segunda-feira, 6 out 2008
A inflação alemã de
1914-1923 teve um início discreto, movendo-se a uma vagarosa taxa que variava
de um a dois por cento. No primeiro dia da Guerra, o Reichsbank alemão, como
todos os outros bancos centrais das nações beligerantes, suspendeu a conversão de
papel-moeda em ouro com o intuito de impedir que suas reservas se esgotassem.
Como todos os outros bancos, o Reichsbank ofereceu
assistência ao governo central no financiamento do esforço de guerra. Como
impostos são sempre impopulares, o governo alemão preferiu pedir emprestado as
quantias necessárias de dinheiro ao invés de ter de aumentar substancialmente
seus impostos. Nesse objetivo ele foi prontamente auxiliado pelo Reichsbank,
que simplesmente passou a comprar a maior parte dos títulos do Tesouro.
Assim, uma porcentagem crescente da dívida do governo foi
parar nos cofres do Banco Central, e um montante equivalente de papel-moeda,
impresso sem qualquer lastro, acabou como dinheiro vivo em posse do público. Ou
seja, o Banco Central estava monetizando a crescente dívida do governo.
Ao final da Guerra, a quantidade de dinheiro em
circulação havia quadruplicado e os preços haviam subido 140 por cento.
Entretanto, o marco alemão não havia sofrido mais do que a libra britânica,
estava um pouco mais fraco do que o dólar americano, porém mais forte do que o
franco francês. Porém, cinco anos depois, em dezembro de 1923, o Reichsbank já
havia emitido 496,5 quintilhões de marcos, fazendo com que cada cédula valesse
um trilionésimo do que valia em ouro de 1914.[1]
Assombroso! Praticamente cada bem e serviço estava
custando trilhões de marcos. O dólar americano estava cotado a 4,2 trilhões de
marcos, e o penny (moeda de um cent) americano custava 42 bilhões de marcos.
Como pôde uma nação européia que se orgulhava de seu alto nível de educação e
cultura erudita sofrer tão vasta, completa e abrangente destruição do seu
dinheiro? Quem iria infligir nessa grande nação uma perversidade tamanha que
acabasse gerando nefastas ramificações econômicas, sociais e políticas não apenas
para a Alemanha, mas também para todo o mundo? Seriam os vitoriosos da Primeira
Guerra Mundial que, em uma vingança diabólica, devastaram o país derrotado
através de ruinosas manipulações financeiras e pilhagens várias?
Difícil, pois
cada marco era impresso por alemães e emitido por um banco central gerenciado
por alemães em um governo puramente alemão. Eram partidos políticos alemães,
tais como os Socialistas, o Partido Católico de Centro, e os Democratas,
formando várias coalizões governamentais, os responsáveis exclusivos pelas
políticas que conduziam. Mas é claro que admitir a responsabilidade por
qualquer calamidade não é algo que se deve esperar de qualquer partido político.
O raciocínio que levou esses partidos a inflar a moeda
nacional a taxas tão astronômicas é de interesse não apenas dos historiadores
econômicos, uma vez que é muito revelador das justificativas utilizadas para a
destruição monetária. As doutrinas e teorias que levaram à destruição monetária
alemã têm, desde então, causado destruição em muitos outros países. Na verdade,
elas podem estar ativas neste exato momento em todo o mundo ocidental. No nosso
parecer, quatro doutrinas ou teorias incorretas guiaram as autoridades
monetárias alemãs durante aqueles perniciosos anos.
Não há inflação na Alemanha
O mais incrível sofisma econômico promovido por
financistas, políticos e economistas eminentes foi um esforço para mostrar que
não havia inflação monetária e nem inflação de crédito na Alemanha. Esses
especialistas admitiam de imediato que a quantia nominal de papel-moeda em
circulação de fato era enorme. Mas - argumentavam eles - o valor real de todo o dinheiro em circulação, isto
é, o valor em ouro dos preços dos bens e serviços, estava muito menor do que
antes da guerra e abaixo do que aqueles praticados por outros países
industriais.
O Ministro das Finanças e celebrado economista, o Dr.
Helfferich, garantia repetidamente à sua nação que não havia inflação na
Alemanha, uma vez que o valor total da moeda em circulação, quando mensurado em
ouro, estava coberto pelas reservas de ouro no Reichsbank a uma razão muito
maior do que antes da guerra.[2] O presidente do Reichsbank, o Dr. Havenstein, negava
categoricamente que o banco central havia inflado a moeda alemã. Ele estava
convencido de que o banco central havia seguido uma política restritiva, pois
seu portfolio valia, em marcos redimíveis em ouro, menos da metade de seus
haveres de 1913.
