente,
boa parte dos jovens ao redor do mundo pensa assim. A geração "nem-nem", que não estuda nem
trabalha, está crescendo
a taxas assustadoras. [No Brasil, 20%
dos jovens em idade ativa não estudam nem trabalham].
Nos
EUA, que sempre foram o país de vanguarda em termos de empreendedorismo e que
sempre prezaram por uma forte ética do trabalho, a situação vem degringolando
ano após ano. Estatísticas compiladas
pelo The Wall Street
Journal quase me fizeram cair da cadeira. No ano 2000, 33% dos adolescentes americanos
entre 16 e 17 anos de idade tinham um emprego.
Atualmente, este número é de 15%.
São cifras estupefacientes.
Porém, olhando em retrospecto, posso dizer que já vivenciei vários indícios
casuais que confirmam estes números.
Recentemente,
palestrei para um grupo de aproximadamente 200 adolescentes que ainda cursavam
o ensino médio (não irei revelar o nome da escola nem sua localização). Perguntei casualmente quantos deles já haviam
trabalhado em um ambiente varejista, tendo de lidar diretamente com clientes e
consumidores. Absolutamente nenhuma mão
se levantou. Espantado, fiz uma pergunta
mais ampla: quantos deles já haviam tido um emprego remunerado? De novo, nenhuma mão se levantou.
Conversando
com os pais, descobri que eles adotaram uma nova postura: seus filhos não devem
trabalhar. Eles devem ficar apenas na
escola. Eles devem aproveitar seu tempo
livre praticando esportes e estudando.
Trabalhar é para as classes mais baixas.
Qual a vantagem de trabalhar?
Colocar os filhos para trabalhar implica que os provedores da família
não estão conseguindo sustentar seus rebentos.
No que mais, o que seus filhos fariam com o dinheiro que ganhariam? Comprariam mais iPhones?
E
há também o problema das legislações trabalhistas e das restrições legais
criadas pelos governos ao redor do mundo.
A partir do momento em que há uma lei que impõe um salário mínimo, fica
difícil para um adolescente de 16 anos — ainda sem experiência e com baixa
produtividade — encontrar um emprego cujo salário mínimo valha sua
produtividade. Nenhum empregador irá
escolher um adolescente em detrimento de um adulto experiente e disposto a
efetuar o mesmo trabalho pelo mesmo valor salarial. No que mais, está cada vez mais difícil
demitir as pessoas que você contrata, o que faz com que poucos empregadores
estejam dispostos a se arriscar contratando adolescentes.
Por
outro lado, o mundo digital fornece hoje enormes oportunidades para contratos
autônomos de trabalho. No mundo digital,
ninguém dá a mínima para tolices como idade e salário mínimo. Idealmente, um garoto se aproveitaria dessa
"brecha" e entraria com tudo no mercado de trabalho propiciado pela
internet. O problema é que, sem aquela
formação de caráter que leva as pessoas a adquirirem habilidades para usá-las
lucrativamente, isso não irá acontecer.
Tornar-se um autônomo na era digital é algo que só ocorre quando uma
ética do trabalho já está enraizada na pessoa.
Tendo
de lidar com todas essas barreiras legais, a cultura simplesmente se
adaptou. Dado que nenhum pai
voluntariamente toma uma decisão com o intuito de prejudicar seus filhos, os
pais simplesmente decidiram que trabalhar é algo apenas para os filhos dos
outros, e não para os seus.
Consequentemente,
cada vez menos pessoas estão familiarizadas com a ética do trabalho. Os jovens de hoje apenas se sentam em bancos
de escolas e universidades, na maioria das vezes fazendo mais de um curso, e
ficam nesta rotina até completarem 25 anos de idade, quando finalmente irão se
apresentar, com um diploma, a empregadores que supostamente irão dar-lhes
dinheiro como recompensa por terem permanecido tanto tempo na escola e na universidade.
E
quando tal empregador não surge, a frustração pelo tempo perdido toma conta da
pessoa, que tende a desistir da vida.
Por
isso, falemos um pouco sobre o que poderia ter sido aprendido caso os jovens
procurassem um emprego desde cedo, mas que não foi aprendido justamente porque
não houve esta busca pelo emprego.
