1. Introdução
Imagine
que você jamais tenha escrito ou dito a frase "os eleitores brasileiros são
idiotas" e que você não pense desta forma, mas que, por diversos motivos, venha
a ficar famoso, quase dois séculos depois de sua morte, exatamente por terem
afirmado repetidamente que você pronunciou essa frase. Pois é o que acontece
com a Lei de Say, que jamais escreveu que "a oferta cria a sua própria
procura", mas que é inevitavelmente conhecido por ter escrito algo que nunca
escreveu.
Poucos postulados da economia deram margem a tantas interpretações
equivocadas, algumas por incapacidade de entender as coisas simples, outras por
solércia, quanto o que se tornou conhecido como Lei de Say. Principalmente depois que Keynes a deturpou na Teoria Geral (porque precisava, em
conformidade com seus padrões éticos, proceder desse modo para construir sua
"nova economia"), gerações sucessivas de estudantes, que depois se tornam
professores e economistas, repetem qual papagaios o refrão "a oferta cria a sua
própria procura", sem jamais terem lido uma página sequer de Say. É
constrangedor quando uma mentira se transforma em um apotegma.
Este
artigo não tem a pretensão de ser original. Seus objetivos são tão somente o de
tornar mais acessível na língua portuguesa e de maneira não deturpada as ideias
de um grande economista, o de mostrar como Keynes distorceu suas ideias, o que
gerou e ainda gera grande confusão sobre o que ele realmente escreveu e, por
fim, argumentar no sentido de que ele pode ser considerado sem nenhum favor
como um importante precursor da Escola Austríaca de Economia. Nele, descrevo
análises sobre Say e sua obra e
acrescento informações que acredito sejam importantes para caracterizar Say
como um austríaco, ou um pré-austríaco, mas de qualquer forma um
homem à frente dos demais de seu tempo.
De
fato, o economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832) pode sem dúvida ser
considerado como um dos mais importantes predecessores da Escola Austríaca.
Nascido em Lyon, foi enviado para a Inglaterra para completar seus estudos e viveu
em Croydon e depois em Genebra e Londres, onde trabalhou no comércio.
Posteriormente, voltou a seu país natal, para trabalhar em uma companhia de
seguros. Fortemente influenciado pela obra de Adam Smith, especialmente pela
ardorosa defesa do livre comércio que caracterizou o pensador escocês, entre
1794 e 1800 foi editor do periódico La Decade philosophique, litteraire et politique,
que se dedicava a defender as vantagens do livre mercado e a criticar o
intervencionismo.
Discípulo
de Adam Smith, Say fez muito para divulgar o trabalho do escocês no continente Europeu,
embora A Riqueza das Nações tenha sido traduzida para o francês quando Say
tinha apenas 12 anos de idade. Assim como Smith, Say criticou fortemente as
doutrinas do mercantilismo (ou, para os franceses, colbertismo) e procurou substituí-las pelo pensamento mais liberal.
Teve a alegria de ver seu livro passar por cinco impressões durante sua vida. O
Traité era tão popular nos Estados
Unidos que a tradução em inglês serviu como um texto padrão de desenvolvimento
econômico em faculdades e universidades americanas durante grande parte do
século XIX.
Em
1800, publicou Essai sur les moyens de reformer les moeurs d'une
nation, mas foi em
1803 que publicou aquela que é considerada sua maior obra, o Traité d'économie politique ou simple
exposition de la manière dont se forment, se distribuent et se composent les
richesses, cuja 6ª edição, de 1841,
pode ser lida neste link. Em 1814, publicou uma segunda edição da obra, dedicada ao
imperador Alexandre I da Rússia, que tinha declarado ser seu pupilo. No mesmo
ano, o governo francês o enviou para estudar a economia do Reino Unido e o
resultado dessa viagem foi o pequeno livro De
l'Angleterre et des Anglais. Em 1817 publicou a terceira edição de seu Traité. O Conservatório des Arts et
Métiers criou uma cadeira de Economia
Industrial para ele em 1819 e em 1831
foi nomeado professor de economia política no Collège de France. Em 1828-1830
publicou seu Cours complet d'économie
politique pratique. Em 1826, foi eleito membro estrangeiro da Academia Real
Sueca de Ciências.
