segunda-feira, 5 0aio 2014
No
final dos anos 1980, quando o domínio do império soviético na Europa central
começou a se esfacelar, surgiu uma premente questão política para a qual poucas
pessoas até então haviam dado atenção: como transformar economias socialistas
em economias de mercado plenamente operantes?
Quanto
mais esta discussão ganhava atenção, mais pavoroso era constatar o quão pouco os
economistas profissionais eram capazes de contribuir. Por exemplo, no encontro anual da American
Economic Association, um considerável número de proeminentes
economistas simplesmente admitiu não ter a mais mínima ideia de como criar a ordem
institucional necessária para se estabelecer uma economia de mercado.
Na
primeira metade do século XX, vários economistas se tornaram cada vez mais
interessados em tentar fazer com que a economia se transformasse em uma disciplina
"rigorosamente científica". Do ponto de
vista destes economistas, tal objetivo requeria a construção de modelos
quantitativos, nos quais os indivíduos e suas ações eram reduzidos a meras
"variáveis dependentes" dentro de uma série de equações matemáticas. O indivíduo se tornava uma simples variável
passiva, a qual "reagia" a várias "limitações" que existiam dentro da arena das
trocas voluntárias. Neste cenário, as
instituições políticas, jurídicas e econômicas ao redor deste indivíduo eram
simplesmente um "pano de fundo" que servia como base para uma análise
quantitativa sobre como as pessoas fazem suas escolhas de acordo com as
limitações existentes.
Como
estas instituições surgiram e se desenvolveram, e como as ideias e as ações dos
indivíduos influenciaram e moldaram estas instituições ao longo do tempo, eram
questões quase nunca discutidas.
No
entanto, ao longo dos últimos 30 anos, desenvolveu-se um novo ramo da ciência
econômica chamado de Nova Economia Institucional, cujo objetivo principal é
investigar exatamente a interação entre o indivíduo e as instituições
sociais. Um dos principais
contribuidores desta área é Douglass C. North, vencedor do Prêmio Nobel de
economia em 1993 por seus trabalhos sobre a história econômica da Europa e dos
EUA. Em seu livro Entendendo
o Processo de Mudança Econômica, North explica a importância das
instituições para o aprimoramento das condições humanas, e mostra as
dificuldades de se desenvolver teorias e implantar políticas voltadas para o
melhoramento da sociedade.
North
começa sua obra dando ênfase ao inquestionável fato de que o homem vive em um
mundo repleto de incertezas e imprevisibilidades, realidade essa que, por si
só, impossibilita toda e qualquer aplicação daqueles modelos matemáticos
estáticos e deterministas que dominam a esmagadora maioria dos manuais de
economia. O "método científico" funciona
maravilhosamente bem para permitir ao homem dominar as leis do mundo da física,
mas possui severas limitações e falhas inerentes quando aplicado
indiscriminadamente à condição humana e ao comportamento humano.
O
homem possui qualidades exclusivas que são singularmente distintas das
características inerentes aos objetos de estudo da física e da química:
criatividade e objetividade. O homem
raciocina, imagina e planeja. Isso
introduz um elemento de imprevisibilidade que não está presente no estudo da
natureza inanimada. A ação humana simplesmente
não está propensa a probabilidades
estatísticas estáveis.
Adaptando
alguns temas oriundos da psicologia cognitiva, North argumenta que o homem está
mais para um descobridor racional de padrões do que para um solucionador lógico
de problemas. Em outras palavras, tudo
indica que a mente humana evoluiu de tal maneira a estar sempre tentando observar
uma ordem e uma relação entre coisas e eventos, mesmo quando tais fenômenos
podem não estar lá. Como resultado deste
comportamento mental, o homem está continuamente tentando estabelecer padrões
e relações neste mundo, sempre com o intuito de alcançar inteligibilidade e um
grau de certeza previsível.
Esta
é a origem das crenças e ideias humanas a respeito de "como as coisas
funcionam", desde superstições primitivas até as mais complexas teorias sobre a
natureza e o funcionamento da ordem social.
