Este artigo foi originalmente publicado no longínquo dezembro de 2013. Sua impressionante atualidade e capacidade preditiva nos obriga a republicá-lo, sem qualquer alteração ou edição na escrita.
_____________________
Introdução
A
armadilha da renda média ocorre quando um país emergente entra em um período de
estagnação após ele ter completado a sua "decolagem" e ter superado a armadilha
da pobreza e a armadilha malthusiana. Tendo chegado ao nível da renda média, a
trajetória do crescimento econômico efetuada durante a decolagem deixa de ser
sustentável.
Durante
a fase da decolagem, a mão-de-obra barata alimenta uma rápida expansão
econômica em decorrência da migração que ocorre das áreas rurais para as
cidades industriais. Nesta fase, a economia cresce pela migração, pela aglomeração
e pela acumulação de capital. As taxas
de crescimento econômico são altas porque a mão-de-obra é abundante e barata, e
a acumulação de capital ainda gera altos retornos.
As
taxas de crescimento começam cair quando a mão-de-obra se torna menos abundante
e o retorno marginal do capital se torna marginalmente menor.
O
Brasil representa um caso em que a entrada na armadilha da renda média resultou
em políticas erradas que pioraram a situação.
O conceito da armadilha
da renda média
Como
dito, o termo "armadilha da renda média" denota a situação de uma
economia emergente quando ela entra em um nível de renda média e não mais sai
dele. Atualmente, o Banco Mundial define
a faixa entre US$1.036 e US$4.085 per capita como "baixa renda média" e
entre US$4.086 e US$12.615 como "alta renda média".
De
acordo com o tipo do cálculo do Banco Mundial, o Brasil chega bem perto do
limite da categoria dos países de alta renda, mas ainda está na faixa da renda
média alta.
Classificação
|
Renda
nacional per capita em US$
|
Países
representativos selecionados
|
Alta
renda
|
> 12.616
|
Suíça (82.730)
|
Renda
média alta
|
4.086-12.615
|
Brasil (11.630)
|
Renda
média baixa
|
1.036-4.085
|
Paraguai
(3.290)
|
Renda
baixa
|
<
1.035
|
Congo (200)
|
Tabela 1: Faixas da
renda segundo classificação do Banco Mundial — Fonte: Banco Mundial
Estar
preso na faixa da renda média significa que o país é incapaz de prosseguir o
seu caminho de crescimento, aquele que ele vinha mantendo durante a fase da
decolagem. Em vez de manter um crescimento moderado, o país cai em uma fase de
crescimento fraco, como mostra a figura abaixo.

Figura 1 - A linha verde
mostra a trajetória de um crescimento sustentado; a linha vermelha sólida
mostra a entrada na armadilha da renda média; e a linha vermelhada tracejada
mostra uma trajetória de crescimento insustentável.
A
armadilha da renda média significa que o país não consegue alterar sua
estratégia de crescimento, saindo de um modelo acumulativo e imitativo e indo
para um modelo de economia competitiva, empresarial e inovadora.
Imitar
as economias pioneiras gera altos retornos somente quando a distância entre a
economia emergente e os países avançados é grande. Quando a distância diminui, a imitação
torna-se mais difícil e mais arriscada. O futuro é desconhecido e exige
experimentação para se descobrir qual tecnologia irá funcionar.
Esta trajetória envolve um constante processo
de tentativa e erro, o qual requer habilidades muito mais sofisticadas do que a
mera imitação de tecnologias maduras.
Quanto
mais a economia emergente avança e se aproxima do grupo das economias
pioneiras, mais este país em desenvolvimento deve se engajar em uma busca ativa
pela próxima tecnologia. No entanto, dado
que os governos dos países emergentes sempre tendem a manter suas intervenções sobre
a economia, a transição para uma economia competitiva e moderna encontra uma
inflexível resistência da parte do poderoso aparelho de funcionários das
empresas estatais e da classe política.
Muitas
vezes, a decolagem de um país em desenvolvimento vem junto com uma ampliação da
atividade estatal. O típico efeito
colateral deste crescimento é um agigantamento do setor público, o qual acaba funcionando
como uma barreira quando o país alcança a faixa da renda média, impedindo-o de
entrar na faixa da alta renda.