O professor Julius Wolf escreveu no verão de 1922:
"Em proporção à necessidade, há menos dinheiro circulando agora na
Alemanha do que antes da guerra. Essa declaração pode causar surpresa, mas é
correta. A circulação é agora de 15-20 vezes aquela dos dias anteriores à
guerra, enquanto que os preços subiram 40-50 vezes".[3] Similarmente, o Professor Elster reassegurou seu povo de
que "por mais enorme que possa ser o aparente aumento na circulação em
1922, na realidade os números mostram um declínio".[4]
O Departamento de Estatística do governo alemão até mesmo
calculou os valores reais da circulação per capita em vários países. Essa
pesquisa também concluiu que havia uma escassez de moeda na Alemanha - os
indivíduos alemães estavam portando menos moedas -, mas uma considerável
inflação de marcos no exterior.
Valor em ouro do
dinheiro em circulação (marcos por pessoa)
|
|
1920
|
1922
|
Alemanha
|
87,63
|
17,92
|
Inglaterra
|
84,40
|
110,73
|
França
|
180,05
|
229,90
|
Suíça
|
89,49
|
103,33
|
Estados
Unidos da América
|
101,35
|
97,66
|
Fonte: Wirtschaft
und Statistjk, 1923, No. 1.
(Para se obter as quantias em dólares americanos, os
números devem ser divididos por 4,2).
É claro que essa fantástica conclusão concebida pelas
autoridades monetárias e pelos especialistas trouxe nefastas conseqüências para
milhões de pessoas. Através de sofismas tortuosos, ela simplesmente removeu
qualquer responsabilidade individual pelo desastre e, consequentemente, removeu
todos os limites à emissão de papel-moeda.[5]
A fonte desse monumental erro provavelmente está na
ignorância a respeito de um dos mais importantes determinantes do valor da
moeda: a atitude das pessoas em relação ao dinheiro. Por qualquer razão, as
pessoas podem alterar a quantidade de dinheiro que querem guardar consigo (seu efetivo em caixa). Um aumento
do efetivo em caixa de muitas pessoas tende a aumentar o valor de troca do
dinheiro; uma redução do efetivo em caixa tende a diminuí-lo. Assim, para
alterar radicalmente seu efetivo em caixa, os indivíduos devem ter motivos
persuasivos. Eles naturalmente vão aumentar seus haveres sempre que perceberem
que o valor do dinheiro vai subir, como por exemplo em uma depressão. E eles
vão reduzir seus haveres sempre que esperarem um declínio no valor do dinheiro.
Durante a hiperinflação alemã, eles reduziram seus haveres a um mínimo
absoluto, até que finalmente passaram a evitar qualquer posse do dinheiro. É
obvio que os preços dos bens irão, então, subir mais rapidamente e que o valor
do dinheiro vai se depreciar mais rápido do que sua taxa de criação. Se o valor
do efetivo em caixa individual declinar mais rapidamente do que a taxa de
impressão monetária, o valor do estoque total do dinheiro também vai se
depreciar mais rápido do que essa taxa. Isso é tão bem compreendido que até
mesmo os economistas matemáticos enfatizaram a "velocidade" do
dinheiro em suas equações e nos cálculos do valor do dinheiro. Mas as
autoridades monetárias alemãs estavam alheias a esses princípios tão básicos da
ação humana.
Pela saúde, educação, bem-estar
e pleno emprego
Imediatamente após a guerra, o governo alemão, sob a
liderança do Partido Socialista, iniciou uma política de pesados gastos com
saúde, educação e assistencialismo. As demandas sobre o Tesouro já eram
extremamente intensas por causa dos gastos com a desmobilização militar, das
exigências do Armistício, das desordens oriundas da revolução e dos atordoantes
déficits das indústrias que foram nacionalizadas, principalmente as ferrovias,
os serviços postais, a telefonia e os telégrafos.
A administração pública conduzida
pelos novos homens alçados ao poder pela revolução era, todavia, extravagante,
uma vez que os recursos disponibilizados pela possibilidade de se criar
dinheiro eram aparentemente ilimitados. Foram apresentadas algumas medidas para
a nacionalização de certas indústrias (por exemplo, as de carvão, elétrica e
potassa), mas não tiveram sucesso em virar lei. A jornada diária de oito horas
foi promulgada, e os sindicatos ganharam várias imunidades e privilégios
jurídicos. Com efeito, um sistema de assembleias trabalhistas foi criado para
permitir aos trabalhadores de cada empresa eleger representantes que
participassem da administração da empresa!