Como
dito, há a tal "ética do trabalho", um termo que sempre foi utilizado ao longo
dos tempos. Mas o que isso realmente
significa? Não dá para resumir em poucas
palavras; você tem de trabalhar para adquirir esta ética. Como vários
titãs da segunda metade do século XIX tentaram nos alertar, nenhum
indivíduo nasce querendo trabalhar. Sendo
assim, como então você adquire esta ética e passa a prosperar por meio dela?
Ter
uma "ética do trabalho" significa estar disposto a passar por vários tipos de
desconforto com o objetivo de realizar um trabalho com excelência. Isso é algo que não surge naturalmente. Tem de ser incentivado. Nesse quesito, os pais são os principais
modelos de comportamento a serem observados.
A tendência "natural" do ser humano é deixar de fazer aquilo que se está
fazendo quando tal ocupação começa a se mostrar desconfortável, ou quando ela
passa a exigir mais do que você imaginava.
O problema é que tal postura não leva ninguém a lugar nenhum. Com efeito, se essa for a sua postura, você
irá se acomodar cada vez mais, até chegar ao ponto em que se tornará um
preguiçoso que só quer saber de ficar deitado no sofá — algo que descreve
perfeitamente a atual geração.
Lembro-me
muito bem de quando eu tinha 10 anos e estava trabalhando no telhado de uma
casa com meu saudoso tio. Era o auge de
um verão escaldante. Nós dois tínhamos
de nos equilibrar sobre um telhado negro e acentuadamente inclinado, martelando
pregos. Após aproximadamente 30 minutos,
pensei que iria morrer. Ainda assim,
continuamos trabalhando lá em cima por várias horas seguidas. Finalmente, meu tio disse que era hora de
fazermos um intervalo. Rapidamente,
corri para a mangueira do jardim, esguichei vários litros de água na minha cara
e bebi uns dois litros. Já meu tio
simplesmente tomou uma xícara de café.
Aquilo foi inspirador.
Outra
memória de minha infância foi quando meu irmão conseguiu seu primeiro emprego
na construção civil. O trabalho era
pesado. Ao final do primeiro dia, ele
voltou para casa parecendo um zumbi.
Conversávamos com ele, mas ele não conseguia articular nenhuma
palavra. Ele foi para o seu quarto
escorando-se nas paredes e capotou na cama.
Durante semanas, esta foi a sua rotina.
E então, com o tempo, ele foi entendendo o funcionamento da coisa até
finalmente pegar o jeito. E aí ele se
tornou uma máquina. Aquele verão lhe
forneceu a ética do trabalho que ele carregaria consigo para sempre.
Outras
lembranças de meus primeiros empregos incluem: perfurar poços artesianos sob
sol escaldante; esfregar os resíduos de mel das mesas de um restaurante em que
trabalhei como auxiliar de garçom; recolher pratos de papel de 500 mesas após o
almoço distribuído por uma empresa que fornece comidas e bebidas, a qual havia
me contratado para tarefas gerais; administrar os ânimos de um enxame de
pessoas que brigavam entre si para conseguir comprar as calças de $10 que
estavam em promoção e que haviam virado moda em uma rede de varejo; sentir o
terror de que o piano que eu tinha de carregar escada acima iria cair em cima
de mim e me esmagar; recolher pequenos alfinetes no chão de provadores em uma
loja de departamentos; aprender a manusear a enceradeira em uma loja de
porcelanas e, mais tarde, ter pesadelos em que eu derrubava uma prateleira
inteira de cristais finos.
Em
qualquer emprego — e especialmente naqueles que pagam pouco —, você
rapidamente descobre que trabalhar é algo que fatiga, tanto fisicamente quanto
mentalmente. Você tem de se concentrar intensamente
no que faz, e por muito mais tempo do que você realmente quer. Você tem de fazer coisas das quais não
gosta. Você irá encontrar várias
desculpas para se desconcentrar e se distrair, mas não poderá fazê-lo porque há
tarefas que têm de ser efetuadas. E, se
você não fizer a sua parte corretamente, todos os seus colegas que dependem da
sua parte irão descobrir que a parte deles ficou mais difícil por sua causa, e
por isso todos irão odiar você.