Um dos
escritos que mais o caracterizam como um antecessor dos austríacos é o conjunto de cinco cartas que escreveu a Malthus, Lettres
à M. Malthus sur l'économie politique et la stagnation du commerce, em
que critica a visão malthusiana a respeito da estagnação econômica.
Seus
trabalhos o tornaram influente na Itália, Espanha, Alemanha, Rússia, América
Latina, Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, no qual teve entre seus admiradores
Thomas Jefferson e James Madison. Foi coerente com sua defesa da liberdade
econômica ao longo de toda a sua vida e faleceu em Paris.
Infelizmente,
os livros-texto de História do Pensamento Econômico costumam mencionar Say
apenas superficialmente e sempre o ligando à lei que levou o seu nome e, mesmo
assim, apresentando-a de maneira descaracterizada, o que continua contribuindo
para banalizar sua importante obra. A melhor das exceções é o livro de Murray
Rothbard, Classical Economics: na Austrian
Perspective on the History of Economic Thought, vol. II, J.B. Say: the French tradition in Smithian Clothing.
Como sustenta Larry J. Sechrest, no capítulo 4 do
excelente livro The Great Austrian
Economists, uma coletânea de artigos editada por Randall G. Holcombe e
publicada pelo Mises Institute, ao invés de classificar Say como uma ligeira
variação em torno de Adam Smith, é muito mais preciso reconhecer que ambos
representam dois caminhos sinuosos, geralmente divergentes, incorporados dentro
da economia clássica. Sechrest escreve: "Smith
leva a David Ricardo, John Stuart Mill, Alfred Marshall, Irving Fisher, John
Maynard Keynes e Milton Friedman. Say leva de A.R.J. Turgot e Richard
Cantillon a Nassau Senior, Frank A.
Fetter, Carl Menger, Ludwig von Mises e Murray Rothbard." E acrescenta:
O leitor deve ter em mente, no entanto, que esses
dois caminhos ou progressões, têm sido muitas vezes tortuosso e não lineares.
Ou seja, J B Say foi de várias maneiras realmente um precursor da Escola
Austríaca, mas não se deve saltar à conclusão de que ele era um austríaco
completo, mas sim que estava simplesmente à frente de seu tempo. Não se deve
ler Say e esperar que, em todos os pontos, vá se encontrar Mises. [pp. 170-171]
Passemos a esquadrinhar o pensamento desse
extraordinário economista francês, o que faremos dividindo-o nos seguintes
compartimentos: metodologia, teoria monetária e bancária, lei dos mercados,
empreendedorismo, capital e juros, valor e utilidade, tributação, Estado e
controvérsias.
2.
Metodologia
A abordagem de Say é, em termos filosóficos, a de um
realista que procura a essência dos atos econômicos, combinando um ceticismo
saudável no que diz respeito à utilidade dos estudos estatísticos com a ênfase
na observação dos fatos do mundo real. Bem antes de Menger, Say intuiu que as descrições
estatísticas "não indicam a origem e
as consequências dos fatos que tenham recolhido". Para ele, somente
análises causais baseadas no essencial das entidades envolvidas podem alcançar
esse fim, e tais análises são a tarefa principal da economia política. Ele vê a
economia como uma verdadeira ciência capaz de estabelecer "verdades
absolutas", mas alerta para o fato de que a economia só se torna uma
ciência quando confinada aos resultados da investigação indutiva. Na verdade, sustenta
que a economia política forma uma parte da ciência experimental e é, portanto,
bastante semelhante à química e à filosofia natural.