Enquanto os gastos do governo
cresciam descontroladamente, as receitas foram sofrendo um declínio gradual até
que, em outubro de 1923, apenas 0,8 por cento das despesas do governo eram
cobertas por receitas de impostos. Para o período compreendido entre 1914 e
1923, apenas quinze por cento das despesas eram cobertas por meio de impostos.
Na fase final da inflação, o governo alemão padeceu de uma completa atrofia do
sistema fiscal.
A depreciação da moeda provocou a destruição de riqueza
tributável, como hipotecas, títulos, anuidades e pensões, o que por sua vez
reduziu as receitas do governo. Alguns especuladores colheram lucros
espetaculares com a depreciação, mas eles sabiam como se esquivar facilmente
dos impostos. Ademais, as políticas fiscais do governo socialista eram
abertamente hostis ao capital e frequentemente se esforçavam para impor
impostos confiscatórios sobre toda a riqueza. O secretário do Tesouro, o Dr.
Erzberger, chegou até mesmo a prometer que "na futura Alemanha os ricos
não mais o seriam".[6]
Consequentemente, houve uma maciça "fuga de
capital" da Alemanha, à medida em que todas as classes de poupadores
passaram a investir seu dinheiro em contas bancárias no exterior, bem como em
moedas e papéis estrangeiros. Uma enorme parte da riqueza tributável foi
afastada da sanha tributarista do governo.
Finalmente, a rápida depreciação da moeda que ocorria
durante o intervalo de tempo compreendido entre a transação tributada e a data
do pagamento do imposto reduzia enormemente todos os passivos fiscais. O
contribuinte normalmente pagava uma soma cujo valor real era grandemente
reduzido pela inflação. Não obstante, o dispêndio do governo se acelerava
enquanto a receita em termos de valor real continuava caindo. Os déficits
crescentes passaram então a ser cobertos com quantidades cada vez maiores de
dinheiro impresso, o que por sua vez gerava déficits ainda maiores. As
autoridades monetárias da Alemanha, na realidade, estavam presas em um círculo
vicioso do qual elas não sabiam como - e nem tinham a coragem de - se
desenredar.
A principal autoridade monetária, o Dr. Helfferich,
chegou até mesmo a alertar seu povo sobre as terríveis conseqüências de uma
estabilização monetária.
Seguir o bom
conselho de parar com a impressão de cédulas significaria negar à vida
econômica o meio de circulação necessário para transações, pagamentos de
salários e ordenados, etc. Em um curtíssimo período de tempo todo o público, e
acima de tudo o Reich, não mais poderia pagar mercadores, empregados ou
operários. Em poucas semanas, além da impressão de cédulas, todas as fábricas,
minas, ferrovias e correios, governos locais e o nacional, em resumo, toda a
vida econômica e nacional seriam suspensas.[7]
O balanço de
pagamentos e o Tratado de Versalhes
Durante todo o período da inflação, a explicação mais
popular para a depreciação monetária era aquela que jogava a culpa em um
desfavorável balanço de pagamentos, cujo culpado era, por sua vez, o pagamento
de reparações e outros ônus impostos pelo Tratado de Versalhes. Para a maioria
dos escritores e políticos alemães, os déficits do governo e a inflação do
papel-moeda não eram as causas, mas, sim, as conseqüências da depreciação
externa do marco.
A vasta popularidade dessa explicação, que
responsabilizava totalmente os vitoriosos aliados pelo desastre alemão, trouxe
implicações agourentas para o futuro. Sua simplicidade tornou-a atraente para a
massa de pessoas economicamente ignorantes, cujo nacionalismo extremado sempre
faz com que idéias como intrigas e conspirações estrangeiras pareçam muito
palatáveis. Os intelectuais e os líderes políticos que propalaram ativamente
essa doutrina estavam plantando as sementes do vendaval que viriam a colher uma
década mais tarde.
