Quando
o governo Lula anunciou, com a fanfarra que lhe era habitual, a existência de petróleo
na camada pré-sal do litoral brasileiro, ainda em 2006, a exultação foi
enorme. Quando, em 2008, a Petrobras
extraiu pela primeira vez petróleo do pré-sal, a promessa era a de que todos os
problemas do Brasil já estavam solucionados.
Bastava apenas extrair o petróleo lá das profundezas, e todos os
problemas da educação e da saúde seriam miraculosamente resolvidos com o
dinheiro que seria obtido com a exportação deste petróleo.
No
entanto, não era necessário ser nenhum especialista em geologia para entender
que a aposta era arriscada. Bastava
apenas entender o básico de economia. A
extração de petróleo da camada pré-sal não é uma operação qualquer. Não é tão simples quanto a tradicional
extração de petróleo da camada de pós-sal.
Veja a figura abaixo.

Uma
coisa é extrair petróleo a 2.000 metros de profundidade, sem grandes
obstáculos. Outra coisa, completamente
distinta, é extrair petróleo a 6.000 metros de profundidade, tendo de superar
duas camadas (camada de pós-sal e camada de sal) para se chegar ao pré-sal. Esta operação é tecnicamente cara. Logo, só é economicamente viável se o preço do barril de petróleo estiver
acima de um determinado valor.
E
é aí que começa a encrenca.
Quando
a euforia do pré-sal estava em seu apogeu, em meados de 2008, o preço do
petróleo também estava em níveis recordes, chegando a bater em US$145 o barril,
o que de fato tornava economicamente viável a exploração do pré-sal. Logo, sob este aspecto, havia algum sentido político
em se fazer demagogia e proselitismo a respeito dos supostos milagres que a
extração do petróleo do pré-sal traria ao país.
O
problema é que esta alta do petróleo não se sustentou. No final de 2008, o preço do barril desabou
de US$145 para US$35 e, desde 2011, vem oscilando entre US$80 e US$100. Veja a evolução
no gráfico abaixo.

Segundo
estimativas otimistas, o início da produção do pré-sal brasileiro pode levar de
5 a 10 anos, a depender da geologia do local e dos investimentos feitos. E o pico da produção pode levar 15 anos para
ser atingido. É tempo demais para um
empreendimento tão caro e de preço final tão volátil.
Essa
total suscetibilidade aos preços futuros do barril de petróleo cria uma enorme
incerteza ao empreendimento do pré-sal.
Por exemplo, qualquer descoberta de novas jazidas em qualquer parte do
mundo, ou até mesmo a confirmação de novas fontes de energia, poderá derrubar o
preço do petróleo, tornando ainda mais inviável o pré-sal.
No
momento, a maior ameaça para os prosélitos do pré-sal vem dos EUA, onde surgiu
um novo fenômeno que pode colocar tudo a perder: o gás
de xisto. Esta nova fonte de energia
está fazendo com que o custo da energia venha caindo
vigorosamente nos EUA. No momento,
em decorrência de um
pesado lobby de gigantes industriais como Dow, Alcoa, Celanese e Nucor, a
exportação de gás de xisto foi proibida pelo governo americano, o que vem
garantindo energia abundante e barata a essas empresas dentro dos EUA e
impedindo que o preço da energia caia ao redor do mundo. No entanto, caso um futuro governo americano
libere a exportação do gás de xisto, o pré-sal pode se tornar imediatamente
inviável.
Segundo
estimativas
da Administração de Informação sobre Energia (EIA — Energy Information
Administration), a reserva americana de gás de xisto é de 2,7 trilhões de
metros cúbicos, o que seria suficiente para abastecer o mercado americano por
mais de 100 anos. No entanto, a produção
de gás de xisto vem sofrendo pesadas restrições impostas por poderosos grupos
ambientalistas, pois, segundo eles, a tecnologia utilizada na extração —
popularmente chamada de fracking, que
é um sistema de fratura hidráulica que consiste na injeção de grandes volumes
de água a profundidades superiores a três quilômetros para liberar gás — apresenta
risco de contaminação de fontes de água potável.