No que se refere à taxonomia da economia política,
ele divide todos os fatos em (a) aqueles que se referem a objetos e (b) os que
se referem a eventos ou interações. O primeiro é o domínio da ciência descritiva
(por exemplo, botânica), enquanto o último é o domínio da ciência experimental
(por exemplo, química ou física).
Acima de tudo — afirma Sechrest — Say procura ser
prático, pois "nada pode ser mais
ocioso do que a oposição entre teoria e prática!". Para isso, ele tenta sempre empregar uma
linguagem precisa e mais simples possível, de modo que qualquer pessoa
alfabetizada e razoavelmente inteligente possa compreender o seu significado.
Como vemos, para Say, como para a maioria dos austríacos modernos, a economia
não é um reino sombrio que só possa ser penetrado por especialistas, mas um
assunto de enorme importância prática e acessível a todos. Não é, portanto,
nenhuma surpresa quando descobrimos que Say, em conformidade com essa meta de
clareza, lucidez e inteligibilidade, critica a Riqueza das Nações de Adam Smith por ser "destituída de método", obscura, vaga e desconexa, bem
como por conter digressões demasiado longas sobre temas como guerra, educação,
história e política, que distraem os leitores, afastando assim seu interesse
pela matéria.
Rothbard, em seu brilhante tratado de História do
Pensamento Econômico, observa, a respeito de Say, que ele foi um precursor da
Praxeologia. Vejamos o que escreveu na página 15:
Say, então, brilhantemente aponta que é impossível
para os povos ou nações "aprender com a experiência" e adotar ou
rejeitar teorias corretamente apenas com esta base. Desde o início da era
moderna, observa ele, riqueza e prosperidade têm aumentado na Europa ocidental,
enquanto ao mesmo tempo os Estados-nações têm agravado as restrições ao
comércio e multiplicado a interferência da tributação. A maioria das pessoas conclui
superficialmente que este último causou o primeiro, isto é, que o comércio e a
produção aumentaram como resultado da interferência do governo. Por outro lado,
Say e outros economistas políticos argumentam o contrário, que "a
prosperidade dos mesmos países teria sido muito maior, se tivessem sido
governados por uma política mais liberal e esclarecida". Como podem os fatos ou
a experiência decidirem entre essas duas interpretações conflitantes? A
resposta é: eles não podem, que só uma teoria correta, dedutível de alguns
fatos ou princípios gerais universais pode fazê-lo. E é por isso, nota Say, as
"nações raramente tiram qualquer benefício com as lições da
experiência". Para fazer isso,"a comunidade em geral deve estar
habilitada para aproveitar a conexão entre as causas e as suas consequências, a
qual, uma vez que supõe um grau muito elevado de inteligência e uma capacidade
de reflexão rara ". Assim, para se chegar à verdade, apenas o completo
conhecimento de alguns fatos gerais essenciais é importante; e todos os outros conhecimentos de fatos, como a erudição de um
almanaque, são meras compilações, a partir das quais nada resulta.
Ainda de acordo com Rothbard, uma característica
particularmente notável de Say é que foi ele o primeiro economista que pensou
profundamente sobre a metodologia adequada de sua disciplina e baseou o seu
trabalho, tanto quanto pode, nessa metodologia. A partir da leitura de
economistas que o antecederam historicamente e de seu próprio estudo, ele
chegou ao método único da teoria econômica, o que Ludwig von Mises, um século
depois, chamou de "Praxeologia". Nas palavras de Rothbard,
Say
percebe que a ciência econômica não pode ser baseada em uma massa de
determinados fatos estatísticos incipientes, mas, em vez disso, em fatos muito
gerais (jait generaux), fatos geral, universal e profundamente enraizados na
natureza do homem e seu mundo que todos, ao tomar conhecimento ou leitura
deles, os aceitariam. Estes fatos são baseados, então, na natureza das coisas
(la natureza des choses), e nas implicações dedutivas desses fatos, tão
amplamente enraizada na natureza humana e na lei natural. Uma vez que estes grandes
fatos sejam verdadeiros, suas implicações lógicas devem ser verdadeiras também.[pp. 12-13]
3.