Se
você limpa banheiros de uma loja ou de um restaurante, você tem de se
certificar de que sempre haverá papel higiênico ali, caso contrário os clientes
ficarão furiosos. Se você frita peixes,
você tem de saber como administrar a quantidade de gordura, caso contrário você
irá destruir o empreendimento. Se você
está instalando um cercado, você tem de saber cavar buracos profundos, caso
contrário ela cairá em seis meses. Se
você lava carros, terá de aprender a fazer um bom serviço utilizando a
quantidade mínima de água, sabão e cera, caso contrário você perderá dinheiro. Você só aprende a evitar essas catástrofes de
uma única maneira: completando sua tarefa.
Ninguém
já nasce sabendo que há uma relação direta entre aquilo que fazemos e suas
consequências. Muito pelo contrário: a
própria definição de imaturidade é a incapacidade de assumir responsabilidades
(como nossos pais sempre dizem). E como
aprendemos essa relação entre nossas ações e seus resultados? Não há maneira melhor do que pelo mercado
trabalho. Trabalhamos, vemos o
resultado, e somos pagos por isso. É
algo direto. É algo bonito. É algo que faz nosso cérebro enaltecer a
relação entre ações e resultados.
A
escola nem sempre nos ensina isso.
Aliás, a "ação" na escola é algo bem limitado. Tudo se resume a estudar, o que, na maioria
das vezes, significa apenas imitar tudo o que a autoridade designada ordena. No mundo real do trabalho, você tem de ser
criativo. Você tem de saber
improvisar. Você exercita um controle
volitivo sobre o seu corpo, sobre o que ele faz, e então vê os resultados. E os resultados não são abstrações como notas
em um boletim escolar, mas sim algo muito concreto: salário na forma de
dinheiro, o qual será utilizado para adquirir coisas que você quer. E essa recompensa é oriunda do fato de que
você se entregou por completo a uma atividade produtiva.
O
trabalho é como uma universidade — uma verdadeira universidade que molda o
caráter de uma pessoa e faz dela alguém melhor do que seria sem esta ocupação.
O
que você leva de um trabalho depende daquilo que você traz a esse trabalho, e o
que você traz tem de ser mais valioso para seu empregador do que aquilo que
você irá levar dele. Lembro-me de um
vadio com quem trabalhei décadas atrás resmungando: "Sem chance que eu vou
ajeitar gravatas por um salário mínimo!".
Uma perspectiva muito interessante.
Ele queria mais dinheiro para fazer mais trabalho. Mas não é assim que funciona. A relação é inversa: você tem de trabalhar
mais para ganhar mais dinheiro. Se o seu
intuito é prosperar, você tem de fornecer um valor maior do que aquele que você
pode extrair.
O
trabalho (e aqui eu devo especificar que me refiro exclusivamente ao trabalho
no setor privado) é a melhor maneira de aprender esta lição imensamente
valiosa, e carregá-la consigo por toda a sua vida. Esta certamente é uma característica distintiva
daquilo que chamamos de ética do trabalho.
Uma
parte disso significa adquirir um senso de necessidade de servir ao próximo com
o objetivo de ganhar algo em troca de seu serviço. Essa é a essência intrínseca de um emprego,
seja ele fritar batatas, catar papel ou lavar carros. Você está fazendo algo para outra
pessoa. Se você fizer muito disso e
adquirir excelência, você fará com que essa necessidade de servir ao próximo
passe a fazer parte de sua mentalidade.
E
aí você pode dizer: ah, todo esse mundo comercial é uma farsa. Aquelas pessoas que fornecem seus serviços
apenas fingem que gostam de seus clientes, pois o que elas realmente querem é
apenas o seu dinheiro. E o cliente, por
sua vez, também apenas finge que está satisfeito com o provedor, mas na
realidade está desgostoso por ter de pagar pelo serviço.