Além
do gás de xisto, é preciso considerar que sempre há a possibilidade de o governo
americano liberar a extração de petróleo na reserva selvagem de ANWR,
no Alasca, o que garantiria mais 10 bilhões de barris de petróleo, o suficiente
para alimentar os EUA por dois anos.
Não
bastassem todas essas "ameaças", há também o fato de que os estados americanos
de Colorado, Utah e Wyoming possuem as maiores reservas de xisto
petrolífero do mundo, capazes de produzir, segundo estimativas da United States
Geologic Survey, mais de 1,5 trilhão
de barris. No momento, a produção ainda
é inviável,
justamente por causa do atual preço do petróleo, considerado ainda baixo. Vale enfatizar que as empresas são um tanto
reticentes a este tipo de investimento por causa de uma desventura ocorrida no
passado: durante a crise do petróleo da década de 1970, as petrolíferas
imaginaram que os preços ficariam altos em definitivo (naquela época, US$70 o
barril), e investiram somas consideráveis na extração deste xisto petrolífero. No entanto, o preço do petróleo convencional
caiu na década de 1980, e vários destes investimentos se tornaram
inviáveis. No dia 2 de maio de 1982, dia
que ficou conhecido como o Domingo
Negro, a Exxon cancelou um projeto de US$5 bilhões de dólares no
Colorado por causa da queda do preço do petróleo, demitindo mais de 2.000 trabalhadores.
Em decorrência dos prejuízos da década
de 1980, essas empresas se tornaram relutantes a fazer novos investimentos
desse tipo.
Todos
esses fatores concorrem para gerar incertezas quanto ao preço futuro do
petróleo.
Nas
atuais condições, para que a extração de petróleo do pré-sal brasileiro seja economicamente
viável, ou o preço do barril de petróleo no mercado internacional teria de
disparar ou a empresa exploradora teria de usufruir grandes benefícios
tributários. Fora isso, sempre há a
terceira opção: entregar a exploração a empresas estatais, que não operam de
acordo com o sistema de lucros e prejuízos e, consequentemente, não têm de se
preocupar com o preço do petróleo. Elas
podem simplesmente espetar a conta nos pagadores de impostos.
Ao
que tudo indica, as petrolíferas de fato pensam assim, e uma boa comprovação
pôde ser testemunhada ontem, dia 21 de outubro, no leilão do campo de Libra
realizado pelo governo brasileiro.
Propagandeado como a maior reserva de petróleo do Brasil e a maior área para exploração de petróleo no
mundo, cujo potencial poderia se aproximar dos 12 bilhões de
barris, o governo brasileiro esperava atrair pelo menos 40 empresas para o
leilão de Libra. Quantas realmente se candidataram? Apenas quatro:
duas estatais chinesas (CNPC e CNOOC), uma empresa francesa (Total) e a
anglo-holandesa Shell. As quatro
formaram um único consórcio, o que significa que não houve nenhuma concorrência
no leilão. Gigantes do setor, como Chevron,
Exxon Mobil, BHP Billiton, Statoil, BP e Repsol não se interessaram.
Como
presente de grego, essas quatro empresas vencedoras terão a Petrobras como
sócia compulsória e majoritária.
Toda
a lambança começou com o regime de exploração escolhido pelo governo. Havia duas opções: o regime de concessão —
que é o utilizado desde 1997, e que ajudou a elevar sobremaneira o volume de
petróleo produzido no Brasil —, e o regime de partilha, um monstrengo inventado
por motivos puramente ideológicos.
Nenhum
destes dois modelos representa uma privatização genuína. Ambos são uma parceria público-privada, que nada mais é do que um arranjo
corporativista no qual estado e grandes empresas se aliam para, sob o manto de
estarem realizando serviços, extorquir os cidadãos e dividir entre si o butim,
dando em troca algo que lembra um pouco, com muita boa vontade, uma prestação
de serviço. No entanto, o regime
escolhido pelo governo, o de partilha, é o pior dentre os dois.