Teoria monetária e bancária
A
discussão sobre a teoria monetária de Say abre com o que é agora um argumento
padrão, o problema da "dupla coincidência de desejos" e de como um
meio de troca é capaz de resolvê-lo. Sua explicação de como um produto muito
procurado espontaneamente se transforma em um meio de troca aceito lembra o
famoso tratamento que Carl Menger deu à mesma questão, embora antecedendo
Menger em sete décadas. Historicamente, o dinheiro aparece devido ao
autointeresse, e não a algum decreto do governo e sua forma deve ser
determinada livremente pela interação das preferências dos consumidores.
Em seu Traité ele analisa a lista das
propriedades que um meio de troca deve idealmente possuir: durabilidade,
portabilidade, divisibilidade, elevado poder de compra por unidade e
uniformidade e a partir daí chega à conclusão, familiar hoje em dia, de que os
metais preciosos (ouro e prata) são excelentes opções como ativos monetários.
Em outras palavras, se os indivíduos são livres para escolher, é altamente
provável que eles vão escolher a moeda-mercadoria (espécie). Embora seja
verdade que Say tenha sido um forte defensor de ouro e prata como dinheiro, é
interessante perceber que ele não admitia a possibilidade de que eles poderiam
ser substituídos por outras commodities
caso veias ricas de um minério novo fossem descobertas.
Para
Say, a única intervenção justificável pelo Estado em questões monetárias necessárias
é a cunhagem de moedas. Na verdade, admite que essa atividade deve ser
monopolizada pelo Estado , pois, segundo ele, provavelmente haveria mais
dificuldade em detectar as fraudes de emissores privados. Em particular, em
qualquer sistema em que o ouro e a prata coexistam como metais monetários, os
governos devem evitar cuidadosamente definir uma taxa de câmbio oficial entre
os dois, ao contrário do que foi feito nos episódios históricos de
bimetalismo. Say claramente entende por
que a prática do bimetalismo sempre levou ao desastre. Ou seja, o dinheiro
oficialmente sobrevalorizado alijou o dinheiro oficialmente subvalorizado de
circulação, um princípio conhecido como a Lei
de Gresham (enunciada pelo aforismo "a moeda má expulsa a moeda boa").
Say
também afirma enfaticamente que a moeda é regida pela oferta e demanda, assim
como todas as commodities. O poder de
compra de uma unidade monetária sobe e desce conforme a proporção relativa
entre a demanda e a oferta de moeda.
No que
diz respeito aos bancos, Say distingue entre bancos de depósito e bancos
de circulação, tratando ambos como instituições legítimas. O primeiro
funciona como um armazém para dinheiro: detém reservas de cem por cento em todos
os momentos, e proporciona conveniência, bem como segurança, na medida em que garante
as transações em nome de seus depositantes, transferindo fundos da conta de um
cliente para outro, serviços para as quais cobra uma fee. Os segundos – os bancos de circulação — funcionam como
verdadeiros intermediários financeiros. Detêm reservas fracionárias, emitem notas e geram uma receita de juros, descontando notas promissórias e letras
de câmbio. Contanto que os bancos sejam bem administrados, devem ser
independentes do governo. Eis aí, então,
em Say, outro componente austríaco moderno!
Há dois
insights adicionais de Say sobre
temas monetários que não podemos ignorar. O primeiro é que ele enfatiza que,
como a divisão de trabalho se prolonga cada vez mais na sociedade, horizontal e
verticalmente, isto é, como os indivíduos são cada vez mais especializados, o
número e a importância das trocas aumentam. E isso requer um meio de
identificação de troca. Em poucas palavras, o dinheiro é uma parte integrante
da ascensão da moderna civilização. Em segundo lugar, Say concorda, com mais de
um século de antecedência, com Mises e Rothbard, que insistem que qualquer oferta
nominal de moeda é "ótima", enquanto os preços são livres para o
processo de mercado fazer os ajustamentos, porque qualquer aumento ou redução
em termos nominais simplesmente muda o poder de compra por unidade em proporção
inversa. Assim, a oferta real de moeda (ou liquidez real) permanecerá a mesma.
