segunda-feira, 25 nov 2013
Na
seção final de
Ação Humana, Ludwig
von Mises declarou ser um "dever cívico primordial" estudar e entender as
lições da economia. A crescente fúria do
público americano em relação aos efeitos do
Patient
Protection and Affordable Care Act (
Lei
de Proteção ao Paciente e de Assistência Acessível) — popularmente
conhecido como ObamaCare — ilustra perfeitamente o argumento de Mises.
Ninguém
tem o direito de se surpreender com o fato de que milhões
de americanos estão tendo seus atuais planos de saúde cancelados (dentre
eles este
furioso articulista). Tal resultado era óbvio desde o início. Adicionalmente, o hilário problema no website
do governo, HealthCare.gov, que
estreou dia 1º de outubro e até hoje não consegue processar inscrições para
planos de saúde, são meramente uma diversão secundária. Os reais problemas com o ObamaCare são muito
mais profundos do que um simples site estatal que não funciona como deveria.
A estrutura básica do ObamaCare
O
Affordable Care Act (ACA) foi
promulgado no dia 23 de março de 2010.
Há várias cláusulas que começam a valer em etapas
distintas, até 2020. Para os
propósitos deste artigo, há quatro elementos essenciais do ACA que merecem
nossa atenção:
- Os planos de saúde são legalmente
obrigados a fornecer cobertura a todos
os requerentes, independentemente de seu histórico médico. Para isso, haverá um sistema parcial de
"classificação comunal" para os prêmios, o que significa que os planos de
saúde terão de estipular seus prêmios baseando-se (majoritariamente) na
geografia e na idade dos requerentes, e não no sexo ou nas condições
médicas pré-existentes.
- As apólices dos planos de
saúde terão de atender a padrões mínimos (chamados de "benefícios
essenciais de saúde"), o que inclui não
haver um limite máximo para indenizações anuais ou vitalícias das
empresas seguradoras para uma apólice individual.
- Absolutamente todos os
cidadãos dos EUA são obrigados a comprar um plano de saúde. Haverá isenção apenas para determinados
grupos religiosos. Os mais pobres
que se declararem incapazes de arcar com os custos dos prêmios receberão
subsídios do governo federal.
Haverá também "mercados de intercâmbio de planos" em nível estadual
para auxiliar estes indivíduos.
- Haverá uma "obrigatoriedade
aos empregadores" que penalizará empresas com mais de 50 empregados caso
elas não paguem os planos de saúde de seus empregados que trabalham em
tempo integral — no caso, aqueles que trabalham 30 horas ou mais por
semana.
As consequências premeditadas
Há
motivos para as cláusulas específicas acima, as quais, para um completo leigo
em economia, podem parecer superficialmente sensatas. Obviamente, antes da promulgação desta lei,
havia milhões de americanos sem nenhum plano de saúde. Embora muitos deles ainda fossem jovens e
saudáveis — que imaginavam poder se arriscar sem ter um plano de saúde —, havia
vários que realmente queriam cobertura mas que não eram capazes obter nenhuma, seja
porque era muito caro ou porque havia recusa das seguradoras pelo fato de o
indivíduo já apresentar alguma condição médica.
Agora,
dado que o governo queria obrigar as
pessoas a comprar planos de saúde e queria obrigar
as seguradoras a conceder planos de saúde para todos os requerentes, tinha de
haver regras específicas estipulando o valor dos prêmios que elas poderiam
cobrar, bem como o mínimo que elas deveriam oferecer. Caso contrário, as seguradoras poderiam
simplesmente dizer: "Muito bem, presidente Obama, iremos de fato fornecer uma
apólice para qualquer requerente — até mesmo para aquele que já apresentar
câncer no cérebro. O único detalhe chato
é que o prêmio anual para pessoas com câncer no cérebro será de US$2
milhões. E teremos também de limitar
nossas indenizações a US$100 por ano. E
então, quem vai querer apólices?
Ficaremos extremamente felizes em nos sujeitarmos a esta nova lei".