Em uma PPP tradicional — que
continua sendo adotado nas áreas de petróleo existentes no pós-sal —, todos os
gastos e todos os riscos da produção, bem como a propriedade dos
hidrocarbonetos, são do consórcio que obteve a concessão. Em troca, o consórcio paga ao Tesouro
impostos e participações especiais sobre o valor da produção, além de pagar royalties
aos estados e municípios onde a atividade é realizada.
No
arranjo adotado, que foi o "regime de partilha", o dono do petróleo é o
Tesouro. Neste arranjo, o estado fica
com uma parcela da produção física em cada campo de petróleo. O consórcio
paga um bônus à União ao assinar o contrato e, se encontrar petróleo, será
remunerado com uma parcela deste petróleo que seja suficiente para cobrir seus
custos e garantir algum ganho. Todo o
resto do petróleo ficará para a União (daí o nome de "partilha"). Além
disso, todas as decisões de investimento serão, em última instância,
autorizadas ou negadas pela Petrobras, que também usufruirá uma participação
mínima obrigatória de 30% entre as empresas componentes do consórcio — no caso
de Libra, ela terá 40%.
Como
que para comprovar a irracionalidade da coisa, o modelo de partilha obriga a
Petrobras a desembolsar R$6 bilhões, que correspondem a 40% do bônus de
assinatura do contrato. Dado que o
senhor Mantega veio a público jurar que a Petrobras tem essa quantia,
podemos então ter a certeza absoluta de que ela não tem, e terá de pegar com o
Tesouro ou com o BNDES (leia-se: de nós).
No modelo de concessão, a Petrobras e o governo não teriam de pagar
nada.
Por
último, a cereja do bolo: o governo obrigará as plataformas a terem um "elevado
conteúdo de fabricação nacional", um privilégio nacional-desenvolvimentista
que servirá para as indústrias fornecedoras aumentarem seus preços e encarecer ainda mais o
processo produtivo.
Sabendo
de tudo isso, é realmente de se estranhar que tenha havido um interesse quase
nulo das petrolíferas privadas? Quem
iria se sujeitar a um marco regulatório tão arbitrário e politicamente
subjetivo quanto este? Dado que a
Petrobras detém 40% de participação no consórcio, e é hoje a
empresa mais endividada do mundo, por acaso seria algum exagero prever que todos
esses direitos assegurados ao governo brasileiro é que irão ditar os
investimentos e as decisões de desenvolvimento?
Como afinal será o critério para decidir qual será o volume de petróleo suficiente
para cobrir os custos da produção e suficiente para garantir algum ganho às
empresas?
Não
é nada surpreendente que as grandes e experientes petrolíferas privadas nem
sequer tenham se apresentado para participar dessa presepada, deixando a
encrenca para as estatais chinesas.
O
que está acontecendo, portanto, é um agigantamento
do estado no setor petrolífero. E isso
está sendo vendido ao público como "privatização". Realmente, é desesperadora a situação do
debate econômico no Brasil.
Solução
Os
problemas de um setor petrolífero nas mãos do estado são óbvios demais: ele
gera muito dinheiro para políticos, burocratas, sindicatos e demais
apaniguados. Isso é tentador. A teoria diz que toda e qualquer gerência
governamental sobre uma atividade econômica sempre estará subordinada a
ineficiências criadas por conchavos políticos, a esquemas de propina em
licitações, a loteamentos de cargos para apadrinhados políticos e a monumentais
desvios de verba. No setor petrolífero, Venezuela,
Nigéria e todos os países do Oriente Médio comprovam essa teoria.