Este sistema de crenças e ideias é transmitido de geração para geração,
e vai sendo solidificado nos costumes, nas tradições e em outras instituições
culturais. Consequentemente, a ordem
institucional é o resultado cumulativo de gerações de mentes que interagiram
entre si.
As
regras sob as quais os homens vivem, argumenta North, foram geradas pelos
esforços do próprio homem em tentar reduzir suas incertezas sociais. Ao voluntariamente restringir suas próprias
ações e as de seus conterrâneos por meio de normas, valores e procedimentos
interativos que definem e determinam os códigos de conduta — bem como os
fundamentos da legitimidade e da obediência —, o homem introduz graus de
previsibilidade aos processos sociais e econômicos.
Algumas
destas regras institucionais foram formalmente criadas por meio de códigos
jurídicos e políticos. Mas a grande
maioria, se não a quase totalidade, é de regras informais que foram aprendidas e absorvidas em decorrência do
simples fato de se nascer e viver dentro de uma determinada sociedade — regras
estas que frequentemente não são explicitamente enunciadas.
A
grande transformação observada na evolução sociocultural do homem, explica
North, ocorreu quando as relações de troca evoluíram do pessoal para o
impessoal: ou seja, quando evoluíram da pequena tribo e suas relações face a
face para um amplo mercado no qual homens separados pelo tempo e pelo espaço, e
sem qualquer parentesco entre si, se tornaram crescentemente interligados por
meio de transações monetárias.
Crenças
e ideias sobre o que era justo, moral e correto começaram a se desenvolver de uma
maneira que tornou possível o desenvolvimento, ao longo dos séculos, das
instituições hoje presentes nas modernas economias de mercado. North lista uma série destas mudanças
históricas ocorridas na Europa Ocidental, especialmente no sistema bancário, nos
mecanismos de crédito (como notas promissórias, duplicatas ou letras de câmbio)
e nos contratos comerciais, os quais prepararam o terreno para o crescimento
econômico e o contínuo aumento da prosperidade no mundo ocidental observados
nos últimos cinco séculos. Um maior
respeito pela propriedade privada, a aceitação de uma relativamente irrestrita
concorrência de mercado, um maior apreço pelas liberdades individuais sob os
auspícios de leis imparciais, e a imposição de mais limites
sobre o poder tributário e regulatório dos governos fizeram com que as energias
criativas dos homens em geral e dos empreendedores em particular fossem
totalmente liberadas.
No
entanto, o fenômeno oposto também pode ocorrer, e North mostra toda a rigidez e
corrupção que surgem quando crenças e ideias errôneas geram instituições que concedem
poderes crescentes ao estado — seja em sua forma extrema, como na União
Soviética, seja em sua forma mais suave, mas não menos danosa, como no moderno
estado intervencionista, protecionista e assistencialista.
O
dilema é que estas experiências históricas não garantem que as "lições"
corretas serão aprendidas. Como argumenta
North, é comum haver muito "ruído" nos processos históricos; nem sempre fica
claro quais causas (mudanças institucionais ou políticas) geraram quais efeitos
(mudanças no bem-estar econômico, inclusive em graus de liberdade). Adicionalmente, boa parte da informação e da
interpretação sobre mudanças institucionais e políticas chega até a nós por
meio de intermediários intelectuais que possuem suas próprias agendas e
ideologias, e que não compreendem o real funcionamento de determinados
processos socioculturais.
O
real perigo de tudo isso, alerta North, não está apenas no fato de que os
vários países que jamais desenvolveram as corretas instituições de mercado
possam fracassar neste objetivo; está também, e principalmente, no fato de que
a liberdade e a prosperidade nunca estão garantidas para sempre em nenhuma
sociedade. Em outras palavras, mesmo as
sociedades mais bem sucedidas podem sofrer um retrocesso e se desintegrar, degenerando-se
na estagnação econômica e na tirania política — e tudo em decorrência da aceitação
de ideias e crenças erradas, que geram mudanças institucionais fatais.
A
correta compreensão do poder e da importância das instituições é essencial
tanto para aquela população que queira evitar tragédias quanto para aquela que
queira reverter várias políticas perigosas que estejam em curso.