segunda-feira, 4 nov 2013
Por
que visões utópicas e irrealistas são tão atraentes e inspiradoras para muitas
pessoas ao passo que a simples promessa de liberdade — o que de fato
permitiria que a sociedade se tornasse
muito mais aprimorada — é tão frequentemente desconsiderada?
Um
dos mais prolíficos defensores da liberdade no século XX, o escritor americano
Leonard Read, tentou responder a esta questão.
Em
seu livro Let
Freedom Reign (Deixe a Liberdade
Reinar), Read argumenta que a incapacidade das ideias pró-liberdade de
arregimentar mais seguidores do que o estatismo utópico decorre em grande
medida do fato de que são os fins idealizados, e não os meios considerados, o
que frequentemente motiva as pessoas. Ao
contrário das visões utópicas, a filosofia da liberdade reconhece que um
sistema de livre mercado é um "servo amoral" que não irá gerar apenas
resultados perfeitos e inquestionáveis. Já
o estatismo utópico, ao contrário, promete um mundo perfeito, sem dificuldades,
sem a necessidade de esforço, e sem máculas.
Por essa razão, as ideias pró-liberdade já lidam desde o início com uma
desvantagem em termos motivacionais.
Uma
boa ilustração da "vantagem" da utopia estatista sobre a liberdade é a
afirmação utopista de que tal arranjo irá gerar uma igualdade de resultados (igualdade
essa que, supõe-se, irá ocorrer em um alto nível de prosperidade). Esta motivação, por sua vez, leva à criação
de todo um conjunto de justificativas para se restringir cada vez mais a
liberdade. Mas a realidade, ao contrário
da quimera estatista, é que algumas formas de desigualdade são as principais geradoras de surpreendentes
benefícios sociais. Apenas pense nos
maciços ganhos oriundos da divisão do trabalho, em
que a especialização entre as pessoas com capacidades distintas e desiguais — tudo coordenado por meio de arranjos
voluntários de mercado — gera um enorme aumento da produtividade e da
prosperidade.
Em
vez de deplorar toda e qualquer desigualdade de resultados, seria muito mais
sensato dizer que, enquanto houver liberdade, "a desigualdade irá existir,
felizmente!". Como disse o próprio
Read,
Liberdade e igualdade são mutuamente antagônicas. A ideia de igualdade se baseia na antítese da
liberdade: coerção pura. É impossível
ser livre quando a igualdade é politicamente manipulada.
Não são as nossas semelhanças, mas sim nossas diferenças
que dão origem à divisão do trabalho e aos complexos processos de produção e
comercialização que ocorrem no mercado.
É vantajoso nos especializarmos e comercializarmos com outros
especialistas. Ao servirmos aos outros
— e aos nos tornarmos cada vez mais capacitados e aprimorados (desiguais) no
processo —, estamos servindo aos nossos próprios interesses.
A
desigualdade entre indivíduos é um fato inquestionável, e a liberdade de
incorrer em arranjos voluntários permite aos indivíduos de uma sociedade
alcançar de maneira mais efetiva seus desejos.
Justamente por isso, atribuir resultados indesejados — tais como todos os
possíveis desvios em relação a uma igualdade idealizada — a arranjos
voluntários denota uma incompreensão da realidade. Estes possíveis desvios ocorrem justamente
porque vivemos em uma realidade que os utopistas simplesmente não aceitam.
E
a realidade é que vivemos em um mundo de escassez. Se vivêssemos em um mundo de plena
abundância, haveria de tudo para todos.
Mas como não vivemos no Jardim do Éden, temos de aprender a nos virar da
melhor maneira possível. A divisão do
trabalho e o sistema de mercado são uma das melhores maneiras de sobrepujar os
problemas gerados pela escassez. Por
isso, restringir arranjos voluntários — exceto aqueles que envolvam fraude e
violência contra inocentes — é uma atitude incapaz de solucionar os reais
problemas gerados pelo incontornável fato de que vivemos em um mundo de
escassez. Quaisquer tentativas de se restringir
arranjos voluntários irão apenas afetar a capacidade do mercado de coordenar os
planos produtivos de pessoas que possuem habilidades profundamente distintas. Esta tentativa equivocada de se alcançar uma
utopia impraticável irá apenas causar estragos.
