Imagine
uma economia formada por 100 pessoas.
Destas 100 pessoas, suponha que 90 tenham algum tipo de ocupação (seja um emprego com carteira assinada, seja fazendo bicos ou até mesmo um trabalho
voluntário). E suponha também que as 10 pessoas
restantes estejam desocupadas, mas estão à procura de uma ocupação.
Neste
cenário, temos a seguinte situação estatística:
A
População Economicamente Ativa é de 100 pessoas. A População Ocupada é de 90 pessoas, e a
População Desocupada é de 10 pessoas. A
taxa de desocupação é de 10%, pois há 10 pessoas desocupadas em um universo de
100 pessoas economicamente ativas.
Agora,
suponha que destas 10 pessoas desocupadas, 3 desistam de procurar alguma
ocupação. Os motivos dessa desistência
podem ser vários: ou a pessoa achou alguém disposto a sustentar seu ócio, ou
ela perdeu as esperanças de encontrar alguma ocupação, ou ela simplesmente
aceitou um programa de assistencialismo governamental que proveja todas as
suas necessidades básicas.
Em
termos puramente estatísticos, houve uma alteração importante. O fato de 3 pessoas terem deixado de procurar
uma ocupação significa que tais pessoas deixaram
de ser economicamente ativas. Consequentemente, o arranjo agora passa a ser
outro.
A
População Economicamente Ativa passa a ser de 97 pessoas. A População Ocupada continua sendo de 90
pessoas. A População Desocupada caiu de
10 para 7 pessoas. E essas 3 pessoas que
se retiraram do mercado agora fazem parte da População Não-economicamente
Ativa.
Consequentemente,
há agora uma nova taxa de desocupação.
Antes, a taxa era de 10 pessoas em um universo de 100. Agora, a taxa é de 7 pessoas em um universo
de 97. Ou seja, a nova taxa de
desocupação é de 7,22% (7 dividido por 97).
Traduzindo:
sem que um único emprego tenha sido criado, a taxa de desocupação —
popularmente chamada de taxa de desemprego — caiu de 10% para 7,22%.
Por
que isso é importante? Porque é
exatamente isso o que está acontecendo no Brasil. E é o próprio IBGE quem faz esse alerta.
Comecemos
por esta notícia, do final de 2013 (negrito meu):
Taxa
de desemprego recua para 4,6% em novembro
A taxa de desemprego nas
seis principais regiões metropolitanas do País ficou em 4,6% em novembro,
segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O resultado
aponta para o menor desemprego da série histórica do IBGE, iniciada em 2002.
[...]
A redução na taxa de desemprego foi causada pela migração de indivíduos
para a inatividade, e não pela geração de postos de trabalho, apontou a Pesquisa Mensal de Emprego do
IBGE.
"O que a gente vê aqui é a redução da
desocupação em função do aumento da inatividade. Então não houve aumento do
número de postos de trabalho. O que houve foi aumento das pessoas que passaram
para a inatividade", ressaltou o gerente da Coordenação de Trabalho e
Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.
Em novembro, houve aumento significativo na população não
economicamente ativa. Na comparação com outubro, o aumento foi de 0,8%, o
equivalente a 148 mil indivíduos. Em
relação a novembro de 2012, a alta foi de 4,5%, mais 801 mil pessoas na
inatividade.
Agora
vejamos esta notícia, de 27 de março (negrito meu):
IBGE:
cresce número de inativos que não procuram emprego
O número de pessoas
economicamente não ativas que não buscam emprego porque não têm interesse em
trabalhar aumentou 1,2% em fevereiro em relação a janeiro, segundo a Pesquisa
Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
[...]
"O que essa
população não economicamente ativa está mostrando é que são pessoas que não
trabalham e não procuram, elas não estão pressionando o mercado de trabalho. O
que a gente vem observando é o crescimento da fatia das pessoas que não estão
exercendo pressão sobre o mercado de trabalho por uma opção", disse
Adriana Beringuy, técnica da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE.
O aumento da
população inativa tem contribuído para manter a taxa de desemprego em mínimas
históricas. A população não
economicamente ativa aumentou 3,8% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano
passado, o equivalente a 686 mil pessoas migrando para a inatividade no
período. Ao mesmo tempo, a criação de vagas ficou estatisticamente estável, com
a abertura
de apenas dois mil novos postos de trabalho.
Toda
essa evolução pode ser observada no gráfico abaixo, que contém os dados do IBGE,
que estão disponibilizados no
site do Banco Central.
A
linha vermelha mostra a evolução da População Economicamente Ativa nas regiões
metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre. A linha verde mostra a
evolução da População Ocupada, e a linha azul, a da Desocupada.

Vale
lembrar que 'Ocupados' abrange absolutamente todos os tipos de ocupação, seja
ela remunerada (desde o executivo até o malabarista de semáforo) ou
não-remunerada (instituições religiosas beneficentes, cooperativismo, aprendiz
ou estagiário). Isso quer dizer que
abrange também funcionários públicos, pessoas que prestam serviço militar
obrigatório e os clérigos.
Para
apreender corretamente o que o gráfico acima está dizendo, o melhor
procedimento é fazer um gráfico que mostra a taxa de crescimento anual da
População Economicamente Ativa e a taxa de crescimento anual da População
Ocupada. Isso nos permitirá constatar as
declarações do IBGE.

O
gráfico acima ilustra vários fenômenos interessantes.
Para
começar, sempre tenha em mente a seguinte igualdade:
População economicamente ativa = ocupados +
desocupados.