Rothbard,
na página 40, observa que Say defende o regime de 100 por cento de reservas dos
bancos de Hamburgo e Amsterdã. Bancos de
circulação livres para emitirem são preferíveis a um regime de monopólio
por parte de um banco central, já que a competição obriga cada um deles a
cortejar, bajular e competir pelo público. E se esses bancos não operam em
regime de 100% de reservas, Say continua a sustentar que é melhor a competição
entre eles do que o monopólio estatal, pois assim eles terão que executar
"políticas monetárias" saudáveis, isto é, que garantam a capacidade de resgate
de suas notas emitidas.
4. A "Lei de Say"
Como
bem faz notar Rothbard na página 27 do segundo volume de seu tratado sobre a
História do Pensamento Econômico, Say é praticamente ignorado pelos economistas
e historiadores econômicos modernos, exceto por uma única parcela de seu
pensamento, que ficou conhecida como Lei
dos mercados de Say, que foi mais tarde absorvida pelos ricardianos britânicos. Rothbard afirma
que James Mill, a quem denomina de "o Lenin" do movimento ricardiano, apropriou-se da lei em sua Commerce Defended de 1808 e que Ricardo a adotou
diretamente a partir de seu descobridor e mentor.
A lei de Say é muito simples e quase um
truísmo de tão autoevidente, e não é difícil compreender que despertou uma
série de tempestades apenas por causa de suas implicações políticas e
consequências. Para Say e os austríacos que o sucederiam nos
séculos seguintes, a lei é uma resposta severa e adequada aos vários ignorantes
econômicos, bem como aos que, em cada recessão econômica ou crise, começam a
queixar-se em voz alta sobre o terrível problema da "superprodução geral" ou,
na linguagem utilizada no seu tempo, um "excesso geral" dos bens no
mercado.
"Superprodução"
quer dizer produção em excesso ao consumo, ou seja, a produção é muito grande,
em geral, comparada com o consumo e, portanto, os produtos não podem ser
vendidos no mercado. Se a produção é muito grande em relação ao consumo, então,
obviamente, este é um problema - que hoje é chamado de "falha de
mercado" -, um fracasso dos mercados e que deve ser compensado pela
intervenção do governo. Tal intervenção teria que ser uma ou mais das seguintes
formas: reduzir a produção ou estimular artificialmente o consumo. Exatamente
como o New Deal o fez, com duplo
insucesso, nos anos 30 do século XX.
Ora,
estimular a demanda do consumidor tem sido o programa preferido dos
intervencionistas há muitos anos. Geralmente, isto é feito pelo governo, seja
com seu banco central inflacionando a oferta de moeda e/ou pelo governo, quando
este incorre em fortes déficits. Deixemos Rothbard, com a lógica e o talento
que lhe eram característicos, se expressar:
Com efeito, déficits no
orçamento do governo pareceriam ser o ideal para os adeptos da teoria da
sobre-produção e do sub-consumo. Afinal,
se o problema é o excesso de produção ou a insuficiência dos gastos em consumo,
então a solução é estimular o consumo improdutivo — e quem melhor do que o
governo para fazer isso, sendo ele uma instituição que, por sua própria
natureza, é improdutiva e até mesma contraproducente? [pág. 27]
Mark
Skousen, em artigo
intitulado A verdadeira Lei de Say - e
não a distorção keynesiana, começa com uma citação do economista keynesiano
Steven Kates: "Keynes . . . além de não ter entendido, deturpou a Lei de
Say. . . . Este é o legado mais duradouro de Keynes, um legado que deformou
permanentemente toda a teoria econômica". De fato, Keynes deturpou a teoria original de Say - sua famosa lei de
que os mercados sempre tendem ao equilíbrio - com o único objetivo de, ao
atacar essa teoria de maneira deturpada, poder gerar uma revolução na ciência
econômica. Segundo Kates, toda a Teoria Geral "é uma tentativa de
refutar a Lei de Say".
