No início desse ano, o ilustre biólogo de
Harvard, E.O Wilson,
escreveu
um artigo no The Wall Street Journal sobre as limitações da matemática nas
ciências. Este cidadão nascido no Alabama — e mais
conhecido em outros lugares como o Pai da Sociobiologia — argumentou que a capacidade
de formular contribuições conceituais à ciência não demanda habilidades
matemáticas e nem mesmo um componente matemático. Wilson concluiu que "felizmente, uma
excepcional fluência matemática é necessária somente em algumas disciplinas,
tais como a física das partículas, a astrofísica e a teoria da informação.
Muito mais importante no restante das ciências é a habilidade de formular
conceitos, processo esse em que o pesquisador imagina cenários e processos por
meio da intuição".
O próprio Wilson
notou que só foi aprender cálculo depois de seus 30 anos — ou seja, após
ter obtido estabilidade em seu cargo de professor em Harvard —, e lamenta a
perda de conhecimento científico resultante do fato de que seus potenciais
colaboradores optam por outras carreiras devido a uma deficiência no
conhecimento matemático.
Embora isso não seja um problema para os
economistas austríacos — que utilizam a lógica dedutiva apriorista no
desenvolvimento da teoria econômica e dos conceitos econômicos —, a corrente
econômica dominante (mainstream)
permanece apegada a essa ideia de usar dados como um fim em si próprios, de tal
forma que a disponibilidade de dados determina, por si só, a dimensão da
pesquisa econômica. Como resultado,
conceitos como o de capital, que não se prestam à análise matemática, são
frequentemente ignorados pela corrente dominante ou apenas tidos como
constantes (de modo a simplificar seu uso em técnicas de modelagem econômica).
Essa deficiência ajuda a explicar a total
incapacidade do mainstream em sequer
diagnosticar que havia uma bolha imobiliária em formação nos EUA e na Europa, e
uma das principais razões da ignorância desta corrente econômica em relação ao fenômeno
dos investimentos errados e insustentáveis resultantes da inflação da moeda
feita pelo sistema bancário em conjunto com o Banco Central.
Esses comentários de Wilson são muito interessantes
para aqueles que, como os austríacos, sabem que a ênfase da economia mainstream na modelagem estatística é
baseada no desejo de alcançar o mesmo rigor científico das ciências exatas.
Esse desejo é remanescente da Era Progressista, muito bem resumida pelo
discurso de Irving Fisher à Associação Americana de Economia, em 1919. Fisher
escreveu que:
Deveria ser criado
um fundo para a pesquisa econômica, na administração do qual os economistas, o trabalho
e o capital iriam, todos os três, participar e o qual seria um tipo de
laboratório para o estudo dos grandes problemas econômicos que enfrentamos.
Atualmente, as ciências físicas possuem seus grandes laboratórios. Contudo,
espera-se que o economista obtenha seus próprios fatos e suas próprias estatísticas,
e faça seus próprios cálculos à custa de seu próprio orçamento. Pesquisas
caras, muito além do orçamento de um professor comum, são necessárias se um
economista deseja ser de alguma importância para os serviços públicos em
estudar a distribuição de riqueza, o sistema de lucros, os problemas laborais e
outros problemas práticos relevantes.
Meio século depois, Milton Friedman analisou
o argumento de Fisher e o aprofundou no ensaio A Metodologia da Economia Positiva, enfatizando o papel da
matemática e da estatística na economia e glorificando a acurácia preditiva
acima de tudo — acima até mesmo da teoria correta. Os dados devem conduzir tudo que for testado
empiricamente, e se os resultados explicarem corretamente o mundo real, então eles
devem estar corretos do ponto de vista teórico. Para Friedman, as metodologias econômicas
devem "ser julgadas pela precisão, pelo escopo e pela conformidade com a
experiência das previsões que [elas] produzem. Em resumo, a economia positiva é, ou pode ser,
uma ciência 'objetiva', exatamente no mesmo sentido que quaisquer outras das
ciências físicas [exatas]".
Os economistas seguidores da Escola Austríaca
já haviam enfrentado tudo isso anteriormente, começando por sua resposta ao
historicismo alemão e a constatação de que esses historicistas não possuíam
nenhuma base teórica para a economia como uma ciência. Na década de 1950, F.A Hayek notou em sua
importante obra A Contra-Revolução da Ciência que, ao adotarem os modelos matemáticos das ciências naturais,
os economistas podem facilmente tratar o objeto de seu estudo — a pessoa
humana — da mesma maneira que os físicos examinam partículas de matéria. Em vez de seres vivos dotados de livre arbítrio,
a pessoa humana é facilmente reduzida a elementos que podem ser investigados e
manipulados de modo a alcançar um fim social preferido pelo estado. É perfeitamente possível entender por que um grande
progressista como Fisher exaltaria tal abordagem; mas é extremamente irônico
constatar que um libertário como Friedman iria expandi-la.
Embora a matemática seja uma ferramenta
importante nas ciências sociais, a forma com que passou a ser usada pelos
cientistas sociais restringiu o escopo das investigações e, até o momento, não contribuiu
em nada para nosso conhecimento teórico.
Por outro lado, como Rothbard observou, a ênfase na matemática
é ótima para defender a expansão do estado, pois fornece uma "precisão
científica" às políticas governamentais. O resultado hoje é uma espécie de "complexo
intelecto-industrial": os governos extraem dinheiro da população por meio da
força e da coerção e direcionam esse dinheiro para institutos de pesquisa cujos
pesquisadores formulam modelos que fornecem justificativas científicas para
políticas que requerem — surpresa! — que os governos extraiam ainda mais dinheiro
da população por meio da força e de coerção. Infelizmente, trata-se de um complexo que
alimenta grande parte das atividades de pesquisas, da qual uma boa fatia dos
estudantes universitários anseia fazer parte.
Enquanto isso, economistas não-ligados ao
governo e não-dependentes de bolsas estatais são mais modestos em sua abordagem
e mais apreciativos com relação ao papel das leis naturais, cujo estudo e compreensão
deve sempre fazer parte de sua vocação.
Tais indivíduos são
mais propensos a entender que os riscos relacionados a direcionar a ciência
para os interesses normativos de indivíduos poderosos são gigantes. À medida que as economias globais vão reverberando
em reação às intervenções "científicas" nas forças do mercado, a economia mainstream terá inevitavelmente de
adotar uma postura mais humilde e reconhecer as limitações das abordagens
matemáticas. Seus praticantes deveriam
começar aprendendo com aquelas escolas não-convencionais — como a austríaca —
que evitaram estas abordagens.