Dando
sequência à lista, consideremos a obrigatoriedade individual, a qual exige que (praticamente) todo cidadão americano
adquira um plano de saúde. O motivo
desta cláusula é evitar aquilo que é conhecido como seleção adversa. Se as
seguradoras fossem obrigadas a fornecer cobertura para todos os requerentes e
se os indivíduos tivessem a liberdade de decidir entre comprar ou não um plano
de saúde, então as seguradoras rapidamente iriam à falência. Afinal, pessoas saudáveis poderiam
simplesmente cancelar suas apólices — não mais tendo de pagar os caros prêmios
—, e então comprar uma apólice apenas quando elas estiverem doentes. Isso seria igual às pessoas comprarem seguros
de veículos somente após terem se
envolvido em um acidente; é óbvio que não seria nada racional para nenhuma
empresa oferecer seguro em um ambiente assim.
Porém,
dado que o governo irá obrigar todos os indivíduos a adquirir um plano de saúde,
era então necessário oferecer subsídios e outros mecanismos para garantir que
esta obrigatoriedade seria exequível.
Finalmente,
a obrigatoriedade do empregador em pagar o plano de saúde de seus empregados
foi ostensivamente incluída com o intuito de minimizar os distúrbios no
sistema. Na ausência desta
obrigatoriedade, temia-se que os empregadores abandonassem os planos de saúde que
já pagam atualmente para seus empregados e lhes dissessem para utilizar o novo
mercado estadual de intercâmbio de planos.
O motivo de restringir esta obrigatoriedade às empresas maiores (com 50
ou mais empregados em tempo integral) e aos empregados em tempo integral
(aqueles que trabalham 30 horas ou mais) é que seria desarrazoado e
contraproducente impor exigências tão caras — as quais podem chegar a milhares
de dólares por ano por empregado — às pequenas empresas ou até mesmo a uma
grande empresa que trabalhasse macicamente com empregados de meio expediente.
Os efeitos "não-premeditados", porém totalmente
previsíveis
Os
americanos estão agora vivenciando os efeitos indesejáveis do ACA. Tais efeitos estão sendo tipicamente
descritos como "não-premeditados". No
entanto, este adjetivo é incabível, uma vez que tais resultados eram totalmente
previsíveis e de fato foram previstos
por vários economistas pró-livre mercado no debate que antecedeu a aprovação do
ACA. Os mais cínicos podem corretamente
especular que pelo menos alguns dos defensores do ACA sabiam perfeitamente bem
que as consequências seriam insustentáveis, o que levaria o público a pedir
ainda mais intervenções federais no sistema de saúde.
A
consequência mais óbvia é um acentuado encarecimento nos prêmios das
apólices de vários americanos. Isso já está ocorrendo. Tão logo as coberturas tornadas obrigatórias pelo
governo estejam totalmente em
vigor, o encarecimento contemplará a todos. O maior aumento
irá ocorrer em locais que atualmente oferecem políticas mínimas, com grandes
deduções e baixas indenizações. Por exemplo, segundo este
artigo da CNN, funcionários do governo estimam que, na Flórida, os prêmios
de um plano "prata" irão encarecer algo entre 7,6 a 58,8%, ao passo que em Ohio
estima-se um aumento médio de 41%.
Agora,
mesmo que a quantia oficial que determinados indivíduos irão pagar por seus planos
de saúde diminua, a real questão é se
esta redução será mais do que compensado pelo aumento nos impostos necessário para cobrir todos os novos
subsídios que serão concedidos a indivíduos pobres que não são capazes de
satisfazer a obrigatoriedade individual (que obriga todos os indivíduos a
adquirir um plano de saúde).
Retrocedamos um pouco e analisemos o cenário como um todo: sob o
ObamaCare, milhões de novas pessoas irão repentinamente sair à procura de mais
serviços médicos do que antes. Não há nada
na nova lei que irá magicamente criar mais médicos, mais hospitais, ou mais
máquinas de ressonância magnética. Os
americanos como um todo irão pagar mais por tudo isso, de um jeito ou de outro.
Com
efeito, o enorme aumento no controle governamental sobre os gastos da saúde irá
fornecer a justificativa para futuros racionamentos impostos pelo governo —
como até mesmo o próprio Paul Krugman reconhece quando ele descaradamente defende a
imposição de "comitês da morte" que iriam determinar quem deve viver e quem
pode morrer. (Sério mesmo, clique no link para assistir ao vídeo caso não
esteja acreditando em mim).
