A
descoberta de novos continentes durante as últimas décadas do século XV ampliou as
fronteiras do comércio internacional e levou a uma alteração em sua natureza e
a uma expansão em seu volume. Como resultado
da abertura de novas minas de prata nas Américas entre 1540 e 1600, a Europa
passou a ser fartamente abastecida por uma abundância de dinheiro metálico, o
que facilitou o estabelecimento de uma verdadeira economia baseada em um
sistema de preços.
Esta
alteração ocorrida no comércio, em conjunto com a ampliação do uso do dinheiro,
acelerou o desenvolvimento de um novo espírito de livre iniciativa,
pavimentando o caminho para o triunfo das classes mais endinheiradas. Com efeito, tal fenômeno levou a uma grande
transição em todo o arranjo econômico: várias economias até então meramente
locais se fundiram em uma grande economia nacional; o feudalismo deixou de
existir e deu lugar ao capitalismo comercial; um arranjo de comércio
comparativamente pequeno abriu espaço para uma época de extenso comércio
internacional. Esta mudança na estrutura
econômica costuma ser rotulada, pelos historiadores econômicos, de "Revolução
Comercial".
No
mundo das ideias, esta alteração na estrutura econômica encontrou sua expressão
naquilo que é conhecido como "mercantilismo".
Em
primeiro lugar, todos os mercantilistas entendiam que o objetivo supremo de
toda e qualquer atividade econômica era o benefício do estado. Para eles, os interesses do estado sempre
deveriam ter prioridade em relação aos interesses do indivíduo. O propósito de todas as doutrinas
mercantilistas é — e sempre foi — aumentar o poder econômico do estado. Os interesses do estado de modo algum tinham
de estar necessariamente em harmonia com as atividades do indivíduo. Para os mercantilistas, coisas como salários,
juros, indústria e comércio deveriam ser regulados de modo a sempre beneficiar
o estado. Não tardou muito para que tudo
isso levasse a uma grande ênfase à importância da acumulação de metais por um
estado.
Os
motivos oferecidos em defesa da tese da importância da acumulação de metais
mudavam de tempos em tempos, mas todos os mercantilistas concordavam que uma
nação deveria tentar, de todas as maneiras possíveis, aumentar sua acumulação
de metais preciosos. Em termos gerais,
os mercantilistas reconheciam que aqueles países que não possuíam minas de ouro
ou prata só poderiam aumentar seus estoques destes metais se apresentassem uma balança comercial favorável (levando-se
em conta que apenas meios pacíficos fossem adotados). Consequentemente, eles passaram a tratar o
comércio internacional — e, mais especificamente, os superávits na balança
comercial — como sendo a atividade mais imprescindível para as indústrias de
uma nação.
Toda
a controvérsia entre protecionismo e livre comércio, que começou no final do
século XVII, estava ligada ao comércio com as Índias orientais — mais
especificamente, às importações trazidas pela Companhia das Índias
Orientais. Na metade final daquele
século, as importações de tecidos indianos para a Inglaterra estavam
aumentando, especialmente durante as duas últimas décadas. Devido aos seus altos custos de produção, as
indústrias têxteis inglesas não conseguiam lidar com a concorrência dos
importados indianos. O resultado foi
que, na última década daquele século, as indústrias de lã e seda inglesas
entraram em profunda crise. Estas
indústrias vivenciaram uma forte depressão e um grande desemprego, levando os
tecelões e o público em geral a reclamar do comércio com as Índias Orientais.
Os
mais conhecidos porta-vozes dos interesses dos tecelões eram John Cary e John
Pollexfen. Assim como outros
mercantilistas, eles basearam suas argumentações no conceito de que o estado
era uma entidade econômica, e clamaram por uma política econômica nacional
específica que beneficiasse o estado.
Cary e Pollexfen julgavam os benefícios do comércio de acordo com a
natureza das exportações e importações, e não de acordo com seu volume e
valor. Em outras palavras, "só é
vantajoso para o Reino o comércio que exporta nossos produtos e manufaturas;
que importa para nós mercadorias que ajudem na fabricação de nossas
manufaturas; que nos forneça bens sem os quais não poderíamos manter nosso
comércio exterior; e que estimule nossas navegações e aumente nosso número de
marinheiros".
Baseando-se
nestes critérios, o comércio com as Índias orientais era tido como prejudicial
e nada benéfico para a Inglaterra.
Consequentemente, os mercantilistas da época deixaram de valorizar o
comércio estrangeiro pelos seus próprios benefícios e até mesmo pelos metais
preciosos que ele trazia para o país, mas sim de acordo com seus efeitos sobre
as indústrias nacionais.
Os
mais hábeis defensores da Companhia das Índias Orientais eram Josiah Child e
Charles Davenant. Eles não negavam o
óbvio fato de que o comércio indiano era prejudicial para determinadas
indústrias britânicas, mas ainda assim afirmavam que tal fato não era o
bastante para condenar o comércio com as Índias orientais. Em vez de critérios mercantilistas e
protecionistas, eles tentaram estabelecer uma nova regra para testar se um
determinado comércio era benéfico para um país ou não:
O melhor e mais infalível critério é observar se há um
aumento ou uma diminuição de nosso comércio como um todo. Se o comércio for volumoso e estiver
crescendo contínua e diariamente, tanto importações quanto exportações, e se
isso estiver ocorrendo não somente por alguns anos, mas por eras, então tal comércio
tem de ser nacionalmente proveitoso.
Utilizando
este critério e recorrendo a fatos que eles haviam coletado como prova de que o
comércio com as Índias orientais vinha promovendo a prosperidade geral da
nação, eles foram capazes de apresentar um argumento convincente de que o
comércio com as Índias orientais era benéfico para todo o país. Da mesma maneira, e inversamente, eles
tentaram mostrar que as propostas de se proibir o uso de todos os tecidos
indianos importados seria deletério para a Inglaterra.
Logo,
não deixa de ser extremamente curioso notar que, em toda essa contenda
envolvendo fabricantes de tecidos ingleses e importadores de tecidos indianos,
embora ambos os lados estivessem argumentando visando a seus próprios
interesses especiais, os argumentos apresentados pela Companhia das Índias
Orientais — embora nada imbuídos de qualquer genuína devoção ao livre comércio
— foram precursores de todos os avanços que posteriormente ocorreriam nos
estudos sobre a importância do livre comércio.
E
os próprios membros da Companhia das Índias Orientais não poderiam ter assumido
essa postura caso não houvessem sacrificado parte de suas doutrinas
mercantilistas e recorressem à doutrina do livre comércio. A seguinte citação talvez seja suficiente
para revelar seus principais argumentos:
O comércio, por sua própria natureza, é livre. Ele é capaz de encontrar seu próprio conduto
e é capaz de se dirigir ao melhor arranjo.
Todas as leis criadas com o intuito de impor regras e direções, de
limitar e confinar o comércio, irão servir apenas aos objetivos particulares de
determinados indivíduo. Raramente serão
benéficos para o público.
Vale
enfatizar novamente que tais pessoas não eram devotas do livre comércio. Elas defendiam deixar o comércio livre de
amarras somente na medida em que tal argumento servia aos propósitos de sua
Companhia e na medida em que suas ideias constituíam um mero argumento em prol
de um interesse especial. Não obstante,
tais homens involuntariamente pavimentaram todo o caminho para a defesa
intelectual do livre comércio.
O
artigo acima é um trecho do capítulo II do livro An
Outline of International Price Theory.