Durante aqueles anos sinistros, a Alemanha na realidade
obteve gratuitamente do exterior grandes quantidades de matérias-primas e
comestíveis. De acordo com várias estimativas oficiais, indivíduos e bancos
estrangeiros compraram pelo menos 60 bilhões de cédulas de marcos que o
Reichsbank havia lançado no exterior. Na época, uma cédula de um marco valia
0,25 de uma cédula de marco-ouro (cédula de marco conversível em ouro). Mas a
depreciação do marco para um trilionésimo do seu antigo valor anulou o valor de
todas as cédulas de marco em posse dos estrangeiros (que podem ser encaradas
como títulos de reivindicação sobre bens alemães). Dessa forma, os estrangeiros
sofreram perdas de aproximadamente 15 bilhões de marcos-ouro, ou algo como $3,5
bilhões de dólares americanos, quantia essa oito vezes maior do que a que a
Alemanha havia pagado em moedas estrangeiras por conta de reparações.
Mas mesmo que fosse verdade que um fardo excessivo havia
sido imposto à Alemanha pelos Aliados, não haveria necessidade para qualquer
depreciação monetária. Ambos os fenômenos são inteiramente independentes. Se há
encargos excessivos sobre um governo, sejam eles encargos domésticos ou
estrangeiros, aquele governo precisa ou aumentar impostos, ou pedir
empréstimos, ou cortar outras despesas. Se os pagamentos de reparação forem
excessivos, pode haver necessidade de impostos bem maiores sobre a população,
ou empréstimos maiores para o governo - o que iria reduzir a oferta de poupança
para a indústria e o comércio -, ou dolorosos cortes nos serviços e empregos
públicos. O padrão de vida das pessoas que assim forem oprimidas provavelmente
irá decair - a menos que a redução da burocracia libere novas energias
produtivas. Mas o valor do dinheiro não será afetado pelo fardo da reparação, a
não ser que a produtividade econômica seja debilitada pela maneira como os
fundos serão arrecadados.
Uma vez que o governo tenha atingido o superávit
orçamentário necessário, o pagamento das reparações torna-se uma simples
questão de troca. O Tesouro compra, do seu Banco Central, a quantia necessária
de ouro ou de moeda estrangeira e a entrega para o governo destinatário. A
perda de ouro ou de moeda estrangeira vai necessitar, então, de uma
correspondente redução de papel-moeda (se quisermos manter a paridade cambial
típica do padrão-ouro), o que por sua vez tende a abater os preços dos bens.
Um
preço menor dos bens estimula mais exportações ao mesmo tempo em que
desestimula importações, isto é, gera aquilo que é chamado de "balanço de
pagamentos favorável", ou um novo influxo de ouro e moeda estrangeira.
Ou
seja, desde que o banco central se abstenha de inflar e depreciar a moeda, não
tem como haver escassez de ouro ou de moeda estrangeira. Mas as autoridades
monetárias alemãs negaram fragorosamente esse raciocínio econômico. Ao
contrário, elas preferiram se queixar contra os excessivos fardos impostos à
Alemanha e o desfavorável balanço de pagamentos gerado por eles. Em 1923 essas
autoridades acrescentaram ainda um outro fator: a ocupação francesa do distrito
de Ruhr. O Departamento Central de Estatística colocou dessa maneira:
A causa
fundamental do desarranjo do sistema monetário alemão é o desequilíbrio do
balanço de pagamentos. A desordem das finanças nacionais e a inflação são por
sua vez as conseqüências da depreciação da moeda. A depreciação da moeda
desordenou o equilíbrio do Orçamento e estabeleceu - como uma necessidade
inevitável - uma discrepância entre receita e despesa, o que provocou o
levante.[8]
Novamente cito o Dr. Helfferich:
A inflação e o
colapso do câmbio são filhos dos mesmos pais: a impossibilidade de se pagar os
tributos impostos sobre nós. O problema de se restaurar a circulação não é um
problema técnico ou bancário; é, em última análise, o problema do equilíbrio
entre os encargos e a capacidade de a economia alemã suportar esses encargos.[9]
Mesmo os economistas americanos fizeram eco à teoria
alemã. O professor Williams apresentou a seguinte ordem causal:
"Pagamentos de reparação, taxa de câmbio em depreciação contínua, aumento
dos preços de importação e exportação, aumento dos preços domésticos, déficits
orçamentários seguidos e, ao mesmo tempo, um aumento na demanda por crédito
bancário; e finalmente um aumento na emissão de papel-moeda."[10] O professor Angell sustenta que "A realidade do tipo
de análise que parte do balanço de pagamentos e do câmbio e vai até os preços gerais e o aumento da
emissão de papel-moeda parece estar definitivamente aceita."[11]
A culpa é dos especuladores
Quando todas as outras explicações se exaurem, os
governos modernos normalmente caem em cima do especulador, que é apontado como
o responsável por todos os malefícios sociais e econômicos. O que a bruxa era
para o homem medieval, o que o capitalista é para socialistas e comunistas, o
especulador é para a maioria dos políticos: a encarnação do mal. O especulador
é considerado como alguém imbuído de um egoísmo cruel e caprichoso capaz de
destruir a economia nacional, os planos do governo e, no caso da inflação
alemã, a moeda nacional. Não importa o quão flagrantemente contraditória essa
explicação possa ser, ela é a mais popular entre autoridades governamentais que
buscam uma explicação conveniente para os fracassos de suas próprias políticas.