Portanto, a fim de justificar suas propostas
intervencionistas, Keynes precisava refutar a Lei de Say e o fez de forma
moralmente condenável, porque a distorceu e a adulterou escandalosamente.
Como afirma Kates, "Keynes se equivocou em sua interpretação da Lei de
Say e, ainda mais importante, se equivocou quanto às implicações econômicas da
mesma." E vale ressaltar, como menciona Skousen, que Kates é
totalmente simpatizante da economia keynesiana!
Como Keynes
compreendeu erradamente a Lei de Say (ou simulou isso deliberadamente)?
Já na introdução da Teoria Geral o Sr. Keynes
afirma que a principal questão da macroeconomia estava na Lei de Say:
Creio que, até uma época recente, a ciência
econômica em todos os lugares tem sido dominada . . . pelas doutrinas
associadas ao nome de J. B. Say. É verdade que sua "lei dos
mercados" já foi há muito abandonada pela maioria dos economistas; porém,
eles próprios ainda nãose libertaram das
suposições básicas criadas por Say, particularmente de sua falácia de que a
demanda é criada pela oferta. . . No entanto, uma teoria baseada nesta
suposição é claramente incapaz de atacar os problemas do desemprego e dos
ciclos econômicos.
Infelizmente, Keynes não foi capaz de entender,
ou, se a entendeu, distorceu-a deliberadamente — o que é pior — a Lei de
Say. Ao afirmar incorretamente, seguindo Mill, que a lei reza que "a
oferta cria sua própria demanda", ele na realidade sugeriu que o objetivo
de Say era dizer que qualquer bem ou serviço que venha a ser produzido será
automaticamente comprado nos mercados. Logo, a Lei de Say não poderia
explicar os ciclos econômicos. Mas Keynes, além de não ser apegado a valores
morais sólidos, era arrogante e abusado. Foi avante e escreveu que a Lei de Say
"pressupõe pleno emprego". E gerações de keynesianos vêm cometendo este erro até hoje, embora dificilmente
algo possa estar mais longe da verdade. As condições do desemprego não
proíbem a produção e nem as vendas, pois ambas formam a base do aumento da
renda e do aumento da demanda. Ademais, segue Skousen, a Lei de Say serviu especificamente de base para a teoria clássica dos
ciclos econômicos e do desemprego. Como declarou Kates, "A posição dos economistas clássicos
era a de que o desemprego involuntário não somente era possível, como na
realidade ocorria frequentemente, e com sérias consequências para os
desempregados".
Mas o que é,
afinal, a Lei de Say?
No Livro I, capítulo 15 (Des débouchés, em
português, "das oportunidades"), Say escreve assim:
C'est
pour cela qu'une bonne récolte n'est pas seulement favorable aux cultivateurs,
et qu'elle l'est en même temps aux marchands de tous les autres produits. On
achète davantage toutes les fois qu'on recueille davantage. Une mauvaise
récolte, au contraire, nuit à toutes les ventes. Il en est de même des récoltes
faites par les arts et le commerce. Une branche de commerce qui prospère fournit
de quoi acheter, et procure conséquemment des ventes à tous les autres
commerces ; et d'un autre côté, quand une partie des manufactures ou des
genres de commerce devient languissante, la plupart des autres en souffrent.
Em
português,
É por isso que uma boa colheita não é favorável apenas para
os agricultores, mas também para os comerciantes de todos os outros produtos. Nós compramos mais sempre que interagimos
mais. A má colheita, no entanto, afeta todas as vendas. O mesmo é verdade para
os bens e coleções produzidos pelas artes e comércio. Um ramo do comércio que
seja próspero o suficiente para comprar, portanto, fornece vendas para todas as
outras lojas e, por outro lado, quando algumas fábricas ou empreendimentos
tornam-se debilitados, a maioria dos outros sofre.