"Mas o presidente disse que eu poderia
manter o meu plano de saúde original caso gostasse dele..."
Outro
resultado previsível é que vários americanos não poderão manter seus planos de
saúde originais. Vários planos já foram
cancelados e estão sendo cancelados diariamente ao redor do país (dentre eles,
o meu).
Milhões
de americanos que compraram planos de saúde no mercado individual (isto é, por
conta própria e não via seus empregadores) estão descobrindo que seus planos
atuais não mais atendem aos critérios impostos pelo ObamaCare.
Para
evitar um encarecimento do valor de seus prêmios, profissionais liberais
relativamente jovens e saudáveis haviam adquirido planos mais simples e com
altas deduções. Tais planos estão doravante proibidos. De acordo com este
artigo da Forbes, ainda em 2010 (sic!), funcionários do governo Obama já
estimavam que 93 milhões de
americanos possuíam planos de saúde que seriam inaceitáveis sob o ObamaCare.
Demissões
Além
do encarecimento dos prêmios (e, em última instância, racionamentos estatais
dos serviços de saúde), outro grande aspecto negativo do ObamaCare é as
demissões que ele irá causar. Por
exemplo, eis o trecho de um email que um economista enviou
para o professor Greg Mankiew, de Harvard:
Com a implementação do ACA (Affordable Care
Act), estas instituições (de ensino superior) estão notificando seus
professores que trabalham meio-expediente de que seus cronogramas de aulas
serão limitados a três seções. Na
faculdade, isso irá resultar no cancelamento de 20 a 25% das aulas de
economia. Creio que outras áreas
vivenciarão resultados similares. Os
alunos não estão completamente cientes desta situação, e vários se
surpreenderão ao descobrir que seu desejo de obter um ensino superior será
impactado pela necessidade de se evitar a total implementação do ACA.
Até
mesmo alguns líderes sindicais
reconhecem a devastação que o ObamaCare iria gerar sobre os trabalhadores, e
estão protestando dizendo que o governo irá "destruir as bases das 40 horas
semanais de trabalho".
Isso
não é nenhuma ciência astronáutica. Se o
governo tem de obrigar empregadores a
fornecer um benefício para seus empregados, então tal benefício é
necessariamente não-lucrativo; caso contrário, os empregadores já o estariam
fornecendo como parte de seu pacote de compensação para atrair mão-de-obra
qualificada. Portanto, se esta custosa e
não-lucrativa obrigatoriedade for aplicada apenas a empresas com 50 ou mais
empregados, e ainda assim valer apenas àqueles empregados que trabalham 30
horas ou mais, então ninguém tem o direito de se surpreender com o fato de que
as empresas ou não estão contratando mais do que 49 empregados ou estão
limitando seus empregados a 29 horas de trabalho por semana.
Conclusão
O
ObamaCare representa a maior expansão da autoridade regulatória do governo
federal em toda a história americana. De
uma só vez, esta nova lei coloca 16% da atividade econômica americana —
praticamente todo o setor de planos de saúde e de serviços médicos — sob o
jugo de burocratas federais. A lei
estipula a cobertura mínima que tem de ser fornecida pelos planos de
saúde. Estipula a cobertura mínima que
cada cidadão americano tem de comprar das seguradoras de saúde. Pune severamente, sem direito a interrogatório,
qualquer indivíduo ou empresa que optar voluntariamente por algo que seja menos
do que a cobertura mínima imposta pelo governo.
Obriga praticamente todos os cidadãos americanos a adquirir apólices
homogêneas, que inclusive tenham cobertura para eventos que não podem ocorrer. E obriga os planos de saúde a aceitarem
pessoas com condições médicas pré-existentes e a cobrarem delas o mesmo prêmio
que cobram de pessoas saudáveis, que não têm nenhuma condição pré-existente.
Quando
os custos de se fornecer um seguro são encarecidos artificialmente, haverá ou
um encarecimento dos prêmios ou uma diminuição efetiva da cobertura, por mais
que isso esteja sendo proibido por burocratas.
Caso contrário, as seguradoras quebram.
É uma questão de realidade econômica e contábil. Ao que tudo indica, os burocratas do governo
americano desconhecem esta realidade.