Os
defensores da liberdade têm de lidar com o fato de que os mercados são servos
amorais que capacitam as pessoas a fazer aquilo que mais querem. Não se deve crer de maneira inabalável que os
mercados irão efetuar apenas coisas boas e inspiradoras. No entanto, vale enfatizar que, sempre que
eles fizerem coisas ruins, eles estarão apenas refletindo os desejos de
indivíduos. Com efeito, se o ser humano
fosse completamente "reformado", os mercados não teriam como fazer mal nenhum. Mas essa é a própria definição da utopia. "Reformar"
o ser humano de maneira coerciva, por meio de decretos, felizmente é impossível
e ainda assim não eliminaria as causas de tais malefícios. Ademais, as restrições aos mercados que
ocorreriam neste processo iriam justamente abolir este servo amoral que nos
permite alcançar um arranjo muito mais benéfico e satisfatório do que aquele
alcançável por quaisquer outros meios.
Há
uma distinção crucial entre os fins utópicos e "inspiradores" e os meios que
tais fins necessariamente envolvem. Os
meios coletivistas que as utopias requerem dependem da coerção; por isso, são
imorais. Consequentemente, é impossível
que tais utopias sejam moralmente defensáveis.
Como
escreveu Read,
Examine cuidadosamente os meios empregados em termos de
certo e errado, e a moralidade dos fins revelar-se-á por si só.
Por mais sublimes e grandiosos que sejam os objetivos, se
os meios empregados são depravados, o resultado final necessariamente será um
reflexo dessa depravação.
Os meios utilizados para se alcançar objetivos
individualistas servem como um poderoso impulso rumo ao florescimento material,
intelectual, moral e espiritual do indivíduo.
Aqueles que formam a sociedade são os beneficiários secundários. Se vamos nos ajudar uns aos outros, vamos
primeiro nos ajudar a nós mesmos utilizando aqueles meios que se qualificam
como moralmente corretos.
Fins
visionários ou utópicos inspiram algumas pessoas a implantar fracassos
estatizantes, sacrificando a liberdade em prol de inúmeras "boas
causas". Concentrar-se na moralidade dos
meios (voluntários versus coercivos) e não nos objetivos declarados tem de ser
a postura correta. Uma vez que os meios
utilizados pelas "soluções" estatizantes são imorais, tais sistemas são
moralmente inferiores a arranjos voluntários.
A
liberdade produz arranjos voluntários que evoluem e prosperam tão logo os
direitos do indivíduo sobre si próprio e sobre sua propriedade são protegidos. A liberdade fornece os meios para se alcançar
tudo que há de melhor e que é realmente alcançável em uma sociedade. À medida que prosperamos, cada um de nós tem
mais a oferecer aos outros, sem a necessidade de atos imorais. E tudo aquilo que a liberdade historicamente
já alcançou — que está muito além da capacidade de visualização de qualquer
pessoa, e que abre um amplo leque de possibilidades ainda desconhecidas — nos
fornece amplos motivos para confiarmos nela em detrimento de todas as
alternativas coercivas.
Defender
a liberdade é uma atitude que requer a capacidade de "ver" todo aquele bem
despercebido (e frequentemente inimaginável) que só pode ser alcançado quando
se libera a capacidade das pessoas de criar e inovar de maneira pacífica. É necessário também ser capaz de "ver",
entender e articular os inerentes fracassos dos meios coercivos e imorais
empregados com o intuito de se alcançar objetivos utópicos, os quais são inalcançáveis,
não obstante o uso de tais meios. Com
esta visão, a liberdade pode ser reconhecida e entendida como algo muito mais
inspirador do que qualquer alternativa coerciva e estatizante.