Say queria dizer que, quando um produto é criado,
ele, desde aquele instante, por meio de seu próprio valor, proporciona acesso a
outros mercados e a outros produtos. E que quando um vendedor produz e vende um
produto, ele instantaneamente se torna um potencial comprador, pois agora
possui renda para gastar. Para poder comprar alguma coisa, um indivíduo
precisa antes vender. Em outras palavras, a produção é o que gera o
consumo, e um aumento na produção é o que permite que haja um maior gasto com
consumo.
Em suma, eis a Lei de Say: a oferta
(venda) de X cria a demanda por (pela compra de) Y. E ilustrou seu
pensamento com o exemplo do agricultor.
E, sob o ponto de vista da Escola Austríaca,
Say está correto. Sempre que uma recessão se inicia, a produção é a
primeira variável a entrar em declínio, bem antes do consumo. E quando a
economia começa a se recuperar, acontece o mesmo fenômeno, porque a produção
foi retomada e somente depois é seguida pelo consumo. O crescimento
econômico começa com um aumento na produtividade, na produção de novos produtos
e na criação de novos mercados. Portanto, os gastos em produção sempre
acontecem antes dos gastos em
consumo. E isso funciona também na escala individual. Ou
não é uma insensatez José querer aumentar seu padrão de vida simplesmente
aumentando seus gastos ou se endividando para comprar uma Ferrari, sem antes ter
aumentado sua produtividade? Skousen arremata:
Você
pode até ser capaz de viver luxuosamente dessa maneira por algum tempo, mas um
dia inevitavelmente a conta chegará - no caso, a fatura do cartão de crédito ou
o vencimento dos empréstimos bancários.
Naturalmente, o mesmo princípio que se aplica ao
agricultor e ao consumidor José da Silva aplica-se também aos países. A criação
de novos e melhores produtos cria novos mercados e possibilita o aumento do
consumo. Portanto, "o estímulo
ao mero consumismo não traz benefício algum para o comércio; pois a dificuldade
jaz exatamente em como criar os meios para o consumo, e não em como estimular o
desejo do consumo. E já vimos que a produção, por si só, fornece estes meios."
E Say então acrescenta: "Sendo
assim, o objetivo de um bom governo seria apenas permitir que a produção
ocorresse desimpedidamente, ao passo que o objetivo de um mau governo seria
estimular o consumo".
A Lei de Say e a ABCT (Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos)
A Lei de Say afirma que recessões
não são causadas por "insuficiências de demanda", tal como Keynes apregoava, mas
sim por uma ausência de coordenação entre a estrutura da oferta (ou estrutura
de capital, na linguagem austríaca) e a da demanda. As recessões começam
quando os produtores percebem que erraram em suas estimativas sobre o que os
consumidores querem consumir, o que faz com que os bens não vendidos se acumulem
nos estoques. Então, a produção é reduzida, a renda cai e, só então, o
consumo diminui. Keynes estava errado e Say estava correto, 133 anos antes!
Portanto, a maioria dos livros
trancafia a Lei de Say na falsa proposição "a oferta cria sua própria demanda."
No mínimo, isso deveria ser ensinado como "a oferta agregada cria a sua
própria demanda agregada", porque a alegação correta é de que não é a
produção de commodities X que resulta
necessariamente em uma demanda equivalente para X, mas sim que a produção de X
leva a uma procura de produtos A, B, C, e assim por diante.
A produção ou oferta de
mercadorias em geral, leva ao consumo de mercadorias em geral. É certamente
possível para que exista ou uma falta ou um excesso de qualquer produto em
particular, mas a superprodução ou subprodução geral não pode ser mais do que
um fenômeno momentâneo. Por seus próprios dispositivos, o mercado irá corrigir
esses desequilíbrios. Say acreditava,
como os austríacos, nessa lei praxeológica.