As mesmas autoridades que negaram a existência de
qualquer inflação deploraram a depreciação causada pelos especuladores, ou
culparam os fardos das reparações impostas pelos Aliados enquanto
simultaneamente denunciavam os especuladores pela depreciação. O Dr.
Havenstein, o presidente do Reichsbank, abraçando ansiosamente toda teoria
concebível que pudesse isentar de culpa as suas políticas, também apontou o
dedo para os especuladores. Perante uma comissão parlamentar, ele deu seu
testemunho: "No dia 28 de março começou o ataque contra o mercado de
câmbio. Em várias classes da economia alemã, daquele dia em diante, a idéia era
visar apenas o interesse pessoal e não as necessidades do país."[12]
Os jornais repetiram em coro a acusação:
Aparentemente,
a queda do marco não teve sua origem na Bolsa de Nova York, donde se pode
concluir que havia, na Alemanha, uma ativa especulação direcionada para a
contínua elevação do dólar.
Estamos
testemunhando um rápido aumento no número daqueles que especulam com a queda do
marco e que estão interessados em uma depreciação ininterrupta.
A enorme
especulação a favor da apreciação do dólar americano é um segredo aberto.
Pessoas que, a julgar pela sua idade, inexperiência e falta de responsabilidade
não merecem auxílio, conseguiram todavia a ajuda de financistas, pessoas essas
que estão pensando exclusivamente em seus interesses imediatos.
Aqueles
que estudaram seriamente as condições do mercado monetário dizem que o
movimento contra o marco alemão permaneceu, no geral, independente dos mercados
estrangeiros por mais de seis meses. Foram os especuladores baixistas alemães,
auxiliados pela inação do Reichsbank, que forçaram o colapso do câmbio."[13]
No sentido mais amplo, a especulação
está presente em toda ação econômica que cria provisões para um futuro incerto.
O estudante que estuda engenharia aeronáutica está especulando sobre a demanda
futura para seus serviços. O empresário que aumenta seus estoques está
especulando na possibilidade de um mercado lucrativo no futuro. A dona de casa
que acumula açúcar está especulando com a disponibilidade de açúcar no futuro.
O comprador ou vendedor de bens ou ações espera obter lucros com mudanças
futuras nos preços. Todas essas ações refletem uma motivação natural de homens
livres para melhorar seu bem-estar material, ou, ao menos, para evitar
prejuízos.
Quando especuladores observam ou antecipam mais inflação
e mais depreciação monetária eles naturalmente vão se esforçar para vender a moeda
em depreciação e comprar bens ou moeda estrangeira que não depreciem. Eles
estão apenas preservando seu capital de giro. Portanto, eles estão promovendo
não apenas seus próprios interesses, mas também os interesses da sociedade, que
se beneficia com a preservação do capital produtivo. O governo que está
efetivamente destruindo a moeda é que está de fato injuriando o interesse
nacional - especuladores bem sucedidos estão protegendo-o. Os especuladores que
venderam marcos alemães e compraram dólares americanos provaram, no fim, que
estavam certos.
A inflação mundial que atualmente está engolindo o mundo
ocidental foi gerada por doutrinas e teorias similares. Não há um Tratado de
Versalhes e nem pagamentos de reparação que possam ser apontados como os culpados
pela inflação atual. Mas em muitos países da Europa a responsabilidade pela
depreciação monetária está sendo jogada diretamente nos déficits do balanço de
pagamentos dos EUA, que estão inundando aqueles países com dólares americanos.
Enquanto as autoridades monetárias européias estão ativamente inflando e
depreciando suas próprias moedas - conquanto a taxas menores do que suas
colegas americanas -, elas seguem apontando para o balanço de pagamentos dos
EUA como a causa fundamental da depreciação de sua moeda. E assim como durante
a hiperinflação alemã, também estão dizendo que intrigas e artifícios
estrangeiros estão em ação novamente.