Preso na armadilha
Os
países emergentes caem na armadilha de renda média porque, em vez de abraçar o
capitalismo inovador, acabam ficando presos a um sistema econômico estatista e
arcaico. Não é raro que a velha elite passe
a explorar o medo da população em relação à "tempestade perene da destruição
criativa" (Schumpeter) do capitalismo
dinâmico.
Porém,
ao renunciar à destruição criativa, esta economia em desenvolvimento também
acaba por rechaçar a prosperidade, e passa a alimentar a ilusão de que é possível
enriquecer dentro de um sistema estático.
Na realidade, os países em desenvolvimento que
permanecem com um capitalismo de estado não apenas não ganham prosperidade, como
também perdem a estabilidade quando inevitavelmente descambam no círculo
vicioso do declínio econômico, o que faz com que o sistema político comece a
oscilar entre o autoritarismo e o populismo. Vide Argentina e Venezuela, por exemplo.
O
desenvolvimento econômico é uma corrida de maratona com obstáculos.
O primeiro obstáculo consiste em saber superar
a barreira que surge quando a baixa renda passa a limitar a poupança e os
investimentos, e consequentemente a acumulação de capital.
O segundo grande obstáculo é a armadilha
malthusiana, que ocorre quando a população aumenta, mas a renda per capita não
sobe. Foi a Revolução Industrial quem quebrou este
padrão da estagnação. Parte do mundo
saiu da armadilha da pobreza. Com o
avanço da Revolução Industrial a taxa de reprodução diminuiu ao passo que a
produtividade econômica aumentou. A
armadilha malthusiana desapareceu com a transição demográfica e pavimentou o
caminho para um grande aumento dos níveis de renda.
Um
pequeno grupo de países pioneiros liderou este permanente processo de inovação. Sucessivas revoluções industriais durante os
últimos dois séculos levaram a ganhos cada vez maiores de produtividade.
No
entanto, enquanto um grupo de economias prosperou, muitas outras ficaram para
trás. Mesmo hoje, ainda há uma multidão
de países presos na armadilha da pobreza e na armadilha malthusiana. Um outro grupo de países que conseguiu obter a
decolagem e superar a armadilha malthusiana — como o Brasil — se encontra preso na
armadilha de renda média. Apenas alguns
países conseguiram realizar a façanha de alcançar os pioneiros e se tornar
membros do clube dos países de alta renda.
O caso do Brasil
Quando
o crescimento econômico baseado na acumulação de capital e na imitação
tecnológica terminou, o Brasil ainda não havia adquirido a capacidade de competir
com os países de alta renda em termos de tecnologia, produtividade e habilidades.
Nesta fase, o Brasil não mudou a sua
estratégia de crescimento.
Em vez de
promover uma economia empreendedorial de inovação, o Brasil implantou uma
política de forte protecionismo. Como
consequência, o país experimentou fases de crescimento artificial que se
degeneraram em recessões e altas taxas de inflação. Na maioria das vezes, o Brasil pagou o preço
de seu crescimento artificial com longos períodos de estagflação.
Após
um crescimento moderado na década de 1990 — consequência inevitável de seus
fortes e necessários ajustes econômicos —, e um crescimento mais robusto na
década de 2000, o Brasil pós-2010 adentrou uma nova fase de debilidade
econômica. Em vez de pular para frente,
a economia brasileira recuou. Desde o
começo dos anos 1990, a média da taxa de crescimento econômico do Brasil (até 2013) é de apenas 3%, o que
significa que o país já se encontra novamente, e há um bom tempo, em uma
armadilha da renda média.
Para
conseguir alcançar as economias avançadas, o Brasil precisaria apresentar
uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,2% durante os próximos 50
anos. Só assim será possível alcançar o
nível médio dos países de alta renda da OCDE. Igualmente, seria necessária uma taxa de
crescimento econômico per capita de 4,7% para se chegar ao nível da renda dos
Estados Unidos.
Entre
as economias emergentes, apenas a China consegue apresentar uma taxa de
crescimento per capita suficiente para alcançar os níveis dos países ricos. O Brasil, com uma taxa de 1% durante o
período de 1980 até 2011, está bem fora desta expectativa. A China, no entanto, ainda está na fase de
decolagem, e dificilmente conseguirá manter suas atuais altas taxas de
crescimento econômico. Não se deve
excluir a possibilidade de que a China também caia na armadilha da renda média,
como já ocorreu com outros países emergentes na Ásia. Desta forma, no futuro, ao ter sua taxa de
crescimento econômico reduzida, a China inevitavelmente irá reduzir sua
contribuição para o crescimento econômico do Brasil.