Say identifica dois meios pelos
quais opera o processo de correção: principalmente, ele argumenta que, se os
indivíduos poupam parte da renda derivada da produção, na medida em que a
reinvestem em "trabalho produtivo ", no conjunto não há necessidade
de diminuição da produção, renda ou consumo. Este processo de reinvestimento é
alimentado por diferenças nos lucros auferidos pelos empresários. Os bens que
são relativamente mais escassos, e, assim, experimentam preços crescentes,
atraem investimentos adicionais, enquanto que aqueles que são relativamente
menos escassos e, assim, têm preços em queda desestimularão investimentos. E
mesmo se alguém entesourar ou enterrar dinheiro, o objeto final é sempre
empregá-lo em uma compra de algum tipo, por isso não pode existir demanda
deficiente desde que os valores econômicos reais estejam sendo produzidos. Para
que possam existir consumidores, primeiro deve haver produtores.
Ao longo de sua discussão sobre
produção e consumo, Say afirma que a moeda é apenas um condutor neutro, através
do qual a oferta agregada se traduz em demanda agregada, que é o mesmo que
dizer que o dinheiro é o agente de transferência de valores. O mecanismo de
transmissão pelo qual as mudanças na oferta de dinheiro alteram os preços
relativos dos bens e, portanto, redirecionam toda a estrutura inter-relacionada
de produção é um mecanismo desconhecido.
Say também foi austríaco ao expressar
um claro entendimento de que é totalmente benéfica para a sociedade uma queda
dos preços em geral, sempre que tais preços decrescentes são resultantes de
ganhos de produtividade.
Para encerrar essa breve exposição
sobre a verdadeira Lei de Say, que tal recorrermos às palavras de Mises
proferidas em uma palestra nos anos 60, na Foundation for Economic Education?
O mais sincero defensor e
pregador da inflação em nossa época, Lord Keynes, estava certo, do seu ponto de vista, quando atacou
aquilo que é chamado de "Lei de Say". A Lei de Say é uma das
grandes façanhas da teoria econômica. O francês Jean-Baptiste Say, na
chamada Lei de Say, disse que você não pode aprimorar as condições econômicas
simplesmente aumentando a quantidade de dinheiro na economia; quando os
negócios não estão indo bem, não é porque não há dinheiro suficiente. O
que Say tinha em mente, o que ele disse quando criticou a doutrina de que
deveria haver mais dinheiro na economia, era que tudo o que alguém produz
representa, ao mesmo tempo, uma demanda por outras coisas. Se há mais
sapatos produzidos, esses sapatos serão oferecidos no mercado em troca de
outros bens. A expressão "a oferta cria demanda" significa que
o fator produção é essencial. Expressada mais acuradamente, ele estava
dizendo que "a produção cria consumo", ou, ainda melhor, que "a
oferta de cada produtor cria sua demanda pelas ofertas de outros
produtores". Dessa forma, um equilíbrio entre oferta e demanda
sempre existirá em termos agregados (embora Say reconheça que pode haver
escassez e fartura em relação a produtos específicos).
Em última instância, os
bens não são trocados
por dinheiro — o dinheiro é apenas um meio de troca; os bens são trocados por
outros bens. "Você quer minhas maçãs? O que você me dá em
troca delas?" Say acreditava que a criação de mais dinheiro
simplesmente cria inflação de preços; mais dinheiro perseguindo a mesma
quantidade de bens.
E se você aumentar a quantidade
de dinheiro, você não estará melhorando a situação de ninguém, exceto daquele
indivíduo — ou daquele grupo de indivíduos -. para quem você dá esse dinheiro recém-criado;
esse indivíduo, ou esse grupo, poderá então comprar mais coisas, retirando mais
bens do mercado, privando outras pessoas desses bens, piorando o bem-estar
delas".
Creio que, depois do que escreveu
Mises (citado por Skousen), nada há a acrescentar.
____________________________________
Bibliografia
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