De
fato, é possível pensar assim, mas considere o seguinte: se nos comportarmos de
uma determinada maneira durante vários anos, com o tempo chegaremos a um estado
em que nossa mente já estará condicionada a seguir este padrão. Consequentemente, tornamo-nos sinceros em
nossas atitudes. Começamos a valorizar
os outros por aquilo que eles fazem e por aquilo que nos fornecem. Aprendemos a ter um bom um relacionamento com
as pessoas, a valorizar as diferenças entre as pessoas, a observar qualidades
únicas em cada pessoa, e a distinguir o mérito de cada uma delas.
Não
há arranjo mais ético e mais justo do que esse.
Este é o arranjo ideal. É o
arranjo no qual as reais virtudes são aprendidas e apreciadas.
Alguém
certa vez disse que uma sociedade capitalista é uma sociedade amigável. Nada mais verdadeiro, dado que a essência do
capitalismo é a cooperação voluntária, os serviços mútuos, e as transações
comerciais que têm por objetivo a melhora de seus participantes. Fazer parte disso é algo que nos transforma e
nos remodela. Faz de nós pessoas
melhores.
Compare
isso à existência entediada e despreocupada do indolente deitado em um sofá ou
de um burocrata do serviço público que passa seus dias atrás de uma mesa. É o setor privado e o seu espírito comercial
que nos fornece aquilo de que mais necessitamos: a constante busca pelo
auto-aprimoramento.
O
que imediatamente nos impressiona em todos os empregos no setor comercial é
como eles são necessariamente voltados para o futuro. Leva algum tempo para se acostumar a
isso. Se você teve um dia ruim, sem
muitos clientes e vendas, sempre haverá o dia seguinte. Se você teve um dia ótimo, sempre haverá o
próximo dia, e jamais é possível saber quão bom ele será.
E
assim você aprende a viver em um mundo no qual "o que passou, passou" e o
futuro sempre será incerto, mas possivelmente melhor. No comércio, não há rancores e
ressentimentos, pois o aparente inimigo de hoje pode vir a ser o seu cliente de
amanhã, ou mesmo o seu colega de trabalho ou sócio. O passado é meramente um conjunto de dados
efêmeros; é no futuro que a ação e o entusiasmo estão. E, dessa maneira, um emprego no setor
comercial é completamente diferente do mundo da preguiça e da burocracia, no
qual nem o passado e nem o futuro importam.
E é também muito diferente do mundo escolar e universitário, onde o
passado é armazenado e jamais desaparece.
Com
um emprego no comércio, ou mesmo empreendendo em qualquer outra área, você está
continuamente ativo. Você tem de estar
antenado a todas as mudanças que ocorrem nos interesses e nos valores sociais. Você está atuando em algo que passa a
incorporar suas próprias características, algo que dá a você o direito de se gabar
de sua competência, algo que conecta você aos outros. Você se torna determinado, habilidoso,
capacitado, útil e experiente. Você passa
a ter histórias para contar e dicas para dar.
Você se liberta das estruturas autoritárias que você herdou desde o
nascimento, e passa a adotar as novas que você próprio escolheu.
Agora,
tendo em mente tudo isso, faça a si próprio a seguinte pergunta: adolescentes
realmente estarão em melhor situação caso não trabalhem? Um recente
estudo demonstrou que, no geral, a aposentadoria "leva a um aumento de 5 a
16% nas dificuldades associadas à mobilidade e a atividades do dia a dia, a
aumento de 5 a 6% nas enfermidades, e a um declínio de 6 a 9% na saúde mental,
tudo isso ao longo de um período de apenas 6 anos após a aposentadoria". E isso após toda uma vida de trabalho. Os efeitos sobre a mente são muito piores
para o jovem que nunca desenvolveu os hábitos mentais fornecidos apenas pelo
trabalho.
Será
que realmente devemos negar tudo isso a toda uma geração e em seguida esperar
que essas pessoas simplesmente adentrem o "mundo real", com 25 anos de idade, e
já plenamente formadas e capacitadas?
Elas não estarão formadas. Elas
não estarão capacitadas. Elas serão
menos úteis, menos habilidosas, menos produtivas, menos moldadas em seu
caráter, e menos preparadas para ser livres e responsáveis.
Lamento,
mas procrastinar e fingir que se está estudando não são substitutos para os
reais desafios da vida.