O que fazer
Para
sair da armadilha da renda média, o Brasil teria de fazer uma grande
transformação em sua economia, deixando de ser uma economia acumulativa e
imitadora e se tornando uma economia inovadora.
Para sair da armadilha da renda média, o
Brasil teria de fazer uma mudança fundamental em sua estratégia econômica. Em vez de uma transformação de cima para baixo,
a economia precisa florescer de baixo para cima. Esta mudança requer a liberalização dos
entraves regulatórios e burocráticos que hoje incidem sobre o setor empreendedor. Redução da carga tributária e eliminação do
pesadelo burocrático são imprescindíveis. O setor estatal deve abandonar seu
intervencionismo ad hoc, o qual cria
incertezas, em prol de uma política que se limite a oferecer segurança jurídica
e institucional, e que facilite o empreendedorismo.
Porém,
não apenas hoje, mas já por décadas, o Brasil pratica uma política
macroeconômica errada para lidar com a armadilha da renda média. Em vez de liberar a economia, o estado cria
cada vez mais controles e regulamentações. Em vez de promover uma economia empreendedorial, o Brasil se dedica a
fortalecer ainda mais seu sistema de capitalismo de estado. Em vez de abandonar as políticas
macroeconômicas de cunho dirigista, o país intensifica seu intervencionismo já extremado.
Adotar
políticas fiscais e monetárias expansionistas na tentativa de sair da armadilha
da renda média apenas agrava a situação. Falando em termos de teoria do crescimento
econômico, ambas estas políticas levam a economia a um desequilíbrio entre
poupança, investimentos, gastos e taxa de câmbio. Uma atividade econômica que exceda este ponto
de "crescimento equilibrado" é insustentável. Sem o progresso tecnológico para compensar
este hiato, a economia recua.
Ainda pior
será a situação se o governo apresentar déficits orçamentais, os quais geram
uma redução da taxa nacional de poupança. Neste caso, em consequência de um crescimento
artificial gerado pelos estímulos monetários e fiscais, a economia cairá abaixo
de seu nível anterior de renda.
O
grande erro desta política econômica está em confundir as consequências do
crescimento econômico com suas causas. A
política macroeconômica que o Brasil adotou para lidar com a armadilha da renda
média sofre do mesmo erro que Mises já havia denunciado ao recorrer à alegoria do mestre de obras
que tenta construir uma casa em um tamanho que excede a real quantidade de
insumos ao seu dispor. Este erro de
cálculo não apenas faz com que a construção da casa não seja concluída, como também
faz com que a casa nem sequer possa ficar de um tamanho menor do que aquele originalmente
projetado.
Conclusão
Países
de renda média, após superarem a armadilha da pobreza e a armadilha malthusiana,
enfrentam o esgotamento da mão-de-obra barata. Um país emergente cai na armadilha da renda
média quando, simultaneamente, perde sua capacidade de competir com os países
de baixa renda em termos de preços e, ao mesmo tempo, ainda não possui a
capacidade de competir com os países de alta renda em termos de tecnologia. A
continuidade da ingerência do estado na economia faz com que estes países caiam
no regresso.
Tentar
sair da armadilha recorrendo a políticas de estímulo monetário e fiscal não
apenas não funciona, como na realidade pavimenta o caminho para o endividamento
público, e gera ainda mais debilidade econômica no longo prazo. O caso do Brasil e seus famosos "vôos de
galinha" mostra como o país sofre de recorrentes ciclos de expansão econômica artificial
seguida de contração.
Para
continuar a crescer, o país tem de ter progresso tecnológico. No entanto, se o país recorre a déficits orçamentários
e a inflações monetárias, a tragédia econômica está programada. Para obter maiores níveis de produtividade, o
Brasil teria de abandonar o atual sistema de capitalismo de estado, o qual foi
escolhido como o caminho para a decolagem. Para sair da armadilha da renda média, o
Brasil tem de abrir sua economia para o capitalismo empreendedorial da
destruição criativa.