Os políticos e as autoridades americanas são rápidos em
jogar a culpa pelas dificuldades em maquinações estrangeiras, principalmente
nas maquinações engendradas "pelos árabes". Considerando-se o cartel
dos produtores de petróleo e o aumento significante nos preços do petróleo, os
países árabes se tornaram os culpados da vez pelos déficits no balanço de
pagamentos dos EUA e pela fraqueza do dólar nos mercados de câmbio
internacional. Para que nenhuma suspeita paire sobre as autoridades monetárias
americanas, o próprio povo americano entra em cena para receber parte da culpa.
O "excessivo" uso que os americanos fazem de petróleo estrangeiro,
dizem as autoridades, ajuda a contribuir para os déficits do balanço de
pagamentos e para a desvalorização do dólar. Portanto, os líderes políticos e
as autoridades econômicas dos EUA já estão debatendo a premência de impostos
especiais que reduzam o consumo de petróleo estrangeiro. Após a pancada árabe
no bem-estar econômico americano, o governo dos EUA está preparando a sua
pancada em nome da estabilidade financeira.
E novamente os especuladores estão sendo acusados.
Investidores americanos que compram papéis estrangeiros ou que fazem
investimentos diretos no exterior são considerados uns dos grandes responsáveis
pela saída de capital dos EUA, o que está criando um balanço de pagamentos
desfavorável e uma depreciação do dólar. Ademais, aqueles americanos que
preferem produtos estrangeiros aos produtos nacionais, ou que escolhem viajar
para o exterior ao invés de ficarem dentro do país, são vituperados como
egoístas e antipatrióticos. Inúmeras regulamentações impostas pelas mesmas
autoridades monetárias que perpetraram a inflação planejam impedir a especulação
com o intuito de salvar o dólar.
O argumento enganoso de negar a presença de qualquer
inflação em termos do poder de compra ou do valor do ouro ainda não foi
levantado. Mas espera-se que ele surja em momentos posteriores, quando as
autoridades estarão desesperadas por qualquer justificativa que prometa livrar
suas caras.
[N. do T.: esse artigo foi extraído do livro The Age of Inflation, escrito por Hans Sennholz, em 1979. Mas, a julgar pelos
últimos parágrafos, seria fácil se deixar enganar e acreditar que ele tivesse
sido escrito nos dias atuais. A incompetência de políticos na gerência de
questões monetárias é tamanha que o assunto inflação tornou-se atemporal; não
importa o texto, ele sempre será atual]
[1] Costantino Bresciani-Turroni, The Economics of Inflation (Terceira impressão, Nova York:
Augustus M. Kelley, 1968), p. 440.
[2] Karl
Helfferich, Das Geld (Leipzig: C. L. Hirschfeld, 1923 [1910]),
p. 646.
[3] Julius Wolf, Markkurs
Reparationen und russisches Geschäft (Stuttgart
F. Enke Verlag, 1922), p.10.
[4] Karl Elster, Von
der Mark sur Reichsmark (Jena
C. Fischer 1923) p 167.
[5] Exatamente
a mesma situação vem ocorrendo atualmente no Zimbábue. Por achar que está
havendo uma escassez de moeda - pelo fato de as pessoas estarem cada vez mais
rejeitando o uso da mesma - o Banco Central daquele país chegou ao cúmulo de
emitir um nota de 100 bilhões de dólares. Veja e observe a hilária legenda da
foto.http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL688501-9356,00.html
[6] Compare com Costantino Bresciani-Turroni, The Economics of Inflation, op
cit, p. 55.
[7] Das Geld, op cit., p 650.
[8] Statistisches Reichsamt, Deutschlands Wirtschaftslage (Berlim, março de 1923), p. 24.
[9] "Die Autonomie der Reichsbank," Berliner-Bösen-Courier, 4 de abril de 1922, p. 1.
[10] John Henry Williams, "German Foreign Trade and the
Reparations Payments," Quarterly
Journal of Economics,Vol. 36, (maio de 1922), p. 503.
[11] James W. Angell, The
Theory of International Prices (Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press, 1926), p. 195.
[12] Citado por Costantino Bresciani-Turroni, op. cit., p. 63.
[13] Das Abendblatt, Berlim, 22 de maio de 1923, p. 1.