Um
setor ser gerido pelo governo significa apenas que ele opera sem precisar se
sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos. Todos os déficits
operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro
confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos. Um empreendimento estatal
não precisa de incentivos, pois não sofre concorrência financeira — seus
fundos, oriundos do Tesouro, em tese são infinitos. O interesse do consumidor é a última variável
a ser considerada.
No setor petrolífero brasileiro, o dinheiro é retirado do subsolo e despejado
no buraco sem fundo da burocracia, da corrupção, dos privilégios e das mamatas. Todos os governos estaduais e todos os
políticos do país querem uma fatia deste dinheiro para subsidiar suas
burocracias e programas estatais preferidos.
Consequentemente, em todos os setores em que esse dinheiro é gasto, ele
é desperdiçado. Como é economicamente
impossível o governo produzir algo de real valor, ele na prática apenas consome
os ativos e a riqueza do país.
Caso
o setor petrolífero estivesse sob o controle de empresas privadas, todo o
dinheiro retirado do subsolo seria de propriedade destas empresas e de seus
acionistas. Sim, haveria impostos sobre esse
dinheiro. Mas a maior parte dele ainda
iria para mãos privadas. É assim nos EUA
e em vários países da Europa. Tal
arranjo mantém o dinheiro longe das mãos do governo e dos demais parasitas, e
garante que a produção e a distribuição sempre ocorrerão estritamente de acordo
com interesses de mercado, e não de acordo com conveniências políticas.
Sendo
assim, qual a maneira efetiva de se desestatizar o setor petrolífero do Brasil? Legalizando a concorrência. Para isso, bastaria o estado se retirar do
setor petrolífero, deixando a Petrobras à sorte de seus próprios funcionários,
que agora não contariam com nenhum monopólio, nenhuma proteção e nenhuma
subvenção. O estado não venderia nada
para ninguém. Apenas sairia de cena,
aboliria a ANP e nada faria para impedir a chegada concorrência estrangeira.
A
Petrobras é do povo? Então, nada mais
coerente do que colocar este mantra em prática: após a retirada do governo do
setor petrolífero, cada brasileiro receberia uma ação da Petrobras que estava
em posse do governo. E só. Ato contínuo, cada brasileiro decidirá o que
fazer com esta ação. Se quiser vendê-la,
que fique à vontade. Se quiser mantê-la,
boa sorte. Se quiser comprar ações das
outras empresas petrolíferas que agora estarão livres para vir operar aqui, sem
os onerosos fardos da regulamentação da ANP, que o faça. Se a maioria dos acionistas brasileiros quiser
vender suas ações para investidores estrangeiros, quem irá questionar a divina
voz do povo? Se o povo é sábio o
bastante para votar, então certamente também é sábio o bastante para gerenciar as
ações da Petrobras.
O
objetivo supremo é fazer com que o dinheiro do petróleo vá para as mãos do
povo, e não para o bolso de políticos e burocratas. É assim que acontece em outros países,
principalmente nos EUA, onde não há autossuficiência e a gasolina é bem mais
barata que a nossa.
Conclusão
É
claro que isso nunca será feito. Isso
significaria capitalismo genuíno.
Significaria cidadãos privados participando ativamente da riqueza gerada
pela indústria petrolífera, e se beneficiando dela — algo proibido em arranjos
socialistas como o que vigora no Brasil.
Sem
o estado participando ativamente do setor petrolífero, não mais seria possível
ocorrer as manipulações, as indicações políticas e os jogos de favorecimento a companheiros
no alto comando da Petrobras.
Mas
nenhum governo de nenhum partido fará esse tipo de reforma. Imaginar que políticos irão voluntariamente
abrir mão dos privilégios gerados pela Petrobras é tão lógico quanto imaginar
que cupins irão voluntariamente abdicar da madeira. O governo é naturalmente formado por
insaciáveis praticantes da espoliação pública.
Tais pessoas não apenas querem utilizar o dinheiro do petróleo para
financiar seus próprios projetos eleitoreiros, como também querem ter o governo
subsidiando esses seus buracos sem fundo.
Só nos resta aguentar.