O
primeiro fenômeno que chama a atenção no gráfico é o ocorrido no ano de
2003. Mesmo com a recessão daquele ano,
e com a SELIC a 26,5%, a população ocupada aumentou 4,5%. Porém, também naquele ano, a população
economicamente ativa cresceu a uma taxa ainda maior. Por causa da igualdade acima, isso significa
que a população desocupada também aumentou.
Consequentemente, a taxa de desemprego (ou, no caso, a taxa de
desocupação) chegou a 13%.
Após
aquele ano, a população economicamente ativa passou a crescer a uma taxa menor do que a taxa de crescimento da
população ocupada. De novo, pense na
igualdade acima: se a população economicamente ativa cresce, mas o número de
ocupados cresce ainda mais, então o número de desocupados está caindo. Exatamente por isso, a taxa de desocupação apresentou
cifras declinantes a partir de meados de 2004.
E assim foi até 2009.
A
recessão de 2009 fez com que as duas variáveis ficassem praticamente
estagnadas, mas por pouco tempo. Já em
2010, ambas voltaram a crescer com grande vigor.
(Para
entender as causas desse forte crescimento do emprego no período 2004-2011, veja este artigo).
Nos
anos de 2011 e 2012, a situação foi de estabilidade, com a população ocupada
crescendo a uma média de 2% ao ano, e a população economicamente ativa, a 1,5%
ao ano.
Já
em 2013, houve uma guinada radical e inédita
nos indicadores, especialmente a partir do segundo semestre. A população economicamente ativa começou a
encolher. Em novembro de 2013, por
exemplo, ela foi 1% menor do que em novembro de 2012. Isso significa que havia menos pessoas no mercado de trabalho (trabalhando ou procurando
emprego) em novembro de 2013 do que havia em novembro de 2012.
Junto
com a queda da população economicamente ativa ocorreu também uma queda na
população ocupada. Em novembro de 2013,
o número de pessoas ocupadas foi 0,73% menor do que em novembro de 2012.
E
a coisa ficou ainda mais interessante agora no mês de fevereiro de 2014. A taxa de crescimento da população ocupada
foi de 0%, o que significa que a quantidade de pessoas ocupadas simplesmente
não se alterou em relação a fevereiro de 2013 (segundo
o IBGE, neste período houve a "abertura de apenas dois mil novos postos de
trabalho"). Mas a taxa de crescimento da
população economicamente ativa foi negativa, de -0,46%.
De
novo, voltemos à igualdade acima: se a população ocupada não se altera, mas a população
economicamente ativa encolhe, então o número de desocupados também
encolheu. Isso significa que as pessoas
que estavam desocupadas simplesmente pararam de procurar ocupação e se
retiraram do mercado de trabalho, tornando-se não-economicamente ativas, e contribuindo para reduzir a taxa de desocupação (desemprego).
Como
o gráfico deixa claro, trata-se de um fenômeno inédito no Brasil. Nem mesmo nas recessões de 2003 e 2009 houve uma taxa de crescimento negativa. Muito embora a série estatística do IBGE
comece apenas em 2002, a lógica leva a crer que tal fenômeno nunca antes havia
ocorrido, pois a taxa de crescimento da população geral (a qual está em 1% ao
ano) era bem maior no passado, o que significa que o número de pessoas jovens
entrando no mercado de trabalho era maior.
Enquanto
este fenômeno — pessoas desistindo de procurar ocupação e se retirando do
mercado de trabalho — prosseguir, a taxa de desemprego continuará baixa.
Conclusão
As
causas desse êxodo de pessoas do mercado de trabalho são diversas, e sua
análise está fora do escopo deste artigo.
Certamente há de tudo: há pessoas que se contentam com os proventos do
Bolsa-Família, há pessoas sem capacitação que desistiram da vida, há pessoas
que dão seguidos golpes no seguro-desemprego, e certamente há um
grande número de pessoas indolentes que têm quem lhes sustente (inclusive, e
principalmente, jovens de classe média-alta).
Com
efeito, as recentes
notícias sobre uma "inesperada disparada" nos gastos com o
seguro-desemprego, mesmo com a taxa de desocupação estando em no menor nível da
história, confirmam uma das teses acima (negrito meu):
Os gastos com seguro-desemprego e abono
salarial devem alcançar R$ 45 bilhões nesse ano [2013], um aumento de 16% com relação ao ano passado e tem crescido muito
nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego vem declinando, passando
de 13% em 2003 para 5,4% em 2013.
Quais
as principais consequências desse êxodo do mercado de trabalho?
De
um lado, uma menor oferta de mão-de-obra tende a pressionar os salários para
cima; de outro, a atual redução na taxa de crescimento do crédito (veja
detalhes neste artigo)
tende a contrabalançar essa pressão altista nos salários. No momento, a massa salarial registra a menor
alta desde 2009, ano em que o país estava em recessão
No
cômputo geral, trata-se de um fenômeno lastimável. O baixo crescimento da mão-de-obra só pode
ser compensado se houver um crescente aumento na produtividade. Como o Brasil é conhecido justamente por ter
uma mão-de-obra pouco produtiva, esse baixo crescimento da mão-de-obra tende a
reduzir sobremaneira o aumento da oferta de bens e serviços e, consequentemente, o
crescimento da economia e o enriquecimento da população.
No
final, este lamentável fenômeno serve apenas para gerar uma redução artificial na
taxa de desemprego, algo que o atual governo certamente usará a seu favor como
ilustração do "sucesso" de suas políticas.
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Leia
também:
A real taxa de desemprego
no Brasil